Por Flávia
Hargreaves
Henri Matisse, 1953. Guache sobre papel recortado, colado sobre papel montado em tela.
A colagem é uma técnica/linguagem muito
utilizada em Arteterapia, e é, com frequência, um dos primeiros trabalhos
sugeridos no setting por ser
considerado mais “seguro” do que a pintura, por exemplo. Quem já passou pela
Arteterapia como cliente já deve ter se deparado com a sugestão de criar uma “colagem
de apresentação”. Nada contra, nem a favor ... o texto que se segue é apenas uma
reflexão, com mais perguntas que respostas.
Para começarmos a pensar sobre a Colagem e a Arteterapia,
é preciso entender que esta ingressa na História da Arte na Arte Moderna, sendo
utilizada até os dias de hoje, com técnicas, abordagens e intenções múltiplas.
Como a História da Arte é sempre o meu ponto de partida para pensar as técnicas
plásticas, sugiro ao leitor um breve passeio pelas obras de Matisse, Picasso,
Braque, Juan Gris, Ernst, Schwitters e Arp, e dos poetas Jorge de Lima e Ferreira Gullar.
Neste breve texto citarei apenas alguns, mas fica a dica...
Juan
Gris, artista cubista, “tal como Braque, disse ter sido atraído para a colagem
por causa do sentimento de certeza que lhe proporcionava. [...] Braque se refere
aos fragmentos de papel que, mais tarde, foram incorporados aos desenhos como
suas ‘certezas’.” (GOLDING, p.46-52). Mais uma vez nos deparamos com o sentido
de “segurança” da técnica.
Podemos pensar também sobre a questão de se
estar trabalhando com “algo que já existe”, “fora”, ou seja, imagens de revista,
papéis coloridos, que não irão exigir do cliente habilidades de desenho,
pintura, conhecimento de mistura de tintas, ou ter que “tirar”as imagens de “dentro”.
Yves Tanguy, artista surrealista, fala da pintura
e do desenho com uma abordagem interessante, dizendo que a pintura traz mais “surpresas”.
Neste caso, ele também se refere à pintura como “menos segura”. Podemos
refletir sobre isso ... mas dificilmente encontraremos respostas definitivas. Cada
artista e cada cliente irá lidar com os materiais e as técnicas de arte de
modos particulares. O que para um parece assustador, para outro se mostra um
prazer. Por exemplo, enquanto uma pessoa se sente confortável em buscar imagens
prontas e recriá-las numa colagem, para outra esta pode se mostrar uma tarefa
angustiante, buscando nas revistas ou caixas de recortes a imagem que já tem em
mente, preferiria, talvez, criá-la a partir da sua imaginação.
E, se o cliente gostar tanto de colagem e
passar anos em terapia explorando uma única linguagem? Ele estaria limitado?
Congelado? Defensivo? Ou simplesmente encontrou a sua expressão? Deveríamos
sugerir que "Rodin virasse pintor ou Monet escultor?" [1] Será que podemos fazer esta
analogia entre artistas e não-artistas? Eu arriscaria que, neste aspecto, sim.
Também podemos levar em consideração o caso do
cliente ser alérgico a tintas ou ter algum impedimento para pintar. Tenho uma
amiga que passou por isso, pintou durante décadas e veio uma alergia que a
impediu de continuar. Infelizmente não fez como Matisse, que em 1939, recorreu
à colagem fazendo recortes com catálogos de tinta. Posteriormente passou a usar
papéis pintados com guache, usando a tesoura como lápis ou pincel. Matisse diz:
“Cortar diretamente na cor faz-me lembrar o trabalho de escultores em pedra.”
Hans Arp, artista dadaísta, e Ferreira Gullar, poeta e artista diletante, passam por uma experiência semelhante no que diz respeito à colagem e ao acaso na criação. Em episódio frequentemente citado, Arp insatisfeito com um desenho rasga-o em pedaços que caem no chão e se surpreende com a expressão da organização “acidental” e aceita o acaso. Gullar muda seu processo de colagem, que fazia a partir de um desenho prévio, a partir de um “acidente” com o gato que, ao passar, desarrumou seus recortes. Passou a criar jogando os recortes para cima e aceitando o acaso na criação, como Arp. Este processo também deu origem às suas colagens em relevo.
Max Ernst e Hans Arp, 1920. Colagem com fragmentos de fotografia,
guache, lápis, caneta e nanquim sobre papel cartão.
Ernst, artista surrealista, já traz um outra
abordagem da colagem. Diz: “a técnica
da colagem é a exploração sistemática do encontro casual ou artificialmente
provocado de duas ou mais realidades
estranhas entre si sobre um plano aparentemente inadequado, e um
cintilar de poesia que resulta da aproximação
dessas realidades.” [...] e continua, “fracionar e rejuntar, como
faz a colagem, não repõe a unidade quebrada. Ela não pasteuriza nem pacifica.
Não tem vocação democrática se isto for entendido como união de todas as
diferenças. Há diferenças que não cabem em determinadas formas, mas cabem em
outras.” ((Richter, 1993. P. 63).
Acredito
que a segurança na colagem seja relativa e que toda a expressão plástica nos
reserva grandes surpresas. E talvez a técnica deva ser escolhida pelo cliente
desde o primeiro contato, para onde o seu desejo aponta. Mas como coloquei no
início deste texto, não tenho respostas, mas “uma colagem” de pensamentos ainda
em construção e, claro, um pequeno recorte diante de um tema imenso.
E pra você,
o que é colagem?
[1] comunicação verbal de Maddi Damian Jr., dia 19 de setembro de 2015, durante aula da pós-graduação Arteterapia e Processos de Criação, Universidade Veiga de Almeida, RJ.
[1] comunicação verbal de Maddi Damian Jr., dia 19 de setembro de 2015, durante aula da pós-graduação Arteterapia e Processos de Criação, Universidade Veiga de Almeida, RJ.
Este é o tema da próxima palestra do CICLO DE PALESTRAS NÃO-PALAVRA, dia 5 de outubro.
"A Colagem na Arte Moderna e sua contribuição para a Arteterapia"
com Flávia Hargreaves
Dia 5 de outubro das 18h às 20h.
Local: Casa das Palmeiras. Rua Sorocaba, 800.
Inscrições no local às 17:50h, Contribuição R$ 15,00 por palestra.
A renda será doada à Casa das Palmeiras.
Contato: naopalavra@gmail.com
Bibligrafia:
ESSERS, Volkmar. Matisse. Editora Benedikt Taschen, 1993.
GOLDING, John. Cubismo. In : STANGOS, Nikos (org.). Conceitos de Arte Moderna. 2 ed. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1991, p. 38-57
PASSETI, Dorothea Voegeli. Colagem: arte e antropologia. Dispoinível em: http://www.pucsp.br/ponto-e-virgula/n1/artigos/02-DodiPassetti.htm
TEIXEIRA, Rafael. Colagens acadêmicas. Veja Rio. 19.11.2014.