segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

A CORAGEM DE SER IMPERFEITO: QUANDO O "RIDÍCULO" REVELA O ESSENCIAL



 Por Cris Silva – RJ

 @arteterapia_crissilva

Dia desses estava atendendo uma pessoa no individual e ouvi a seguinte frase durante a partilha na sessão:

 "No começo, me senti ridículo fazendo isso (...)”.

Escutei com respeito. O sentimento de “ridículo” que muitas pessoas expressam em contextos terapêuticos costuma ser, na verdade, uma manifestação do medo de se expor em sua vulnerabilidade.

A partir da devolutiva, pudemos dialogar sobre como esse desconforto inicial revela não apenas uma resistência, mas também uma oportunidade. Conversamos sobre o valor de se permitir experimentar sem garantias, sobre o receio de julgamento e sobre como a expressão criativa pode abrir caminhos para ressignificar esse olhar, tanto o próprio quanto o do outro.

Vivemos em uma cultura que nos treina para a performance, para o resultado, para o aplauso. E quando entramos num espaço onde o convite é simplesmente sentir, experimentar, errar, brincar, algo dentro de nós se contrai. A criança interna, tantas vezes silenciada, quer pintar com os dedos, cantar desafinado, colar papel torto, mas o adulto racional diz: Isso não é sério, não é bonito, não é útil.”

A Arteterapia nos devolve o direito de não saber, de não dominar e de não agradar. É justamente nesse espaço de liberdade que reside a potência.

Quando alguém se permite atravessar o desconforto inicial, aquele sentimento que costuma dizer “isso é bobo”, e escolhe permanecer, algo começa a se transformar. O gesto ganha sentido, a forma revela conteúdo e o que antes parecia sem propósito aparente se torna símbolo.

A pesquisadora Brené Brown, autora de A Coragem de Ser Imperfeito, afirma:

“A vulnerabilidade é o berço da inovação, criatividade e mudança.”

Essa frase, presente em suas palestras e no livro, nos lembra que o desconforto de se expor é também o portal para o que há de mais genuíno em nós. Na Arteterapia, isso é visível: o que começa como hesitação pode se tornar expressão profunda.

O medo do ridículo nasce, muitas vezes, do olhar que imaginamos que o outro terá sobre nós. Mas quando esse olhar é acolhedor, como na Arteterapia, ele se torna espelho, não julgamento. E nesse espelho, podemos nos ver com mais compaixão.

Outro trecho marcante da obra diz:

“A coragem de ser imperfeito é aceitar e abraçar nossas fraquezas, deixar de lado a imagem de quem deveríamos ser e aceitar quem realmente somos.”

Essa aceitação não é passiva; é uma escolha ativa, transformadora. É o ponto de partida para uma expressão genuína, para vínculos mais profundos e para uma vida com mais autenticidade.

Na Arteterapia, o “ridículo” é bem-vindo. Porque ele carrega a chance de romper padrões, desafiar crenças limitantes e abrir espaço para o novo. E quando o novo chega, ele raramente vem com formas perfeitas, mas quase sempre vem como um processo. Um processo que não é linear, nem imediato, mas que vai se fazendo aos poucos, no ritmo de quem cria. É nesse percurso que mora a potência: na liberdade de experimentar sem saber o resultado, na coragem de permanecer mesmo diante do desconforto e na entrega ao gesto que revela mais do que a forma, revela sentido.

A coragem de ser imperfeito é, talvez, uma das maiores ousadias terapêuticas. E é também uma das mais libertadoras. Porque é nela que reencontramos o prazer de criar sem meta, de expressar sem filtro, de existir sem máscara.

Na arte, como na vida, não há erro quando há expressão genuína, apenas caminhos que revelam quem somos.

 

Referência:

BROWN, Brené. A coragem de ser imperfeito: como aceitar a própria vulnerabilidade, vencer a vergonha e ousar ser quem você é. Tradução de Fernanda Abreu. Rio de Janeiro: Sextante, 2016.

