segunda-feira, 18 de novembro de 2013

"OUVE O MEU SILÊNCIO"

                       


       "Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Capta    essa outra coisa de que na verdade falo que eu mesma não posso." Clarice Lispector



                       No último encontro do grupo de estudos em arteterapia que coordeno, refletimos sobre esta citação de Clarice, escritora que inclusive inspira o nome deste blog. Embora esta não tenha sido sua intenção inicial, eu acredito que ela soube traduzir em palavras o pedido que cada paciente faz ao seu terapeuta. "Ouve o meu silêncio".
                     Quando um paciente procura um terapeuta, ele tem uma angústia que não sabe dizer. Ele tem uma queixa inicial: problemas no trabalho, problemas conjugais, traumas... Mas provavelmente ele já "contou" esta queixa para pessoas conhecidas, para amigos, para o psiquiatra... Se apenas "contar" esta queixa aliviasse sua angústia ele não estaria ali pedindo socorro à um terapeuta.
                     Nossa discussão girou em torno deste lugar do terapeuta: ouvir a queixa inicial do seu paciente e com ela trabalhar, pois este é o conteúdo que ele pode lidar. Mas o terapeuta deve aguçar seus ouvidos para o que o paciente não está colocando em palavras, para o seu "silêncio". Seus gestos, suas defesas, suas resistências, suas atuações...
               Em arteterapia as atuações têm um lugar especial, pois acreditamos que o ato criativo é uma atuação do paciente. Ao criar o paciente em ato fala de si de inúmeras formas. As sensações enquanto cria, sua forma de lidar com o material, a constituição da imagem produzida, os conteúdos simbólicos. O arteterapeuta deve ampliar seu olhar e sua escuta para o processo criativo de seu paciente pois este é seu principal subsídio de trabalho para atender o pedido do seu paciente: captar esta "outra coisa" que precisa falar, mas ele mesmo não pode. 
          

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

ARTETERAPIA: HISTÓRIA DA ARTE PARA QUÊ?


Com frequência cito em meus textos minha parceira de estudo e trabalho, Flávia Hargreaves. Hoje o espaço do blog é cedido à ela.

Bem vinda Flávia!


                                     
Adaptação do "desenho automático" feito a seis mãos durante o grupo de estudos 
"Arteterapia e História da arte: Dada e Surrealismo".
Junho/2013.

Minhas indagações a respeito da contribuição da História da Arte para a Arteterapia iniciaram em 2009, quando, ao lado de Eliana Moraes, criamos nosso primeiro grupo de estudos sobre o tema. Na época selecionamos alguns artistas e estudamos suas biografias, assistimos a filmes e analisamos as imagens em função da personalidade dos mesmos e de acontecimentos marcantes em suas vidas, buscando identificar como estes episódios, traumas, etc. influenciaram a trajetória artística de cada um e de como e se a Arte teria contribuído no seu processo de individuação.
Em 2013, por sugestão de Eliana, voltamos o nosso olhar para o Surrealismo e seu interesse em acessar o inconsciente utilizando técnicas de automatismo inspiradas no método de associação livre, criado por Freud.
Logo de início, o Dadaísmo se impôs como uma matéria a ser estudada e experimentada. Identificamos muitas praticas comuns na Arteterapia nos processos dadaístas, o que se repetiu no estudo do Surrealismo. Observando as aproximações e diferenças entre as propostas artísticas e terapêuticas. O passo seguinte foi pensar em como transpor estes processos para o setting terapêutico mantendo o link com a sua origem.
Foi preciso estabelecer alguns critérios para deixar claras as semelhanças e diferenças entre os dois movimentos. Entre as semelhanças, que nos interessam diretamente, destacamos a busca da não-razão, do não-controle e da quebra de padrões estabelecidos e consagrados na História e Teoria da Arte (o que pra nós se converte em visão de mundo, comportamento, etc.). Porém, os dois movimentos tem olhares e propostas diversas sobre a Arte e procedimentos.
O Dadaísmo busca a não-razão através do acaso, do caos, do absurdo, não se interessando em teorias sobre o inconsciente ou em formular teorias sobre a Arte. O Surrealismo, movimento posterior ao Dada, o faz através de automatismos cuja origem se encontra na associação livre freudiana experimentada por Andre Breton, psiquiatra, poeta e o principal teórico do movimento. Tanto o acaso como o automatismo irão abrir espaço para o inconsciente, embora os dadaístas não se refiram a este termo.
Nossos estudos foram levados para a clínica por Eliana Moraes na Unidade Integrada de Prevenção / Hospital Adventista Silvestre e em atendimentos individuais em seu consultório, com resultados surpreendentes e levados por mim para as salas de aula em minicursos de História da Arte e em cursos de Formação em Arteterapia no Rio de Janeiro (Ligia Diniz e Integrare). Em outubro deste ano realizamos em conjunto a oficina “Artetreapia e História da Arte: Dada e Surrealismo” no evento “O Inconsciente e a Arte” promovido pela AARJ (Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro).
Partimos de um processo, de um modo de fazer, de uma perspectiva. Todas as propostas obrigam o autor a se submeter ao não-controle, através do acaso, do automatismo ou de jogos coletivos. Seja deixando a tinta fluir sobre o papel, seja dando prosseguimento a um desenho iniciado por outro, seja buscando palavras às cegas ou imagens aleatórias. De qualquer modo, é importante ressaltar que na pratica, principalmente, da Arteterapia existe um segundo momento que é de elaboração que será mais ou menos consciente dependendo do caso. Por exemplo, no caso da colagem, diante de diversos fragmentos estranhos entre si o autor/cliente/paciente ao montar o trabalho irá estabelecer relações espaciais e de significado entre as partes criando uma obra/poema/imagem única. Ao construir estas relações o tema surge naturalmente e muitas vezes, ao final, estamos diante de um símbolo que surgiu espontaneamente.

