segunda-feira, 31 de julho de 2023

REFLEXÕES SOBRE OS PRIMEIROS PASSOS DA PRÁTICA ARTETERAPÊUTICA

 


Por Eliana Moraes – MG

naopalavra@gmail.com

@naopalavra

 

O Não Palavra Arteterapia tem-se consolidado como um espaço de formação continuada ao arteterapeuta, um território sustentado para que este profissional se desenvolva nos mais variados aspectos que compõem esse ofício. 

Entretanto, desde 2021, tenho atuado pelo Instituto FACES-SP, em um momento anterior na construção do arteterapeuta. Em parceria com Mariana Farcetta, temos orientado os alunos da pós graduação em Arteterapia na fase do estágio supervisionado e em seguida na produção de um artigo científico a partir dessa prática. 

No texto de hoje compartilho com a rede Não Palavra algumas reflexões que fui construindo nesse delicioso desafio que é acompanhar arteterapeutas em formação em seus primeiros passos de atuação. Essa reflexão pode inspirar outros estudantes em seus primeiros passos, mas também arteterapeutas recém formados, que também compõe nossa rede, para embasar seu início de jornada profissional. 

O início de uma nova caminhada 

O curso de formação em Arteterapia é basicamente teórico-vivencial. Em geral, as aulas se dividem em um momento de estudo teórico, mas deste decorre uma profunda experiência arteterapêutica pessoal. Não é raro ouvirmos o quão mobilizador foi para o aluno de Arteteapia a vivência desta em sua biografia. Essa é uma experiência extremamente importante para a construção do “arteterapeuta de alma”, porém, no momento do estágio faz-se necessária uma pequena mudança no “registro vivencial”. Este é um tempo de viver na prática a aplicação do que vivenciamos e aprendemos ao longo do curso. É tempo de um deslocamento de parte da energia psíquica investida em si, para ser investida no outro e seu processo de individuação. Uma mudança no olhar, uma mudança de lugar. 

Para o início do estágio, é necessária a compreensão de que a Arteterapia é um procedimento terapêutico riquíssimo em modalidades. O estágio se dá como a primeira oportunidade de colocar em prática os conteúdos estudados no curso. Percebo aqui, alguma ansiedade nos alunos no momento de fazer escolhas e delinear a proposta do seu estágio. Entretanto, é importante manter em mente que o arteterapeuta poderá se experimentar em outras modalidades após a conclusão do curso: este é apenas o primeiro passo da jornada. As modalidades arteterapêuticas disponibilizadas no período do estágio dependem da orientação específica do curso de formação. Será um atendimento individual ou grupal? Presencial ou online? Atenderá qual público? 

Quanto à este, observados uma grande variedade de possibilidades: crianças, adolescentes, adultos, 3ª idade, mulheres, grupo LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, mães, cuidadores, pessoas em situação de rua, professores, profissionais de saúde,  Instituições de Longa Permanência, ONGs, grupos vulneráveis, grupos religiosos, etc... De fato, essa é uma decisão importante: qual público mais instiga o aluno para esta primeira oportunidade de prática? Em geral, minha sugestão é que ele escolha um público que fuja de sua zona de conforto (por exemplo algo que ele já conheça por atuação profissional anterior) e seja desafiador, para que se aproveite a oportunidade do suporte da supervisão e troca do grupo de colegas de curso na experimentação dessa nova prática. Porém, ponto essencial é que se respeite os limites do terapeuta em formação. Cabe ao supervisor orientar aos alunos para observar os potenciais de contratransferência nessas escolhas iniciais, encaminhando-os para que observem seus limites e não escolham um público que possa afetá-los em suas questões pessoais. É sempre bom lembrar que para o período do estágio – e ao longo da vida do terapeuta – há uma condição essencial para sua sustentação: a manutenção da terapia pessoal. 