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Sobre a autora: Cristiane da Silva


Arteterapeuta: AARJ 1125 /08. Formada em Pedagogia (UERJ/RJ), tem trinta e três anos de regência em sala de aula – da Educação Infantil à Educação de Jovens e Adultos neurodivergentes na rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Arteterapia em Educação e Saúde (UCAM/RJ) e formada em Arteterapia pelo Atelier de Artes e Terapias Eveline Carrano. É graduanda em Psicologia (UVA/RJ). Foi voluntária por 4 anos na ONG Anjos da Tia Stellinha, atuando no projeto CONSTRUINDO A MINHA HISTÓRIA – resgate de vínculos entre mães e filhos. Realiza oficinas e vivências em Arteterapia, é mediadora de Biblioterapia e Escrita terapêutica. Acredita que as artes, as leituras, a escrita e a cooperação mudam o sentido da vida e que, sempre, abrem caminhos para o desenvolvimento pessoal e social.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2025

REGULAÇÃO EMOCIONAL EM ARTETERAPIA: CORES

 

“A cor é um meio de exercer influência direta sobre a alma: a cor é a tela, o olho é o martelo, e a alma é o piano com suas cordas”.

 – Wassily Kandiski –

 

Por Juliana Mello - RJ     

      Como mencionei anteriormente, além do elemento água, também podemos trabalhar a regulação emocional por meio das cores. Esse recurso expressivo costuma ser uma das formas mais confortáveis para que o paciente manifeste aquilo que, muitas vezes, as palavras não conseguem traduzir: o que está sentindo.

Sabemos que existe uma infinidade de emoções, muito mais do que as cores disponíveis na paleta. Por isso, é importante lembrar que cada cor pode “falar” sobre um sentimento diferente de acordo com a experiência e percepção de cada pessoa. Em outras palavras, a cor é subjetiva. Por exemplo: o vermelho pode representar amor, vitalidade, mas também sangue ou alerta; o preto pode remeter ao luto e à perda, mas também à elegância, sendo muito usado em roupas; o rosa pode estar associado ao feminino, mas também à delicadeza ou à infância. Eva Heller, especialista em teoria das cores, relata que:

 “Não existe cor destruída de significado. A impressão causada por cada cor é determinada por seu contexto, ou seja, pelo entrelaçamento de significados em que a percebemos”. (2013)

De acordo com Maria Cristina Urrutigaray, professora e psicóloga Junguiana:

 “O mundo constitui-se pelas cores. Quando acordamos e abrimos os olhos, a primeira coisa que vemos são as cores, através de tons e sombreados, que nos dão tons ou qualidades afetivas as nossas percepções em função da luminosidade existentes”. (2017)

 

            Trabalhadas no setting terapêutico, as cores podem dar contorno às emoções, especialmente quando estas se apresentam muito expansivas, intensas ou difíceis de regular. Isso pode acontecer por meio de imagens pré-estabelecidas, papéis com texturas mais “ásperas”, entre outros recursos que oferecem limites e estrutura. Da mesma forma, o inverso também é possível: quando as emoções estão muito contidas, retraídas ou parecem “presas”, as cores podem favorecer a expansão e a expressão, principalmente quando utilizadas junto a materiais que envolvem o elemento água, como guache, aquerela e nanquim. Neste contexto, a Arteterapia auxilia, de forma profunda e de acordo com a demanda de cada paciente, o trabalho com as cores, ocupando um papel central como mediadora simbólica das emoções.

No processo terapêutico, solicitamos que o paciente passe um tempo em contato com as cores, selecionando aquelas que melhor representam as emoções que está sentindo no momento, ou mesmo emoções vivenciadas anteriormente e trazidas para a sessão. Se houver dificuldade em nomear uma cor para cada emoção, o paciente pode simplesmente escolher a cor que “chama”, atrai ou convida, confiando na própria experiência interna.

Ao colorir a imagem, de modo simbólico, imagina-se que essas emoções estão sendo colocadas no papel, ganhando forma e concretude. Algumas perguntas que podem ajudar nesse processo são:

·         Que forma tem esse sentimento?

·         Qual é a sua intensidade?

·         Como ele deseja se expressar?

·         Tem forma concreta ou é mais abstrata?

            Alguns materiais que podem ser utilizados com foco nas cores: papéis coloridos, miçangas, botões, tecidos, lã, lápis de cor, giz de cera, canetinha, embalagens coloridas, etc.