Nossa proposta ao estabelecer um diálogo criativo entre a Hsitória da Arte e Arteterapia não significa transpor uma proposta artística do início do século XX para a terapia no século XXI, mas apropriar-se de determinados conhecimentos e técnicas propostas por estes artistas e recriá-los com objetivos terapêuticos, que em muitos aspectos irá se distanciar das intenções artísticas originais. Não teremos um livro de receitas à mão, mas uma diversidade magnífica de ingredientes e possibilidades.

Flávia Maciel Hargreaves
Arteterapeuta (AARJ 402)
Professora de Artes Visuais (UFRJ 2010)
Comunicadora Visual (UFRJ 1989)

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

SURREALISMO NA PRÁTICA DA ARTETERAPIA



“O surrealismo não é estilo. É o grito da mente que se volta para si mesma.” Antonin Artaud**

            Os movimentos Dada e Surrealista têm em comum a busca da não razão na arte. O Dadaísmo tinha como princípio a não fundamentação teórica e tinha como palavra de ordem o acaso. Em um texto anterior deste blog  pudemos ver a aplicabilidade deste movimento na prática da arteterapia.
            O Surrealismo nasce como uma reconstrução das ruínas do Dada, que ao negar a tudo acaba por negar a si mesmo. E o acaso dadaísta se transformou na influência do inconsciente na arte, embasados na teoria psicanalítica de Freud. O movimento buscava:
“... criar uma arte que fosse ‘automática’, que brotasse diretamente do inconsciente, sem ter sido moldada pela razão, pela moralidade ou por julgamentos estéticos.” (LITTLE)
            (Soa familiar, arteterapeutas?)
            Os experimentos que estes artistas faziam para de toda forma tentarem burlar a influência da consciência em suas obras são riquíssimos e muito propícios a serem aplicadas no setting arteterapêutico. Acredito que são muito interessantes no trabalho com pacientes racionais, que ao manejarem bem as palavras, constroem e calculam seu discurso. Que se imaginam sabedores de si e queiram explicar-se. Ou mesmo que estejam abertos ao processo terapêutico, mas que por resistência tentam controlar os conteúdos que levam à terapia.
            As técnicas surrealistas (algumas já mencionadas em textos anteriores) procuram acessar o inconsciente (o maravilhoso) através do automatismo, ou seja, tudo que era criado de forma espontânea: Disse Ernst em Além da Pintura:
“Lutando mais e mais para restringir minha própria participação ativa no desenvolvimento da figura e assim ampliando o papel criativo das faculdades alucinatórias da mente, cheguei a assistir como um espectador ao nascimento de todos os meus trabalhos ” (BRADLEY)
            Além disso, uma das principais características do movimento que é o permanente intercâmbio entre o “poético e o pictórico”  nos possibilita a reprodução da técnica da associação livre da psicanálise, originalmente por palavras, na associação livre por imagens, sendo esta uma outra forma do sujeito se falar tão legítima quanto.
A associação livre é a técnica psicanalítica ao qual o analista pede que o paciente fale sem restrições ou censuras tudo o que passa pela sua mente e coloca o analista atento à tudo aquilo que “escapole” diretamente do inconsciente para o discurso consciente, como os atos falhos, chistes, lapsos, sonhos... A prática nos mostra que o ato criativo, e neste contexto específico as técnicas surrealistas, também se estabelecem como conteúdos inconscientes não racionalizados e não controlados pelo paciente, que se materializam na representação plástica, e que muito ricos em produção de símbolos espontâneos são um excelente recurso na clínica do arteterapeuta.



Referências Bibliográficas:
*BRADLEY, Fiona. "Surrealismo - Movimentos da Arte Moderna"
LITTLE, Stephen. “Ismos para entender a arte”.