Por Eliana Moraes - MG
Sequoias são árvores de grande porte, que podem atingir mais de 100
metros de altura. Sua base, com mais de 30 metros de circunferência, sustenta
um peso superior a 1.400 toneladas. Além de estar entre os maiores organismos
vivos do planeta, essas árvores também estão entre os mais antigos, podem viver
de 2 a 3 mil anos.
Quem me apresentou essa árvore tão simbólica foi Rita Maria, uma
grande amiga, parceira e integrante do grupo de estudos do Não Palavra, em
nosso último encontro de 2023. Estávamos conversando sobre o crescimento e
amadurecimento das arteterapeutas mais antigas que, para seu desenvolvimento, contaram
com os conteúdos de formação continuada promovidos pelo Não Palavra em parceria
com o Espaço Crisântemo, desde 2018.
A referência apresentada por Rita aguçou minha curiosidade e fui
pesquisar sobre as sequoias. É possível encontrar várias explicações para a
etimologia desse nome, mas a que mais me
capturou foi a sugestão de que “sequoia” é uma derivação da palavra latina para
"sequência", pois se trata de uma espécie que faz o papel de um
seguidor ou remanescente de espécies anteriores tornando-se, portanto, “o
próximo em uma sequência”.
Mas outro simbolismo que muito me tocou, está em
suas raízes. Para que a árvore com mais de 100 metros se mantenha em pé, suas
raízes ao invés de serem proporcionalmente longas, o segredo está em suas
distribuições. As sequoias-gigantes apresentam raízes que ficam mais próximas à
superfície do solo, porém que se espalham, criando verdadeiras malhas com
raízes de outras sequoias, mantendo o equilíbrio e estabilidade. Elas também
mantêm relações com outras centenas de espécies, criando uma relação de árvore
e outros seres extremamente benéfica para todos.
Essa descrição me lembrou das palavras de Beatriz Cardella sobre
como a profissão do terapeuta pode se tornar tão solitária se assim ele
permitir. Que para ser sustentação ao outro, é necessário receber sustento. E
defende a importância do terapeuta reconhecer a necessidade de ser acolhido e
cuidado, ancorado nas relações que lhe manterá
de pé:
Em geral este itinerário é
bastante árduo e delicado para um terapeuta. Acostumado a cuidar e a
concentrar-se nas feridas e sofrimentos do outro, na solidão de sua
consciência tende a experimentar certo desamparo ao defrontar-se com suas
próprias necessidades de cuidado, desenvolvendo, muitas vezes, sofisticadas
formas defensivas para proteger-se do próprio sofrimento.
Mas para ofertar abrigo e
aconchego ao outro, um lar precisa ser estabelecido, uma morada amorosa e
generosa, construída, um lugar terno e seguro, habitado...
Um terapeuta necessita ao longo da vida, como qualquer
pessoa, encontrar em suas relações, o cuidado ansiado, para de fato, ser
capaz de autocuidar-se; não existe eu sem o outro. (CARDELLA,
2023, 18-19)
Desta forma, Beatriz nos aconselha sobre a importância do grupo de
estudos como um grupo de terapeutas que coopera para enraizamento e
desenvolvimento mútuo. Uma “teia de raízes” que se autossutentam, se nutrem
mutuamente, mas também abrem espaço para o crescimento de cada membro.
Tanto a presença do coordenador
como dos colegas oferece ao participante a possibilidade de enraizamento e de
abertura; a depender das atitudes do coordenador na direção de promover
autossuporte e autonomia dos colegas menos experientes, iniciará o importante
processo de deixar heranças, desocupando gradativamente os lugares alcançados
[…]
Construção e desconstrução acontecem durante os encontros entre terapeutas no processo de formação continuada; os novos controem, crescem para cima e vão se tornando experientes, e o experiente cresce para baixo, deixa heranças, desconstrói e desocupa os lugares alcançados, realizando e atualizando as tarefas do percurso humano, processos de contínuos ajustamentos criativos. (CARDELLA, 2020, 273)
Ao fechar o ciclo de 2023 do projeto Não
Palavra como um todo, sinto meu coração expandido e radiante ao observar o crescimento
de cada membro de nossa rede. Cada um se lançando em seus desafios e
enfrentamentos nas práticas arteterapêuticas em seus territórios. Dentro de
nossos contornos, observamos o crescimento de nossos estudos, da participação
de outras colaborações em nossas palestras, no aumento significativo de
arteterapeutas no projeto de atendimento social... Cada arteterapeuta “crescendo
para cima” em sua estatura e estilo.
Acredito que esse seja um dos motivos para que
o blog Não Palavra tenha faltado em sua proposta de publicar um texto a cada
segunda feira do ano. Nesse ciclo foi preciso ouvir o movimento dos
sustentadores do blog, quando não havia um texto pronto para publicação dentro
do prazo. Esse ano, tivemos ao todo 30 textos de 11 autores, com textos de
compartilhamentos práticos mas também muito ricos teoricamente. Agradeço de
todo coração àqueles que puderam colaborar com a sustentação do blog nesses 10
anos de vida rica em produção e criatividade! Para o próximo ciclo mantemos a
proposta de publicação semanal de textos, mas com a flexibilidade de ouvirmos o
possível de cada um de nós, pois sabemos que para além do blog, estamos
crescendo.
Quanto à rede Não Palavra como um todo,
seguimos com a proposta de oferecer ao arteterapeuta um território de heterossuporte,
nutrição, ancoramento, enraizamento, na realização do arquétipo regente de sua
jornada de individuação: o arquétipo do curador ferido. Pois, enquanto exerce
seu ofício:
[...] um terapeuta necessitará
também, abrir-se para dentro, para o outro em si, reconhecendo as
paisagens existenciais e geografias simbólicas que visita acompanhando seus
pacientes: desertos, montanhas, planícies, praias, rios, corredeiras, abismos,
cavernas, grutas, cânions, etc.
Além disso, ao percorrer estas
paisagens, precisa construir um lugar, uma morada, e ter para onde voltar,
inclusive para oferecer hospitalidade e a colhimento ao outro.
O terapeuta é, paradoxalmente um
peregrino e um anfitrião.
(CARDELLA, 2023, 18)
Hoje, no blog, abrimos um tempo de pausa, descanso
e silêncio criativo. Retomamos nossa rotina de publicação de textos dia 20 de
fevereiro.
Quanto à nossa rede, que em 2024 o Não Palavra
permaneça como um lugar para onde voltar, uma morada, ao arteterapeuta anfitrião
e peregrino.
Referência Bibliográfica:
CARDELLA, Beatriz Helena
Paranhos. O curador ferido e a clínica contemporânea: Ensaios de Gestalt
-terapia. Editora Amparo, SP. 2023
_____________________________. De
volta para casa: ética e poética na clínica gestáltica Contemporânea. Editora
Amparo, SP. 2020
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Sobre a autora: Eliana Moraes