            Integrada à Terapia Cognitivo-Comportamental, a exploração das cores pode favorecer insights para identificar pensamentos e comportamentos, além de trabalhar atenção, foco, escolhas e práticas de Atenção Plena. Frequentemente, os pacientes relatam um alívio emocional, contribuindo assim para a Regulação Emocional.

Seguem abaixo algumas práticas trabalhadas com foco nas cores:

 


Desenho com lápis pastel oleoso em papel  Kraft



                                                               Mandala com lápis de cor

 


                                                               Colagem em papel colorido



                                                              Frotagem e lápis de cor



                                                                 Lápis de cor na forma

Ao unir Arteterapia e TCC, ampliamos as possibilidades de compreensão, regulação e transformação emocional dentro do processo terapêutico.


Bibliografia:

COUTINHO, Vanessa. ARTETERAPIA COM CRIANÇAS. Rio de Janeiro: Wak editora, 4ª edição, 2013.

HELLER, Eva. A PSICOLOGIA DAS CORES: COMO AS CORES AFETAM A EMOÇÃO E A RAZÃO. São Paulo: Editora GG, 1ª edição, 2013.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. INTERPRETANDO IMAGENS, TRANSFORMANDO EMOÇÕES. Rio de Janeiro: Wak Editora, 1ª edição, 2017.


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Sobre a autora: Juliana Mello



Psicóloga, Arteterapeuta e Coach

Atendimento clínico  individual e grupo om criança, adolescente, adulto e idoso.
Abordagem em Terapia Cognitivo- Comportamental e Arteterapia

Palestras e Workshop motivacionais.

GRUPO DE ESTUDOS: "TCC e técnicas expressivas"

segunda-feira, 24 de novembro de 2025

A ARTETERAPIA E O BRINCAR COM MATERIAIS DE LARGO ALCANCE



Por Claudia Tona

@libelula_psicopedagogia



"A criação de algo novo não é realizada pelo intelecto, mas pelo instinto de brincar agindo por necessidade interior. A mente criativa brinca com os objetos que ama." Jung

O que a arteterapia pode acrescentar ao brincar e vice-versa? Esta pergunta pode ser respondida quando experimentamos as duas coisas juntas, ou melhor, quando descobrimos que brincar carrega muito da arte e que a arte carrega muito do brincar. Lev Vygotsky diz, em sua obra “A Formação Social da Mente” que “ao brincar, a criança assume papéis e aceita as regras próprias da brincadeira, executando, imaginariamente, tarefas para as quais ainda não está apta ou não sente como agradáveis na realidade.” (2007, p. 83). Quando incluímos o brincar nas vivências com crianças, adolescentes e até mesmo adultos, é possível observar uma liberação das inibições e passamos a perceber o quanto a criatividade é impulsionada nesses momentos de criação livre, de inventividade.

O presente texto foi inspirado numa vivência com pessoas adultas, educadoras e educadores ávidos por levar propostas diferenciadas aos seus educandos. Mas, acima de tudo, o que se deseja mesmo, é dar espaço ao arquétipo criança, voltando ao livre brincar e, daí sim, compartilhar estas experimentações. Na Oficina “A Arte do brincar”, além da proposta de criação de brinquedos com materiais de largo alcance (ou materiais não estruturados), surgiu a reflexão em torno dos brinquedos que as crianças mais acessam atualmente e os brinquedos e brincadeiras que carregam a nossa ancestralidade: como podemos reavivar essa chama deixada por quem veio antes de nós? Como reaprender a criar peças que saem da nossa imaginação, como os primeiros humanos? E é aí que surge a flexibilidade dos materiais de largo alcance.

Mas que materiais são esses? O termo "materiais de largo alcance", no contexto pedagógico, é a tradução da expressão em inglês "loose parts" (literalmente "peças soltas" ou "partes soltas") e tem origem na teoria desenvolvida pelo arquiteto e designer paisagista Simon Nicholson, cuja teoria mostra que as crianças deveriam ter a oportunidade de brincar com materiais versáteis e que pudessem ser inventados, construídos, desenvolvidos e modificados por elas mesmas. Ele criticava os ambientes de lazer e playgrounds modernos por serem muito estruturados e limitarem a criatividade infantil.

A relação entre arte e materiais de largo alcance é profunda e simbiótica: os materiais de largo alcance servem como ferramentas essenciais e ilimitadas para a expressão e experimentação artística, enquanto a arte oferece o campo fértil para que o potencial desses materiais seja plenamente explorado.



