Por Flávia Hargreaves
Piet Mondrian. 1942.
“Aquilo que eu entendo aqui como beleza não é o que a gente comum entende geralmente por este nome, como, por exemplo, a dos objetos vivos ou das figurações deles; é, pelo contrário, alguma coisa de retilíneo e de circular, as superfícies e os corpos sólidos compostos por meio de compasso, do cordão e do esquadro. Com efeito, estas formas não são como as outras, belas em certas condições, mas são belas em si.” (Platão, em Filebo, sobre arquitetura)
Há algum tempo me pergunto sobre o
lugar das imagens abstratas na Arteterapia, em especial o lugar das linhas
retas, das formas geométricas, e o uso de instrumentos como réguas, esquadros,
compassos, que se desdobram nas curvas francesas e na régua flexível. Sim,
pasmem: Existe uma régua que se chama “régua flexível”, que aliás é bem antiga.
Nas palavras do
artista e escritor belga Michel Seuphor, fundador do grupo Cercle et Carré, as
imagens do círculo e do quadrado correspondiam ao "[...] emblema da mais
simples totalidade das coisas. O mundo racional e o mundo sensorial, a terra e
o céu no antigo simbolismo chinês, a geometria retilínea e a geometria
curvilínea, o homem e a mulher, Mondrian e Arp." Isto não me parece pouca
coisa ...
O que me leva à
Mandala, tão popular nos meios da Arteterapia. Afinal, a mandala é um círculo,
muitas vezes inscrita ou circunscrita em um quadrado, integrando o espírito e a
matéria. Mas este seria o único ponto de contato que percebo da Arteterapia com
a geometria. E mesmo este contato me parece frágil nas praticas com mandalas.
Na obra de Mondrian, “a cor pura se projeta no plano, encontrando seu oposto na não-cor, no cinza, no branco e no preto. As oposições se desdobram no quadro: linha negra/plano branco, linha espessa/linha fina, planos abertos/planos fechados, planos retangulares/quadrado da tela, cor/não-cor. As composições se estruturam num jogo de relações assimétricas entre linhas horizontais e verticais dispostas sobre um plano único. A forma obtida a partir daí, indica Schapiro em ensaio clássico sobre o artista, é totalidade sempre incompleta, que sugere sua continuidade além dos limites da tela. O neoplasticismo de Mondrian dispensa os detalhes e a variedade da natureza, buscando o princípio universal sob a aparência do mundo. Menos que expressar as coisas naturais, sua arte visa, segundo ele, a ‘expressão pura da relação’”.
Mergulhando no universo dos quadrados,
triângulos, círculos, e a infinidade de formas possíveis a partir das linhas
retas e redondas, acompanhada por grandes artistas como Kandisnky, Mondrian, Malevich e
tantos outros como os brasileiros Helio Oiticica, Lygia Clark, Ligia Pape,
Geraldo de Barros, Aluísio Carvão, por exemplo, que tiveram parte de sua obra
dedicada à abstração geométrica, percebo com estranheza a restrição ao uso de
réguas e compasso em Arteterapia. Dialogar com estes artistas e suas obras não
teriam uma contribuição importante para nós, arteterapeutas? Será que nossa
relação com a geometria deve se limitar às mandalas? Seriam as linhas retas, as
réguas, os esquadros, os compassos, os vilões contra os quais temos que lutar
com todas as nossas forças? Apolo será sempre um chato, e Dionísio estaria
sempre a postos para responder às nossas necessidades?
Fazem 100 anos que Malevich disse "Eu me transformei no zero da forma e me puxei para fora do lodaçal sem valor da arte acadêmica. Eu destruí o círculo do horizonte e fugi do círculo dos objetos, do anel do horizonte que aprisionou o artista e as formas da natureza. O quadrado não é uma forma subconsciente. É a criação da razão intuitiva. O rosto da nova arte. O quadrado é o infante real, vivo. É o primeiro passo da criação pura em arte" (1915).
O círculo pode não ser o sol ou a lua, ele pode ser um círculo com sua potência, sua expressão. Não precisamos ter um olhar figurativo sobre o abstrato. Podemos nos deter na forma, na cor, na composição, identificando pontos de tensão, de harmonia, relaxamento, etc. Buscar as relações, os contrastes, o movimento e o não-movimento, etc. Creio ser um exercício importante para o arteterapeuta experimentar se deter nos elementos fundamentais e estruturais da imagem, antes de buscar uma figura ou até mesmo um símbolo, que muitas vezes se confunde na busca de uma figura.
Imagem: Malevich, 1915.
Nota: Cercle et
Carré que inspira o título deste artigo, foi uma associação de artistas criada
em Paris, 1929, pelo pintor uruguaio Joaquín Torres-García (1874-1949) e pelo
artista e escritor belga Michel Seuphor (1901-1999), com o objetivo de divulgar
a arte construtivista.
Referências:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/termo38/cercle-et-carre
ARGAN, Giulio. Arte
Moderna. 5ª reimpressão. Companhia das Letras. 1998.
STIERLIN, Henri. Arquitetura Universal.
Grécia. Editora Taschen. 2009.