segunda-feira, 29 de abril de 2013

O ATO CRIATIVO



“A experiência criativa nos ‘transpassa’ e permite que ‘transbordemos’ e atravessemos limites e interdições, resgatando ‘notícias de nós mesmos’ nem sempre claras e acessíveis...” Ângela Philipini *

            A arteterapia tem o poder de despertar e estimular o potencial criativo em cada um de nós. Os benefícios que o ATO CRIATIVO traz tem chamado minha atenção. Primeiramente, porque ele movimenta, faz com que o sujeito saia do lugar cômodo, seja da inércia, do conhecido...
            Este “impulsionar” que o Ato Criativo proporciona, ao meu ver, é muito interessante para os pacientes que por algum motivo se encontram “empobrecidos” em seus movimentos, desejos de vida, em suas reflexões e relações.
            Um dos maiores exemplos de pacientes empobrecidos são aqueles com traços depressivos: falta de prazer nas atividades do dia a dia, inclusive aquelas que lhe traziam prazer no passado, desânimo acentuado, redução da rotina e relacionamentos sociais, como que um desejo de se ausentar de todo e qualquer lampejo de vida.
            Creio que posso relatar vários benefícios que o Ato Criativo tem trazido à pacientes com este perfil em minha clínica.
            Ele amplia o olhar viciado e reduzido quando apresenta novas possibilidades. Produz inquietude, desperta curiosidade e desafia o paciente. Estimula que ele exercite sua mente, se esforce e busque soluções, fazendo com que amplie seu repertório. Ao se ver capaz de dar forma e transformar seus conteúdos em cores, formas e imagens o paciente acessa sua autoestima. Todo este processo produz prazer e estimula ao paciente a resgatar seu desejos de vida!

* Livro: “Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso, indicações e propriedades 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

PSICANÁLISE E ARTE


            Neste final de semana estive no I Colóquio sobre Arte e Psicanálise, promovido pelo Hímeros – Departamento de Mestrado e Doutorado em Psicanálise e Arte da UVA.
            Durante as exposições me vi envolvida com todo o embasamento e as considerações teóricas da Psicanálise sobre o artista e suas produções. Ouvi. “A arte é o que separa a Psicanálise da Medicina e da Psicologia.”
A teoria da Psicanálise me atrai. Mantenho com ela um “flerte desconfiado”. Acredito que ela é base para qualquer um que queira trabalhar com o inconsciente. E nos últimos momentos do Colóquio, escrevo este post com minha inquietação: Se a Psicanálise reconhece a arte como tal e se propõe a embasá-la com sua teoria, por que não se pode pensar a prática da arte no contexto da sua clínica? O modelo da prática analítica, baseado na fala (palavra), no divã e demais pilares da psicanálise é definido e (me parece que) não há espaço para outras possibilidades – salvo muito específicos contextos, mas não como uma prática continuada.
A arte na prática da psicanálise é estabelecida com a clínica da psicose, como signo, pois através dela o psicótico representará seu discurso. Com a justificativa de que o neurótico FALA, a arte não possui lugar nesta clínica.
Porém, embasada em minha prática, penso que o neurótico FALA através da palavra mas também FALA através de outras linguagens, e então todas as possibilidades da arte encontram seu lugar. Alias, o nome deste blog e sua inspiração inicial nascem justamente da possibilidade real da “fala sem a palavra”.
Voltando ao Colóquio, ouvi: “A obra de arte torna visível o desejo”. “Arte, presentificar o não sabido”. “Poesia: tensão entre a linguagem e o indizível.”
Eu me atrevo a ampliar o último conceito:. Seria a arte a tensão entre a fala e o indizível? Se sim, por que não dar espaço para esta técnica na prática da clínica da psicanálise, como recurso para que o sujeito FALE? 

segunda-feira, 15 de abril de 2013

FEIO E BELO

            “O `Belo Interior` é aquele para o qual nos impele uma necessidade interior quando se renunciou às formas convencionais do Belo. Os profanos chamam-na feiura. O homem é sempre atraído, e hoje mais do que nunca, pelas coisas exteriores, não reconhecendo de bom grado a necessidade interior.”  Kandinsky*