Em Arteterapia, esses materiais são frequentemente referidos como materiais expressivos ou recursos artísticos, e a sua utilização possui um potencial terapêutico significativo, cuja exploração livre se torna uma ferramenta poderosa para a expressão, a comunicação e o bem-estar emocional. A seguir, alguns pontos de convergência e benefícios do uso desses materiais no setting arteterapêutico:

Expressão Não-Verbal: Para a arteterapia, o ato de criar é um meio de expressão, especialmente para indivíduos que têm dificuldade em verbalizar seus sentimentos ou experiências traumáticas. Os materiais de largo alcance, por sua natureza aberta e versátil (panos, sucatas, elementos da natureza, etc.), permitem que as pessoas projetem seus mundos internos de forma simbólica e metafórica, sem a pressão de "fazer arte" de uma maneira específica.

Foco no Processo Terapêutico: Assim como na, na arteterapia o foco recai sobre o processo de criação e não no produto final. A manipulação, organização e transformação dos materiais ajudam o indivíduo a explorar emoções, a desenvolver a consciência de si mesmo e a encontrar novas perspectivas. A riqueza das situações faz emergir um registro mais fino e matizado das reações, o que facilita a ação terapêutica.

Estímulo à Criatividade e Resolução de Problemas: A ausência de instruções prontas ou de um "uso correto" dos materiais de largo alcance estimula a criatividade e a capacidade de resolver problemas (como juntar peças, equilibrar, construir). Isso se traduz em habilidades de enfrentamento e adaptação na vida real, um objetivo central da terapia.

Acessibilidade e Descompressão: Sendo materiais de baixo custo e fáceis de obter, eles tornam a arteterapia mais acessível e menos intimidadora do que materiais de arte tradicionais. A simplicidade dos materiais ajuda a desarmar resistências e a facilitar a entrada no processo criativo, junto aos materiais específicos de expressão artística ou não.

Reaproveitamento e Transformação: A prática de buscar potencial em objetos "descartados" ou "abandonados" reflete simbolicamente um caminho de transformação e integração de partes da própria vida ou psique do paciente, um conceito poderoso na arteterapia.

Acesso ao Inconsciente: O ato de brincar, sem metas ou julgamentos, permite o acesso ao inconsciente e a expressão de conteúdos simbólicos e arquetípicos, essenciais para a integração psíquica (processo de individuação).

Expressão Simbólica: O brincar simbólico e as narrativas (contos de fadas, mitos) são linguagens da psique que permitem a manifestação de imagens internas, que podem então ser trabalhadas terapeuticamente.

Integração dos Opostos: O brincar pode ser uma forma de integrar opostos (como o consciente e o inconsciente, ou a luz e a sombra), promovendo o equilíbrio psíquico.

Em resumo, os materiais de largo alcance oferecem um vasto leque de possibilidades expressivas e simbólicas que são perfeitamente alinhadas com os princípios e objetivos da arteterapia, que busca a cura e o autoconhecimento através da expressão criativa.



Mas não para por aí. Um dos mais relevantes benefícios do uso desses materiais é o combate ao consumismo infantil, um assunto muito sério. O consumismo infantil é frequentemente impulsionado pela publicidade e pela ideia de que a felicidade vem da posse de brinquedos industrializados, muitas vezes de plástico e com um propósito único e limitado. Os materiais de largo alcance (caixas, tampinhas, tecidos, elementos da natureza) oferecem uma alternativa de baixo custo e alta versatilidade, desafiando a necessidade de comprar constantemente novos brinquedos prontos. Além disso, ao brincar com objetos simples do dia a dia, as crianças (bem como os adultos que delas cuidam) aprendem a valorizar a riqueza do que está ao seu redor, em vez de desejar apenas produtos de marcas específicas, sendo protagonistas na criação, pois participam ativamente de todo o processo de brincar, desde a concepção da ideia até a concretização da brincadeira, o que a torna menos suscetível à passividade imposta pelo consumo. E tudo isso promove a sustentabilidade através do reaproveitamento e da redução de resíduos, resultando na conscientização ambiental tão necessária nos nossos dias.

