segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O DADAÍSMO NA PRÁTICA DA ARTETERAPIA


“... dada era um modo de ser, e o melhor palco para o dadaísta era a vida, mas os principais adereços necessários á encenação nesse palco permaneciam sendo a poesia e a arte.” *

            Tenho levado meus estudos sobre o Dada e o Surrealismo para a clínica da arteterapia, seja em grupo ou individual. Percebo que apresentar um pouco da História da Arte para os pacientes e propor que eles experimentem em si as inspirações do artista, o que o impressionava e o impulsionava a criar aquele trabalho é uma experiência riquíssima no processo terapêutico com o auxílio da arte.
            Hoje gostaria de escrever especificamente sobre a aplicação do Dadaísmo no setting arteterapêutico (Ver contextualização histórica nos textos anteriores). Este movimento tem como características chave: o acaso,  o nonsense (o sem sentido), a subversão, a fragmentação e destruição do estabelecido.
            Acredito que as técnicas propostas pelos artistas deste movimento são interessantíssimas a serem trabalhadas com pacientes enrijecidos, com grande necessidade de controle, ordem, organização. Para os que têm dificuldade de abrir mão do racional e do explicado. Para os aprisionados no tradicionalismo, no que é definido, nas regras e no que é estável. Podemos dizer, para aqueles que têm a estrutura obsessiva ou seus traços, pela psicanálise.
            Estas técnicas propõem ao paciente a flexibilidade, naturalidade, fluidez, características da vida. Podem vivenciar a sensação de não controle, de “soltar as rédeas”. Promovem o desapego, a desconstrução e quebra do estabelecido.
Experimentar-se fora de sua zona de conforto pode causar ao paciente resistência e incômodo. Porém, uma vez que ele se permite ultrapassar esta zona, abre-se uma nova janela de possibilidades, trazendo sentimentos como coragem e libertação.
Podemos nos inspirar no artista Arp, que rasgou um desenho em pedaços e deixou que os fragmentos, ao caírem, formassem um novo padrão, deixando que o acaso fosse um elemento fundamental em sua composição.
         Outra técnica interessante é a Merz Art, as famosas colagens de Schwitters: uma espécie de coluna, quase um totem, feita de coisas encontradas ao acaso e acrescidas às outras, dia após dia. Uma composição de tudo o que por acaso caiu sob suas vistas ou esteve ao alcance da mão, chamou sua atenção por um instante, ocupou sua vida por algum momento: passagens usadas de bonde, pedaços de cartas, barbantes, rolhas, botões, etc. Com o objetivo de "criar relacionamentos entre as coisas do mundo", os elementos recolhidos e combinados que haviam sido descartados pela sociedade por não servirem mais, por terem cumprido suas funções (algumas pessoas podem se identificar com esta descrição), mas por serem "vividas", comporão o quadro, arte.

      Na sessão IMAGENS QUE FALAM deste blog estão fotos dos trabalhos de pacientes que se inspiraram nesta técnica e autorizaram a publicação destas imagens. Convido você a conferir!



Referência Bibliográfica:
BRADLEY, Fiona. "Surrealismo - Movimentos da Arte Moderna".





segunda-feira, 23 de setembro de 2013

ENQUETE: QUAL OBRA DE ARTE TE TOCA?


“As obras de arte exercem sobre mim um poderoso efeito, especialmente a literatura e a escultura e, com menos frequência, a pintura. Isto já me levou a passar um longo tempo contemplando-as, tentando apreendê-las á minha própria maneira, isto é, explicar a mim mesmo a que se deve o seu efeito (…) Uma inclinação psíquica em mim, racionalista ou talvez analítica, revolta-se contra o fato de  comover-me com uma coisa sem saber porque sou assim afetado e o que é que me afeta”. Freud em Moisés de Michelangelo

            Diz-se que a verdadeira obra de arte é atemporal: ela permanece através dos tempos tocando, emocionando, sendo fonte de pesquisa e de reconhecimento do homem, mesmo que décadas, séculos depois. Uma das explicações dadas a este fenômeno é que o artista dá forma, através da criação de uma obra de arte a conteúdos do inconsciente coletivo ao qual serão “reconhecidos” por muitas outras pessoas que a contemplarão.
            Um “encontro” com uma obra de arte, um acontecimento vivo de troca entre obra e espectador. O próprio Freud relata em sua obra ter vivido esta experiência: em 1913 passou várias tardes em Roma encarando a figura de Moisés, esculpida em mármore por Michelangelo. Em uma carta para sua esposa Martha, escreve: ”Visito diariamente o Moisés e acho que poderia escrever umas poucas palavras sobre ele... ao longo de três semanas solitárias de setembro, detive-me diariamente na igreja diante da estátua, estudei-a, medi-a, sondei-a, até que me veio a compreensão que só ousei expressar no papel anonimamente”.  
            Eu, particularmente vivi uma experiência desta em minha terapia pessoal quando avistei o quadro “Meditation – Madame Monet au canapé” de Monet.  Foram sessões e sessões falando e criando em cima do impacto que aquela obra causava em mim. 