            É comum que a clínica da arteterapia seja procurada por pessoas que já têm a prática na arte: trabalhos manuais, artesanato, escrita... Por um lado, o conhecimento de algumas técnicas é interessante, pois o paciente se sente a vontade no manuseio dos materiais. Porém, estas pessoas são muito comprometidas com a estética, com o belo, até porque estas produções necessitam de aprovação do público ou até a preocupação com “o que é vendável”. Não admitem produzir algo que fuja das regras do belo e seja esteticamente feio. Porém, em alguns momentos do processo terapêutico é necessário justamente encarar e trabalhar com o que é “feio” e me afeta. (Vale ressaltar que aqui não me refiro ao feio do paciente inseguro com o material, frustrado com a pouca intimidade com ele e com falta de suporte do arteterapeuta. Mas o feio que o paciente produz, independente do material, que expressa seus sentimentos com honestidade)
            Recentemente uma paciente (que já tinha um histórico com trabalhos manuais) se espantou com a máscara de um senhor ranzinza que ela criou em tons de marrom. Ficou se comparando ás outras participantes do grupo que produziram máscaras coloridas, alegres. Dizia: “Credo! Como posso ter feito algo tão feio?!? E eu odeio marrom!” Ficou tão mexida com aquela imagem que levou pra sua terapia individual a sensação .tão forte de ter produzido aquela “feiura” A paciente percebeu que, embora estivesse acostumada a somente produzir coisas belas,  este trabalho expressava uma “Necessidade Interior”: um aspecto ranzinza, rígido e ácido que nasceu dentro dela, depois de episódios tão difíceis vividos ultimamente como doenças e conflitos familiares.
            Neste momento, criar algo feio, não esperado externamente ou socialmente, faz todo sentido. Inclusive se torna uma experiência libertadora, pois assim o indivíduo pode admitir e expressar da forma mais honesta possível consigo mesmo, seus sentimentos mais profundos e verdadeiros. E assim, o que é feio na ótica da estética, se torna o que Kandinsky chamou de o “Belo Interior”, 
           

* Livro: “Do espiritual na arte”, Kandinsky

terça-feira, 9 de abril de 2013

FREUD E O ENCONTRO COM UMA OBRA DE ARTE

“As obras de arte exercem sobre mim um poderoso efeito, especialmente a literatura e a escultura e, com menos frequência, a pintura. Isto já me levou a passar um longo tempo contemplando-as, tentando apreendê-las á minha própria maneira, isto é, explicar a mim mesmo a que se deve o seu efeito (…) Uma inclinação psíquica em mim, racionalista ou talvez analítica, revolta-se contra o fato de  comover-me com uma coisa sem saber porque sou assim afetado e o que é que me afeta”. Freud em Moisés de Michelangelo

Recentemente li sobre um episódio da vida de Freud que me intrigou. Em 1913 Freud passou várias tardes em Roma encarando a figura de Moisés, esculpida em mármore por Michelangelo. Em uma carta para sua esposa Martha, Freud escreve: ”Visito diariamente o Moisés e acho que poderia escrever umas poucas palavras sobre ele... ao longo de três semanas solitárias de setembro, detive-me diariamente na igreja diante da estátua, estudei-a, medi-a, sondei-a, até que me veio a compreensão que só ousei expressar no papel anonimamente”.  Freud realmente estava fascinado por aquela obra.
O artigo citado traz a questão: qual o momento na vida de Moisés Michelangelo reproduziu? “Foi a descida do Monte Sinai, onde Moisés recebera de Deus as Tábuas, o momento em que o povo havia naquele meio-tempo feito para si um bezerro de ouro e estava dançando em torno dele e rejubilando-se. Esse é o espetáculo que evoca os sentimentos representados em seu semblante – sentimentos que no instante seguinte se transformará em ação violenta. Michelangelo escolheu esse último  momento de hesitação, de calma antes da tempestade, para representar o homem Moisés. No instante seguinte, Moisés se erguerá – seu pé esquerdo já se alçou do solo – arremessará as Tábuas por terra e desencadeará sua cólera sobre o povo infiel”
            O interessantíssimo é observar que o momento escolhido por Michelangelo era bastante similar ao momento que Freud vivia: seu conflito com Jung. Assim como Moisés irou-se com o povo que havia ferido e deturpado as leis de Deus, Freud se encontrava irado com as apropriações indevidas que, no seu entender, Jung fez de sua criação, a psicanálise. Quando voltou de viagem Freud escreveu “História do movimento Psicanalítico” defendendo que a psicanálise era uma invenção sua e somente ele poderia dizê-la.
            Um encontro com uma obra de arte. Um “reconhecimento” de consteúdo tão próprio e pessoal em algo que eu contemplo fora de mim. Um acontecimento vivo de troca entre espectador e obra. Este é assunto para um outro texto.