Para finalizar, o brincar um direito previsto pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA):

Direito à liberdade: O Artigo 16, inciso III, do ECA, estabelece que o direito à liberdade "compreende brincar, praticar esportes e divertir-se". Dever da família, sociedade e Estado: O Artigo 3º do ECA determina que é dever de todos garantir esse direito, sem exceção. Proteção integral: O direito ao brincar é um dos pilares da proteção integral garantida pelo ECA, que assegura que crianças e adolescentes se desenvolvam em condições de liberdade e dignidade.

Isto posto, que tal lembrar de quantas crianças você conhece (inclusive você e seus clientes) que preferem brincar com a caixa do brinquedo novo que ganhou do que com o próprio brinquedo? Proponho então um desafio: conheça e faça uso dos materiais de largo alcance e encontre possibilidades ilimitadas de materiais expressivos para criar e ser feliz!

“É bom recordar que o brincar é por si mesmo uma terapia” (WINNICOTT, 1975, p. 83.)

 


REFERÊNCIAS

VYGOTSKY, L. S., A Formação Social da Mente: o Desenvolvimento dos Processos Psicológicos Superiores. Edição em Português: Martins Fontes. RJ. 2007.

NICHOLSON, S. Theory of Loose Parts, How Not To Cheat Children: The Theory of Loose Parts. Landscape Architecture, Louisville, v. 62, n. 1, p. 30-34, jan. 1971.

BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras Oficial da União, Brasília, DF, 16 em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 19, nov. 2025.

 

APRESENTAÇÃO DO AUTOR Nome:

Claudia Tona

Formanda em Arteterapia pelo Espaço terapêutico Caminhos do Self, no Méier, RJ.

Como Pedagogoga e Psicopedagoga, atuou em todos os segmentos da Educação Básica, da Educação Infantil ao Ensino Médio, EJA e Educação Especial e Inclusiva, tanto como professora quanto gestora; nas escolas públicas e privadas, a Arte sempre foi seu instrumento principal, sua varinha de condão.

Atualmente, faz atendimentos individuais e em grupo, tendo como base a Psicopedagogia com abordagem em Arte.

É Coordenadora do Solar do Guri, segmento infanto-juvenil do Solar Artes e Terapias em Piratininga, onde organiza junto com a Trupe Ensolarada, eventos para celebração do brincar através da Arte.

Compõe a equipe multidisciplinar do Espaço Terapêutico Cíntia Magacho, no Centro de Niterói, onde realiza atendimentos individuais e participa da organização de Workshops periódicos sobre aprendizagem e saúde mental.

Na Fundação Cultural Avatar, no Ingá, promove a Oficina Sementes ao Pôr-do-sol, com pessoas maduras as protagonistas do presente relato.

Contato: claudiatona63@gmail.com 
 @libelula_psicopedagogia

segunda-feira, 10 de novembro de 2025

ARTETERAPIA COMO FERRAMENTA PROFILÁTICA NA SAÚDE MENTAL DOS PROFESSORES

 

Por Luigina Lucia Palermo/ RJ

       e Tania Moreira/ CE

 

                                                                               “O homem saudável é aquele que

                                                                                                                           possui um estado mental e físico em perfeito equilíbrio.”

 

                                                                               (Hipócrates, considerado o pai da

                                                                                     medicina científica. 460 a.C.-37a.C.)

 

INTRODUÇÃO

 

Como a Arteterapia passa a ser um canal de superação e bem-estar para o professor? O que é preciso transformar?

           Esta  resenha explora a percepção que se tem sobre determinados acontecimentos marcantes, que nesta contemporaneidade tem sido observado com uma crescente preocupação, devido às pressões características de um ambiente escolar e nas mudanças que são constantes no sistema escolar, gerando instabilidade na saúde e na vida profissional do professor, e que também, quando em um momento particular sensível de sua transição trabalho-aposentadoria, é seguido de um processo de adaptação de uma nova rotina e identidade, o que faz refletir na forma de como se sente, como deve agir e como deve se determinar às mudanças.

A reflexão aqui proposta é sobre a importância da prevenção, da promoção e de um caminho de superação, que são abordagens diferentes, mas que se complementam, para alertar e trazer luz sobre a da saúde mental dos professores atuantes/ativos e dos professores em processo de transição trabalho-aposentadoria, da Rede Pública de Ensino, com foco no processo terapêutico alinhado à Arteterapia, propiciando a evolução da consciência, numa abordagem da Psicologia Analítica de Carl Jung.