               A música “A morte do cisne” me causa um fascínio semelhante. É uma melodia que me intriga, me toca por ser tão bela, singela e ao mesmo tempo com uma pitada de melancolia.
Uma experiência pessoal em que percebemos ao contemplar uma obra de arte, um conteúdo íntimo e pessoal.
E você, qual obra de arte te toca? Você já teve um “encontro” com uma obra de arte? Seja uma pintura, uma música, um poema, um filme... qualquer linguagem da arte. Conte sua experiência!



Aqueles que enviarem comentários contando de seu encontro com uma obra de arte concorrerão ao livro “Terapia Familiar – Mitos, Símbolos e Arquétipos” Paula Boechat.

*Livro usado, em perfeito estado, com grifos.

*Deixe seu email ao final do comentário para que ao ganhar possamos fazer contato para a entrega do livro. 

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

PINTURA ESPONTÂNEA





Hoje gostaria de falar sobre um livro que estou gostando muito! Na verdade, foi ele que me despertou para o estudo do Surrealismo, que tanto tem me motivado. Recomendo a leitura de “Pintando sua Alma – Método de Desenvolvimento da Personalidade Criativa” de Susan Bello.
Pintura espontânea é:
“... relaxar a mente crítica racional e pintar corajosamente o que aparecer na mente inconsciente. Na Pintura Espontânea, em vez de usarmos nossos olhos sensoriais para copiar e reproduzir o mundo exterior, expressamos nossa visão interior... A psique fará o trabalho. Nossa mente racional somente tem de suspender seu domínio...” pag 67
            Inspirada no Surrealismo:

“A Pintura Espontânea também está interessada em promover a transformação social, ajudando cada indivíduo a descobrir sua essência única e seu objetivo de vida. Ela ajuda cada pessoa a entrar em contato e a expressar seus próprios potenciais e a manifestar sua presença autêntica e sua contribuição à sociedade. É uma forma de Arte cujo significado está totalmente integrado a vida diária do pintor.” Pag 12

            Esta técnica, surgiu como o desenvolvimento da arteterapia e da terapia expressiva:
“... é um ato profundo, através do qual pintamos as emoções que vivem na nossa mente inconsciente. Um de nossos objetivos é abrir um canal para que a expressão inconsciente ocorra”. Pag 65

O pintor/paciente recebe um estímulo ou inspiração e pinta sem saber, sem preocupação com considerações estéticas ou regras de composição. Parte de uma idéia inicial, mas ao dar seguimento não necessariamente permanece fiel à ela até o final.
“... o pintor não tem nenhuma idéia do conteúdo que será pintado. As imagens interiores aparecem espontaneamente nas telas e tomam forma através das pinceladas... Muitas vezes, depois que terminamos de pintar, não sabemos intelectualmente o que as pinturas significam, porque são registros visuais da psique, ainda não percebidos pela mente consciente.” Pag 13
           
            A Pintura Espontânea tem um grande efeito expressivo e curativo:

“Frequentemente não entendemos de maneira imediata o que essas imagens estranhas significam. O inconsciente pessoal está liberando conteúdos emocionais que o ego ainda não está pronto para aceitar ou entender. Os impulsos proibidos e dos desejos reprimidos são pintados. Muitas vezes o método acelera o processo terapêutico. Descarregar o conteúdo psíquico em pintura espontânea é bastante libertador, esteja você consciente de seu significado ou não.” Pag 69

