segunda-feira, 27 de maio de 2013

A ANGÚSTIA DO PAPEL EM BRANCO

            Não é raro quando entregamos um papel em branco para um paciente iniciar um trabalho e ele relata sentir angústia. Em muitos momentos o papel em branco é intimidador e para cada paciente isto é vivenciado de forma muito pessoal. Já ouvi muitas associações relatadas por pacientes, mas percebo que na maioria dos casos o sentimento se resume ao medo.
            Medo de que? Não é simplesmente medo de um papel em branco. O medo deste papel remonta (repete) medos que os pacientes guardam dentro de si. Medo de se expor a fazer algo que está além de sua zona de conforto, que foge ao seu controle. Medo de tentar e errar. Medo de sair do conhecido e fazer algo novo. Medo de ao se colocar, ser inadequado, errado ou parecer ridículo. Medo de encarar que aquilo que ele planeja nem sempre será aquilo que se concretizará. Medo de aceitar aquilo que ele produz e que é seu.
            Medos tão frequentes na rotina do paciente e que se presentificam na sessão de arteterapia apenas com o fato de receberem uma folha em branco. Dar ouvidos à estes medos fala muito de quem é o paciente que se está à sua frente.
            Após esta etapa, em arteterapia o paciente tem a oportunidade de fazer pequenos movimentos de encarar seus medos, ao reconhecer o que lhe dará mais segurança para iniciar o processo. Neste momento é muito importante que o arteterapeuta tenha recursos à disponibilizar para seu paciente. Propor por exemplo o uso de tintas, buscando o abstrato (pois este não demanda muita exigência técnica), buscando apenas cores e formas que sejam compatíveis com o que ele está sentindo, geralmente é um bom pontapé inicial.

Com o passar o tempo o papel em branco não será mais tão ameaçador. O paciente vai se fortificando, ganhando segurança, autonomia e ousadia para conhecer seus medos e coragem para encará-los. E a partir destes movimentos dentro da sessão em arteterapia, certamente o paciente voltará de forma diferente para os medos que tem em sua vida. 

segunda-feira, 20 de maio de 2013

ARTETERAPIA E 3ª IDADE

            Há algumas semanas recebi estudantes de psicologia interessadas em fazer uma pesquisa sobre arteterapia e 3ª idade com meus pacientes. Precisávamos encontrar uma hipótese a ser pesquisada mas me vi em dificuldade de pincelar apenas um benefício que pudesse ter maior representatividade entre os meus pacientes. E neste desafio me motivei a escrever este texto.
            A cada dia em meu trabalho observo grandes benefícios que o exercitar a arte na terapia e a arte como terapia pode proporcionar, com este público em específico.
            Dos benefícios mais conhecidos, primeiramente arteterapia é um excelente recurso como um canal de expressão. Para pacientes que com sintomas depressivos, sentimento de solidão ou de invisibilidade social (veja neste blog o texto “Invisibilidade Social do Idoso”) esta técnica promove um espaço em que seus sentimentos e pensamentos são materializados e vistos. Em segundo lugar para pacientes empobrecidos socialmente e em sua rotina, que se sentem ociosos e improdutivos, a arteterapia resgata motivação, a sensação de serem ativos, capazes, produtivos e criativos. Neste contexto o paciente é beneficiado com redução de sintomas de depressão, stress e ansiedade, além de trabalhar sua autoestima. 
            E além destes benefícios terapêuticos, tenho observado a estimulação cognitiva que a arteterapia proporciona. É sabido que é de extrema importância que idosos exercitem sua mente para estimular o cérebro, prevenindo os grandes declínios cognitivos, característicos da idade. Em Oficinas de Memória usam-se jogos, palavras cruzadas, sudokus, etc. Estes exercícios são muito interessantes para desafiar a mente e tirá-la da preguiça. Entretanto têm a condicional da escolaridade e conhecimentos prévios do paciente. A arteterapia neste ponto é bastante democrática pois não necessita de conhecimentos prévios e pode ser adaptada à dificuldade e ao potencial do paciente. Já inicialmente ela trabalha a coordenação motora de pacientes com neuropatias ou artrite e artrose, por exemplo. Faz com que o paciente saia do que “já é conhecido” para o cérebro e proporciona o aprendizado de novas atividades. Além disto é um excelente estímulo quando a partir de uma proposta, o paciente busca soluções ao criar (formas, cores, equilíbrio, etc), ao elaborar um conceito e se esforça para planejar uma estratégia de execução a partir dos mais variados materiais e tudo aquilo que cada um deles pode demandar.
            Creio que outros benefícios ainda aparecerão em minha prática mas conclui-se que a arteterapia é um instrumento riquíssimo para o trabalho a 3ª idade.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