   

 A SAÚDE MENTAL DO DOCENTE

            As jornadas excessivas de trabalho, pressões por resultados, exigências de desempenho e produtividade, desvalorização profissional, falta de suporte institucional, etc., ressoam negativamente e impactam a saúde dos professores em sua atividade laboral, desencadeando,  às vezes,  um conjunto de sinais do corpo e da psique (alma, espírito, mente), que caracterizam um  sofrimento mental, e como também, diante das mudanças da transição trabalho-aposentadoria (por sua vida estar profundamente ligada ao seu senso de propósito e valor), podendo em alguns casos, se perceber uma perda significativa de identidade por não ter mais o seu papel social, estando sujeito à produção de riscos biopsicossociais (que engloba a saúde e a doença através do estudo de elementos biológicos, psicológicos e sociais), e que podem gerar perda da autonomia, sentimentos de desvalorização, vazio, insegurança, ansiedade.

                                     Ao se permitir retirar a persona de profissional e estudante, de acordo com MORAES (2025), mudar o registro da razão para o emocional e intuitivo, do aprendizado para a experiência, há “um encontro com a alma.

         Nem sempre é simples para o profissional que vive intensamente seu ofício, a ação de retirada daquela “capa” que de alguma forma compõe sua personalidade e por que não, faz parte de sua identidade. Despir-se da persona é uma ação que envolve muitas camadas e necessita de um trabalho psíquico muitas vezes exaustivo, porém necessário.

Dentre outros caminhos, um caminho de território criativo através da  Arteterapia, de acordo com Philippini (2008) : 

“Em Arte Terapia o trajeto é marcado por símbolos particulares, que  assinalam, informam e definem sobre os estágios da jornada de individualização de cada um. Este caminho único, compreende as transições e transformações em direção a tornar-se um “in”-divíduo, aquele que não se divide face às pressões externas e que assim procura viver plenamente, integrando possibilidades e talentos, às feridas e faltas psíquicas.” (PHILIPPINI, 2008)

 

RELATO DE CASO: CANAL DE SUPERAÇÃO.  ESTÁGIOS DA JORNADA DA INDIVIDUAÇÃO

                                         A Inteligência Emocional, é a capacidade que nossa mente tem de identificar e administrar nossos sentimentos, para que ajam a nosso favor. O domínio das emoções se faz por meio do autoconhecimento, que significa compreender e reconhecer os nossos pensamentos, sentimentos e limites. À medida que nos conhecemos, passamos a agir de forma positiva e equilibrada. (GUIMARÃES, 2025)

 

O depoimento da professora R. C., diz que o desgaste físico e psicológico tem sido sintomas constantes, por não conseguir desempenhar um trabalho de excelência: - “A gente aprimora, busca novos conhecimentos e não consegue estruturar o trabalho na prática do dia a dia”. Faltam recursos materiais, recursos humanos e falta de tempo de planejamento escolar, verbas que nunca contemplam as necessidades de uma unidade escolar. São várias crianças com muitas necessidades e precisamos identificar e desenvolver diferentes habilidades tanto para crianças típicas, quanto das atípicas. É uma sobrecarga de responsabilidade, das quais somos envolvidas de forma incessante, invadindo as nossas prioridades enquanto ser humano.”

A professora L.P, menciona que vivenciar uma rotina tão desgastante, o dia a dia, o “chão das escolas”, permitiu conhecer e procurar lidar com os desafios, que muitas vezes acreditava não poder superar. O corpo começava a sinalizar dores. Noites mal dormidas. O dia amanhecendo. Falta de credibilidade. Cansaço contínuo. Sentimento de impotência. Saída da escola direto à clínica médica próxima, para aferição da pressão arterial. Sinalizava o início de ansiedade. Tempo de Chronos, com horários e prazos. Como sobreviver a jornada dupla em duas escolas? O estresse estava querendo se instalar. Logo após, ainda passou pelo processo de Transição Trabalho-Aposentadoria. E um novo dia... a cada dia. Diálogo interno. Conseguir transformar a energia negativa, direcionando para a energia positiva, ou seja, transformando em motivação. Tempo de Kairós, do momento certo para realizar algo. Percursos simbólicos.

