Com frequência cito em meus textos minha parceira de estudo e trabalho,
Flávia Hargreaves. Hoje o espaço do blog é cedido à ela.
Bem vinda Flávia!
Adaptação do "desenho automático" feito a seis mãos durante o grupo de estudos
"Arteterapia e História da arte: Dada e Surrealismo".
Junho/2013.
Minhas indagações a respeito da contribuição da História da Arte para a
Arteterapia iniciaram em 2009, quando, ao lado de Eliana Moraes, criamos nosso
primeiro grupo de estudos sobre o tema. Na época selecionamos alguns artistas e
estudamos suas biografias, assistimos a filmes e analisamos as imagens em
função da personalidade dos mesmos e de acontecimentos marcantes em suas vidas,
buscando identificar como estes episódios, traumas, etc. influenciaram a
trajetória artística de cada um e de como e se a Arte teria contribuído no seu
processo de individuação.
Em 2013, por sugestão de Eliana, voltamos o nosso olhar para o
Surrealismo e seu interesse em acessar o inconsciente utilizando técnicas de automatismo
inspiradas no método de associação livre, criado por Freud.
Logo de início, o Dadaísmo se impôs como uma matéria a ser estudada e
experimentada. Identificamos muitas praticas comuns na Arteterapia nos
processos dadaístas, o que se repetiu no estudo do Surrealismo. Observando as
aproximações e diferenças entre as propostas artísticas e terapêuticas. O passo
seguinte foi pensar em como transpor estes processos para o setting terapêutico mantendo o link com
a sua origem.
Foi preciso estabelecer alguns critérios para deixar claras as
semelhanças e diferenças entre os dois movimentos. Entre as semelhanças, que
nos interessam diretamente, destacamos a busca da não-razão, do não-controle e da
quebra de padrões estabelecidos e consagrados na História e Teoria da Arte (o
que pra nós se converte em visão de mundo, comportamento, etc.). Porém, os dois
movimentos tem olhares e propostas diversas sobre a Arte e procedimentos.
O Dadaísmo busca a não-razão através do acaso, do caos, do absurdo, não se
interessando em teorias sobre o inconsciente ou em formular teorias sobre a Arte.
O Surrealismo, movimento posterior ao Dada, o faz através de automatismos cuja origem
se encontra na associação livre freudiana experimentada por Andre Breton, psiquiatra,
poeta e o principal teórico do movimento. Tanto o acaso como o automatismo irão
abrir espaço para o inconsciente, embora os dadaístas não se refiram a este
termo.
Nossos estudos foram levados para a clínica por Eliana Moraes na Unidade
Integrada de Prevenção / Hospital Adventista Silvestre e em atendimentos
individuais em seu consultório, com resultados surpreendentes e levados por mim
para as salas de aula em minicursos de História da Arte e em cursos de Formação
em Arteterapia no Rio de Janeiro (Ligia Diniz e Integrare). Em outubro deste
ano realizamos em conjunto a oficina “Artetreapia e História da Arte: Dada e
Surrealismo” no evento “O Inconsciente e a Arte” promovido pela AARJ
(Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro).
Partimos de um processo, de um modo de fazer, de uma perspectiva. Todas
as propostas obrigam o autor a se submeter ao não-controle, através do acaso,
do automatismo ou de jogos coletivos. Seja deixando a tinta fluir sobre o
papel, seja dando prosseguimento a um desenho iniciado por outro, seja buscando
palavras às cegas ou imagens aleatórias. De qualquer modo, é importante
ressaltar que na pratica, principalmente, da Arteterapia existe um segundo
momento que é de elaboração que será mais ou menos consciente dependendo do
caso. Por exemplo, no caso da colagem, diante de diversos fragmentos estranhos
entre si o autor/cliente/paciente ao montar o trabalho irá estabelecer relações
espaciais e de significado entre as partes criando uma obra/poema/imagem única.
Ao construir estas relações o tema surge naturalmente e muitas vezes, ao final,
estamos diante de um símbolo que surgiu espontaneamente.
Nossa proposta ao estabelecer um diálogo criativo entre a Hsitória da
Arte e Arteterapia não significa transpor uma proposta artística do início do
século XX para a terapia no século XXI, mas apropriar-se de determinados
conhecimentos e técnicas propostas por estes artistas e recriá-los com
objetivos terapêuticos, que em muitos aspectos irá se distanciar das intenções
artísticas originais. Não teremos um livro de receitas à mão, mas uma
diversidade magnífica de ingredientes e possibilidades.
Flávia Maciel Hargreaves
Arteterapeuta (AARJ 402)
Professora de Artes Visuais
(UFRJ 2010)
Comunicadora Visual (UFRJ 1989)