segunda-feira, 6 de junho de 2016

A ARTE COMO INSTRUMENTO EM GRUPOS TERAPÊUTICOS – Especificidades da Arteterapia


Por Eliana Moraes


Recentemente iniciei uma série de textos que se propõe a pensar a prática da Arteterapia com grupos, uma modalidade de trabalho tão comum em nossa área, porém em minha percepção, ainda pouco embasada teoricamente em suas especificidades. Minha motivação se deu a partir dos cinco anos de prática em grupos arteterapêuticos na UIP do Hospital Adventista Silvestre e finalizada esta etapa percebi que chegava a hora de embasar teoricamente muito do que tive a oportunidade de testemunhar, observar e atuar intuitivamente. Convido aos leitores interessados pelo tema, a buscarem os textos anteriores desta série (1) para que acompanhem a reflexão.

Em minha busca por literatura que abordasse este tema pude encontrar várias abordagens teóricas sobre grupos terapêuticos que me sustentaram para criar o curso “Grupos em Arteterapia” que acontece atualmente no Espaço Não Palavra. Em literatura específica da Arteterapia, pude encontrar dois livros que também contribuíram para minha proposta e recomendo a leitura: “Arteterapia com Grupos: Aspectos teóricos e práticos” organizado por Maíra Bonafé Sei e
Tatiana Fecchio Gonçales e “Grupos em Arteterapia – Redes Criativas para Colorir Vidas” de Ângela Philippini,

Entretanto, ainda sim, senti falta de alguma literatura que abordasse aspectos específicos da utilização da arte e do processo criativo como instrumento no trabalho com grupos terapêuticos. Mais uma vez me senti convocada para uma das minhas grandes motivações profissionais neste ano: pensar as especificidades da Arteterapia. Neste contexto, me perguntei: Quais são as especificidades da Arteterapia com grupos?

Inicialmente, a partir de meus estudos e da troca com alunas do curso e colegas, pude ressaltar três especificidades da Arteterapia aos quais se apresentam a partir da utilização da arte, das técnicas expressivas e processos criativos no manejo com grupos.

Sobre a linguagem e a observação

Em grupos terapêuticos predomina-se a comunicação verbal entre os participantes e o manejo desta escuta. Quando utilizamos das técnicas expressivas no setting terapêutico grupal abrimos canais de comunicação para além da expressão verbal. Através da arte, fazemos um convite especial para as linguagens não verbais que tanto compõem a comunicação humana.

Além disso, ao lado da escuta, cria-se a oportunidade da observação do outro, em todo o processo do seu agir criativo e sua obra/imagem produzida. O olhar atento para o outro e a percepção de suas expressões mais sutis é um hábito que tem se perdido nas relações atuais, tão “líquidas” (2) ou tão atravessadas pela tecnologia. E a prática nos mostra que esta observação é bastante mobilizadora de questões individuais e também muito enriquecedora na construção do sujeito em terapia

Sobre o agir criativo



A teoria nos diz que a finalidade do grupo terapêutico se dá porque:

No grupo, o indivíduo dá-se conta de capacidades que são apenas potenciais enquanto se encontra em comparativo isolamento. O grupo, dessa maneira, é mais que um conjunto de indivíduos, porque um indivíduo num grupo é mais que um indivíduo em isolamento.” (ÁVILA)

’Fazer grupo’, ou seja, criar um dispositivo clínico grupal é por pessoas em conjunto para que a sua intersubjetividade inerente se revele o mais claramente possível, demonstrando sua articulação e sua composição” (ÁVILA)


Em um texto anterior iniciei uma série de reflexões sobre as especificidades da Arteterapia ao qual defendi que a partir do processo criativo:

O agir amparado pelo continente do setting arteterapêutico é uma espeficifidade da Arteterapia dentre as técnicas terapêuticas. Desta forma, o setting se configura como um ambiente suportado pela transferência com o arteterapeuta para que o paciente vivencie-se no fazer. Que perceba-se em suas dificuldades e resistências e tenha a oportunidade de enfrentá-las. Que em meio a esta experiência ele possa tomar decisões sobre este enfrentamento (ou não) e que assim ele se responsabilize por ela e por si como autor e protagonista da sua obra/história. (MORAES)

Se pensarmos neste conceito no contexto do grupo, percebemos que o agir criativo grupal se apresenta como uma oportunidade para que os participantes vivenciem-se na relação com o outro, “no fazer”.

Para além das propostas em Arteterapia mais comuns, em que cada participante do grupo produz seu trabalho e em seguida todos compartilham sua experiência, uma grande oportunidade de manejo de grupo que o arteterapeuta dispõe é propor técnicas que envolva um processo criativo grupal. Estas propostas estimulam diversas reflexões sobre o indivíduo no grupo, sua interação, postura, comunicação, atuação. (Sobre possíveis questões despertadas em técnicas expressivas grupais no setting arteterapêutico pretendo me aprofundar em uma outra oportunidade)

A prática mostra que em grupos arteterapêuticos, as técnicas expressivas grupais são riquíssimos instrumentos no manejo do arteterapeuta, para que os participantes percebam-se, tomem consciência de suas formas de se relacionarem e façam movimentos de mudança e regulação interna. Estes movimentos naturalmente transbordarão para as relações além do setting arteterapêutico, cooperando para a construção de grupos sociais mais saudáveis e harmônicos.