             "A individualização é tornar-se o si-mesmo, inteiro, pleno, consciente de si mesmo e dos acontecimentos que envolvem a nossa vida e dos demais".  (CARNEIRO, 2010, 208)

 E assim, “a energia psíquica encaminhada, desviada e transformada, ou seja, canalizada (Jung apud Hall e Nodby, 1993), gerou o primeiro percurso simbólico.: Baía de Guanabara (Enseada de Botafogo), produção da professora L.P, com a técnica de pintura Textura Visual, em preto e branco / luz e sombra, com lápis grafite.

 Segundo CARRANO E REQUIÃO (2013), o claro e escuro pode ser associado à determinada situação ou algum fato em suas vidas que estão mais claras ou mais escuras.


 

Tempo depois, no segundo percurso simbólico: criação do Mandala, com fundo escuro indicando o processo do caminho da individuação, em que a professora L.P., utilizou-se do origami na criação das borboletas, símbolo da transformação e renascimento. De acordo com CARNEIRO (2010), Jung “ao pintar uma mandala ou cria-la com mais diversos materiais, a pessoa vai se organizando externa e internamente, direcionando a atenção para o centro do próprio ser – Self... energizando todo o ser para que se torne aquilo que ele é”.

                


 


E no terceiro percurso simbólico, a professora L.P., inspirada nas obras de arte da artista plástica Beatriz Milhazes, fez uma reprodução em arte, entre cores e texturas, superposições de formas, com colagem e pintura aquarela. Construção e integração de diferentes aspectos do “eu”.

 


           


 

APOSENTADORIA: É O FIM OU INÍCIO DE NOVO PERCURSO?

           Para Viktor Frankl (1978/1989), o trabalho representa uma atividade humana que pode contribuir na busca de sentido para a existência humana.

“No modo de produção capitalista, que idolatra a produção aliena o                                                                               trabalhador do processo de produção, a aposentadoria é frequentemente vivenciada como a perda do próprio sentido da vida, uma espécie de morte social. Ao se valorizar apenas aqueles que produzem, deprecia-se o sujeito aposentado.”’ (RODRIGUES et al., 2005 apud MOREIRA).                                        

Os relatos mencionados fazem parte da realidade não só de professores, mas de inúmeros profissionais de áreas diferentes, pois de uma maneira geral, estamos todos imersos em uma sociedade que privilegia o desempenho, as metas, os cronogramas e tudo debaixo de muito estresse, desgastes e adoecimentos.

             Segundo filósofo Byung-Chul Han, a sociedade contemporânea, denominada por ele de sociedade do desempenho, é uma sociedade de autoexploração, onde o sujeito do desempenho explora a si mesmo, até consumir-se completamente, em um processo de autoagressividade, bem característico da Síndrome de Burnout. (HAN, 2017, p.101)

           Profissões encaradas como vocacionais, como por exemplo, professores, médicos, terapeutas, o trabalho não é somente uma fonte de renda, mas tem um sentido existencial.  Logo, quando a aposentadoria deixa de ser algo distante e surge como a opção para “descansar” da rotina estressante, o que se percebe é uma crise identitária. Muitos descobrem que perder o papel social também gera um vazio e sensação de desorientação quanto ao pertencimento. Porque este indivíduo    internamente mantém o mesmo padrão de autoexigência — buscando continuar produtivo, ocupado e ainda sem desfrutar de tempo para si. De fato, o descanso não acontece e o cansaço permanece, porque na sociedade do desempenho este sintoma não é somente físico, mas é algo ligado a forma como a pessoa percebe o mundo e a si mesmo.  Neste processo de dissociar que quem se aposenta é o cargo e não a real possibilidade de continuar produzindo de outra forma, sendo útil de maneira mais saudável, reconquistando o sentido de pertencimento e de verdade, investir em autocuidado, o que antes era impraticável e até inviável.