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

O AUTOMATISMO EM IMAGENS



Embora o Surrealismo tenha se originado como um movimento literário, no campo das artes visuais ele foi um dos mais vorazes de todos os movimentos modernos. Entretanto, houve até quem afirmasse que a pintura surrealista não existia, como Pierre Naville, um dos primeiros editores de La Révolucion Surréaliste.
A partir de 1925 Breton passa a escrever em resposta à esta acusação uma série de artigos que acabaram por serem editados em um livro chamado Le Surréalist Et La Peinture, citando pintores como De Chirico, Max Ernst, Man Ray, Masson, Miró e Tanguy. 
Breton em Gênese Artística e Perspectiva do Surrealismo:
“Insisto em que o automatismo, tanto gráfico quanto verbal – sem prejuízo das profundas tensões individuais que ele é capaz de manifestar e, em certa medida, resolver – é, o único modo de expressão que satisfaz plenamente o olho ou o ouvido, ao realizar a unidade rítmica (tão reconhecida no desenho ou no texto automático...)” *
Em seus textos, Breton não tenta definir a pintura surrealista, mas aborda o tema de modo diferente, avaliando o relacionamento de cada pintor com o surrealismo, evitando qualquer discussão sobre estética. Posicionou-se de modo um tanto vago, “dizendo estar unicamente interessado numa tela na medida em que é uma janela que olhava para algo; afirma também que o modelo do pintor deve ser ‘puramente interior `”. *
            Na realidade, diz-se que os pintores surrealistas conseguiram obter uma maior independência do que os escritores do movimento no que se refere à personalidade dominante de Breton, talvez até porque  a pintura não fosse o seu campo de atuação. Pode-se dizer que os pintores puderam experimentar as idéias surrealistas sem se subjugarem a elas.
            O desenho automático do artista Masson (técnica frequentemente usada em aulas de artes e em arteterapia, mas que muitas vezes não sabemos aonde está contextualizada na história da arte) é considerado um dos mais notáveis produtos do surrealismo. A idéia consiste em: mover as mãos de forma que o lápis ou o pincel mova-se rapidamente, sem uma idéia consciente de um tema, traçando uma teia de linhas nervosas, mas firmes, das quais emergem imagens que são, por vezes, aproveitadas e elaboradas, outras vezes deixadas como sugestões. Os mais bem sucedidos desses desenhos possuem uma integridade que provém da elaboração inconsciente de referências textuais e sensuais, tanto quanto visuais.
            Na prática da arteterapia, esta técnica é utilizada com excelentes resultados, pois naturalmente a imagem que o paciente visualiza e ressalta dentre o emaranhado de linhas é um símbolo que lhe pertence e está fatalmente atrelado às suas questões. Este símbolo se constitui em um material que deve ser trabalhado dentro do processo terapêutico.

 * “Conceitos da Arte Moderna – com 123 ilustrações” org. Nikos Stangos




segunda-feira, 2 de setembro de 2013

SUSTO



“O que eu sinto eu não ajo.
O que ajo não penso.
O que penso não sinto.
Do que sei sou ignorante.
Do que sinto não ignoro.
Não me entendo e ajo como se entendesse.”
Clarice Lispector


             É um fenômeno interessante (e não raro de acontecer) quando um paciente está falando em palavras algo sobre si e está convencido disto, porém a imagem que ele cria em uma sessão de arteterapia contradiz absolutamente aquilo que “conta”. Se a boca diz que o sentimento é desânimo mas a imagem nitidamente diz desespero. Se a boca diz pessimismo e depressão e a imagem diz os “coloridos do carnaval”. Se a boca diz que se está em um bom momento de vida, mas só foram escolhidas imagens de depreciação pessoal. Muitas situações de descompasso entre a mensagem verbal e a mensagem “atuada” pelo paciente.
Ao se trabalhar com imagens, cria-se um canal de expressão ao qual os conteúdos desprezados por repressão ou resistência se presentificam e são convocados à um diálogo entre as partes.
É importantíssimo ressaltar que é possível que, mesmo com este confronto “físico”, o paciente ainda sim recuse-se a encarar os conteúdos, deixando-os permanecer inconscientes e em uma atuação “irresponsável”. Se isto acontece, o terapeuta deve respeitar este limite do paciente pois se ele não o reconhece, não é por acaso, e tem direito a ter seu tempo próprio.
Porém, em muitos momentos, o que se dá é um susto. Quando o paciente percebe a discrepância entre o que ele está dizendo com a boca e o que ele está dizendo com as mãos, ele se depara com suas incoerências, sua não consciência e dá-se uma grande oportunidade para que ele se reconheça, se pense e se fale realmente. Nas palavras de Maria Cristina Urrutigaray:

“... pois fica um pouco mais difícil para alguém negar aquilo que acabou de fazer, bem como de perceber o quanto se posiciona... As possibilidades de se perceber nas suas dificuldades, dadas as imposições deferidas pelo próprio uso dos materiais plásticos, confere ao usuário as noções de limitação, aceitação e humildade diante de suas dificuldades, tonando-o mais humano, mais próximo de si mesmo e dos demais.”. (URRUTIGARAY)

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens.  Ed Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2011.