Sobre o fenômeno do grupo



Um dos princípios que a teoria de grupo nos apresenta é que o todo é mais do que a soma das partes. Ou seja, o grupo é mais do que um ajuntamento de pessoas:
“Grupo não é o que parece... Precisamos de teoria para forjar esta noção. A partir dela podemos vislumbrar o que está mais além da aparência dos grupos, sua fachada, composta de indivíduos independentes, autônomos. O Grupo é invisível. O que realmente interessa do grupo é o invisível, como sugerido pela Hidra de Lerna mitológica – sete cabeças num animal só. O grupo é uma entidade distinta do simples fato de termos sete pessoas andando juntas. A dimensão invisível, latente, inconsciente, é a dimensão real do grupo. De um grupo fazem parte tais e tais pessoas, fenomenicamente. Eu vejo as pessoas, mas o grupo real é algo formado a partir das relações entre as pessoas.” (ÁVILA)

Desta forma, do grupo emerge um fenômeno, inconsciente, invisível. E é para este fenômeno que o terapeuta deve aguçar sua mais refinada escuta. Quando um grupo se forma, torna-se um organismo vivo, com características peculiares e uma identidade própria.

Em Arteterapia o agir criativo grupal e a imagem/obra produzida pelo grupo devem aguçar a escuta mais apurada do Arteterapeuta. Durante o agir criativo grupal se manifesta o fenômeno do grupo em ato, como uma cena a ser assistida e observada atentamente. A obra final, deve ser olhada como uma sombra, um reflexo deste fenômeno que é invisível, mas que se constela na imagem produzida pelo grupo, tornando alguma parte do fenômeno visível, passível de observação pelo terapeuta e pelo grupo e tornando-se subsídio para elaboração das questões individuais e coletivas.

Dentro destas três especificidades ainda há outras nuances a serem pensadas e além delas, outras especificidades do uso da arte no manejo com grupos terapêuticos podem ser apontadas. Esta reflexão é uma construção ainda em aberto para mim e aberta àqueles que quiserem deixar sua contribuição.

(1)   Textos anteriores:
“Arteterapia ‘High Touch’ – Reflexões sobre o trabalho com grupos arteterapêuticos”
“Arteterapia em Grupo: Um depoimento”, “
Grupos Arteterapêuticos – Um estudo (Parte 2)”

(2) Referência à teoria da Modernidade Liquida de Zygmunt Bauman.

Referências Bibliográficas:
ÁVILA, Lazsio Antônio. O Eu é plural: grupos: a perspectiva psicanalítica

MORAES, Eliana. A percepção de si dentro do agir: Especificidades da Arteterapia.




10 comentários:

  1. Comentário de Luciana Pellegrini:

    No grupo percebo que o terapeuta auxiliado pelos demais participantes, são expectadores e parte do processo de cada um. Cada processo criativo realizado no grupo, cada atividade expressiva que se apresenta para o criador da obra e para os observadores , age promovendo a modificação no padrão de um e outro. Assim a ressignificacao acontece de forma coletiva e com uma intensa demanda interna e externa.

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  2. Eliana : adorei seu texto. Vc gostaria de dar uma palestra no curso de Psicologia em fevereiro? A gnt pode se falar in box.

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    1. Olá Maria Cristina!
      Será um prazer!
      Vamos conversar!
      Um beijo!

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  3. Eliana, gostaria de saber se você utiliza as técnicas expressivas grupais desde o início, pois há teorias de grupo que sugerem o seu uso depois que o grupo já construiu um mínimo de identidade e autonomia, o que demanda alguns encontros...

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  4. Olá Sandra! Boa pergunta!
    Na minha percepção, realmente a introdução de técnicas expressivas grupais depende do contexto do grupo e demanda um olhar apurado por parte do terapeuta.
    Naturalmente, em um grupo terapêutico é natural que as técnicas expressivas iniciais sejam para que os integrantes do grupo se apresentem e se conheçam. Mas há técnicas grupais que podem ser inseridas nesse momento inicial.
    A evolução da utilização das técnicas grupais vai depender muito da evolução do vínculo grupal, da identidade formada pelo grupo e os fenômenos ali atualizados.
    Lembrando que cada grupo constela uma identidade absolutamente única. Por isso é tão importante que o arteterapeuta se instrumentalize teoricamente para a escuta de seu grupo e para sua sustentação!

    Sem dúvida, um tema muito rico para ser pensado e debatido!!!!
    Um beijo

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  5. Marcia aluna de arteterapia4 de janeiro de 2017 às 01:24

    Arteterapia em grupo tem a energia do grupo que deve ser mantida em circulação e de preferência em alta.

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  6. Ótimo texto e reflexões para a reta final do pos em Arteterapia.Te acompanho sempre!

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