               Concluímos e afirmamos que a Arteterapia é uma proposta que está na contramão da lógica do desempenho, pois é um convite generoso para “ser”, antes de “fazer; processar as situações antes de produzir algo pelo fato em si. Um convite à expressão genuína, muito longe das performances tão idolatradas na sociedade, podendo ofertar ao indivíduo este lugar de pausa, de observação do ritmo interno, do sentir, experimentar e expressar-se sem o peso da produtividade. Assim, a aposentadoria deixa de ser um “fim” e se torna um novo começo — um tempo de florescimento interior, com mais relevância, qualidade e saúde em todos os sentidos.

           

 

REFERÊNCIAS:

CARNEIRO, Celeste. Arte, Neurociência e transcendência. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2020. 208 p.: 21 cm.

CARRANO, Eveline. REQUIÃO, Maria Helena. Materiais em arte: sua linguagem subjetiva para trabalho terapêutico e pedagógico. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013. 216p.: 24cm

GUIMARÃES, Gislene Nunes. Ferramentas e Técnicas de Intervenção em Saúde Mental. [Apresentação em slides]. In: GEPAM, Online, 29 jul. 2025.

HAN, Byung-Chul, Sociedade do Cansaço, 2a edição ampliada, Editora Vozes, Petrópolis/RJ, 2017

MORAES, Eliana. Quem é você? [Apresentação em slides.]. In: GRUPO QUÍRON: Encontros com o Curador Ferido, Online, 11 out. 2025

MOREIRA, Jacqueline de Oliveira. Imaginários sobre aposentadoria, Trabalho, Velhice: Estudo de caso com professores universitários. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 16, n. 4, p. 541-550, out./dez. 2011. Disponível em <URL>. Acesso em: 5/09/2025. https:scielo.br

PHILIPPINI, Angela. Para entender arteterapia: cartografia da coragem. 4 ed. – Rio de Janeiro: Wak Ed.. 2008

OpenAI, Google, Microsoft, 2025. [ABNT]. Acesso: URL.

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Sobre as autoras:



                                                                                      Tania Salete

Graduação em fonoaudiologia, pós graduação em psicopedagogia/UERJ.  Especialização em Arteterapia pela POMAR, Rio de Janeiro.  Pós graduanda em Envelhecimento Ativo, Artes e subjetividade pela Clinica Pomar.  Atuou com grupos terapêuticos e de apoio em casa de recuperação feminina e masculina. Atendimentos presencial e online - individuais e Grupos de Mulheres (REDE), crianças e adolescentes. Em Fortaleza, atuou no IPREDE/CONECTA - com atendimento de crianças no Espectro Autista. Atualmente desenvolve atividades no REDE 60+ - Grupo de práticas criativas em Arteterapia para idosos. 


Contatos: @caminhartes.arteterapia (Instagram e Facebook)



                                                           Luigina Lucia Palermo Antas


Formação:

Arteterapeuta AARJ 672/0515

Graduação em Pedagogia/Licenciatura Plena

Graduação em Educação Artística-Artes Visuais

Pós graduada em Arteterapia em Educação e Saúde

Pós graduada em Psicopedagogia

Formação Clínica em Arteterapia na Clínica POMAR

 

Área de atuação/ Projetos/Trabalho

 Professora de Artes Plásticas/Visuais do Município do Rio de Janeiro, no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.

Proponente, coordenadora e docente do Projeto Caminhos Facilitadores do Desenvolvimento Humano – Desenvolvido no IBC / Instituto Benjamin Constant – Integrantes: Equipe de Saúde Multidisciplinar e estagiárias do Curso de Pedagogia da Universidade Veiga de Almeida .

 Publicado no site Instituto Arte na Escola em Relato de Experiência; Publicado no Caderno de Resumo dos Anais do CEDERJ, após conclusão do Curso de Aperfeiçoamento em Educação Especial e Inclusiva para Professores de Educação Básica/Fundação CECIERJ.

Projeto Todos Somos: Arte e Cultura Africana. Instituto Arte na Escola. Projeto Semifinalista XIX Prêmio Arte na Escola Cidadã. São Paulo. Brasil

Projeto Caminhos Flexíveis para a Aprendizagem. Caminho Educativo percorrido com Abordagem Terapêutica Breve/Junguiana. Rede Municipal de Ensino/RJ. Turmas do Ensino Fundamental/Alfabetização. E.M. Pedro Ernesto/Lagoa/RJ

 

Pesquisa Independente em Arteterapia, Arte e Educação : sem vínculo institucional.