DIVÃ E ARTETERAPIA


           Quando se pensa em um setting psicanalítico automaticamente nossa mente remete-se à um divã. Tão criticado ou tão adorado, este é um dos pilares desta técnica. Bem a grosso modo, a importância do divã está no fato de que deitado, de costas para o analista, o paciente não poderá buscar em seu olhar qualquer sinal, seja de aprovação, espanto, decepção, ou que busque nele uma “resposta”. Isto faz com que o paciente vá trilhando um caminho muito próprio e que a partir da associação livre vá adentrando por caminhos desconhecidos e profundos que lhe pertencem. Ao analista cabe o papel de fazer algumas intervenções, como que se estivesse balizando este caminhar. Fica aí o desafio do paciente de se responsabilizar por sua caminhada e o desafio de analista de  que com suas teorias e técnicas (e ansiedades) não atropele os passos de seus pacientes.
Eis aí algo que aprendi com a psicanálise! Dar passagem para que cada vez mais meus pacientes caminhem com as próprias pernas em suas reflexões no processo terapêutico. A medida que vão encontrando o caminho, vou me calando, permitindo-os a “ir”. Neste contexto, de fato, a ausência do “olho no olho” faz diferença.
Minha motivação para escrever este texto veio ao atender uma paciente com queixas de sintomas depressivos e psicossomáticos.  Esta paciente já havia ido a várias especialidades médicas. “Nenhum remédio faz efeito, nada melhora”.  Após algumas sessões comigo, minha sensação era de que a  consulta comigo era como mais um médico ao qual ela se queixava de seus sintomas e em seguida perguntava: “E então, o que eu tenho que fazer para melhorar?” Os atendimentos eram difíceis, o discurso “cortado”, limitando-se à responder minhas perguntas. As sessões estavam tornando-se sem sentido para a paciente e confesso, eu mesma me questionava sobre meu trabalho com ela.
Até que um dia decidi lançar mão de um simples desenho em branco e lápis de cor. E pedi que enquanto conversávamos, que fosse colorindo a imagem...
Que sessão interessante!!!! Enquanto a paciente olhava para o desenho e o pintava, pôde me dizer coisas nunca antes ditas, como seu medo de ficar sozinha desde quando criança e como tem medo de ficar sozinha agora na velhice. Tenho a impressão que não estar olhando nos meus olhos, aguardando meu “parecer”, possibilitou que ela pudesse dar os primeiros (próprios) passos em seu caminho de autoconhecimento.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

"Não acredites em tudo que disser a minha boca..."


"Não acredites em tudo que disser a minha boca.
Sempre que eu fale ou cante, 
Quando não parece, é muito
Quando é muito, é muito pouco
E depois, nunca é bastante"
Cecília Meireles

Tenho observado que alguns pacientes decidem ingressar em um processo terapêutico, mas a demanda que trazem sessão após sessão não são suas questões propriamente ditas, mas suas queixas em relação ao outro: o marido, a mãe, a cunhada, o médico que cometeu um erro...
Sim,  são queixas bastante pertinentes e isso causa dor, angústia, traz sofrimento. E sim, é sabido que falamos de nós mesmos quando falamos do outro. Mas certos pacientes me intrigam por sessão após sessão repetirem suas queixas sobre o outro, durante semanas, meses, anos, o mesmo discursos queixoso. As vezes tenho a sensação de que querem convencer (à quem?) de seu ponto de vista, que o outro é culpado, e ele injustiçado. Até que em um dado momento me vem à mente: “e cadê você?”
Embora estes pacientes, com frequência apresentem grande demanda de fala, em certos momentos tenho lançado mão de algo que pertence à fala do paciente e faço o gancho com alguma proposta em arteterapia. Tenho me surpreendido com o que se segue!
O convite para se fazer um trabalho em arteterapia, seja ele a linguagem que for, desde que faça sentido para o paciente, parece que traz de forma bem subliminar as perguntas: “pois muito bem. E diante disto tudo que você me conta, o que você sente? O que causa em você vivenciar isto? O que você pensa? Aonde você está nisto? Quem é você no meio disto?” Em resumo: a arteterapia vem como um convite a... literalmente, se olhar. E então, se pensar em meio ao que se vive no dia a dia e falar de si.
Ao aceitar este convite, tenho visto pacientes se deslocarem do discurso repetido, conhecido e decorado, falarem mais de si, se perceberem, se reconhecerem e até recolherem algumas expectativas sobre o outro, e voltarem para a relação com este outro de forma mais consciente de si próprio.