Escolhido o público alvo, a orientação é que o aluno mergulhe em uma pesquisa sobre este recorte. As bibliografias já disponíveis em livros e textos, o resgate das aulas teóricas  do curso de formação, são um bom pontapé inicial. Entretanto, (já encaminhando o estudo para a produção futura de um artigo científico) Mariana e eu também estimulamos que os alunos busquem embasamentos atualizados em artigos científicos em bases de dados, com destaque para as revistas científicas em Arteterapia que já possuímos: “Cores da Vida” da Associação Brasil Central de Arteterapia e “Revista de Arteterapia da AATESP”. Diante da vastidão de conteúdos possíveis a serem estudados pelo arteterapeuta, o que muitas vezes assusta os alunos, tenho utilizado uma expressão criada por uma de minhas alunas: em Arteterapia nosso estudo é “sob demanda”, ou seja, buscamos aprofundamentos teóricos a partir do que nossa prática nos pede. E assim seguimos, um passo de cada vez. 

Outra orientação interessante é que o aluno revisite as técnicas expressivas experimentadas durante o curso e outras vivências, e selecione aquelas que se encaixam com sua proposta de atuação mas também que se afine com seu estilo pessoal. Esse é um momento tão belo quanto importante, quando o arteterapeuta em formação começa a desenvolver seu estilo de práticas, manejos e repertório próprios. É interessante abrir espaço para a construção de uma nova e singular identidade profissional. 

Dos cursos de formação que tenho conhecimento, percebo que na maioria dos estágios orienta-se que a prática seja feita na modalidade grupal, o que considero interessante, pois com a sessão semiestruturada (quando o terapeuta elege a estrutura inicial da sessão) colabora-se para que haja mais tempo de preparo das práticas arteterapêuticas; o que se difere do atendimento individual que nos pede uma sessão aberta (quando o terapeuta ouve a demanda do seu paciente e naquele momento constrói a intervenção arteterapêutica), que demanda o desenvolvimento de uma destreza de escuta e manejo no momento da sessão. 

Outra proposta que observo ser mais comum aos cursos é a orientação para que o estágio seja feito em dupla, o que ao meu olhar e escuta de tantos alunos e arteterapeutas recém formados, possui grandes potenciais, em luz e sombra. 

A dupla de arteterapeutas 

Inicialmente, o atendimento em dupla é interessante para que se amplie as possibilidades de escuta, observações e percepções além de dividir um fluxo de energia psíquica do fenômeno grupal. 

Porém, essa configuração também instiga um grande desafio: uma dupla produz uma relação, um grupo, com suas dinâmicas e fenômenos. Não é raro ouvirmos relatos de duplas de estágio que não se afinaram, não se integraram, que viveram conflitos e angústias na sustentação do estágio. E aqui não se trata de identificar “quem está certo e quem está errado”, mas sim a constatação de que existem pessoas diferentes, com estilos, bagagens, referências, funcionamentos, diferentes. Nessa perspectiva, a condição fundamental para a manutenção desse trabalho é manter um diálogo continuado e persistente (ainda que eventualmente mediado pela supervisão). Todas essas diferenças podem ser ouvidas e acolhidas como complementaridade, não oposições. É possível integrar visões diferentes e experimentar possibilidades nesse período de construção do estilo do terapeuta. 

Fechamento 

Nesse texto compartilho a primeira parte de minhas reflexões na orientação de arteterapeutas em formação em seus primeiros passos na prática. Acredito que esse seja um momento muito importante na construção de uma nova identidade profissional, uma nova persona, uma nova maneira de atuar. Todo o estudo e embasamento teórico é essencial para que essa base seja bem formada. Por um outro lado, na construção de um bom terapeuta, sempre precisamos lembrar que nosso ofício se baseia em outro alicerce. Nas palavras de Von Franz:

 

Embora esse problema diga principalmente respeito ao treinamento intelectual e ao conhecimento do futuro analista, não devemos nos esquecer do sentimento, ou seja do coração. Por mais inteligente que um analista insensível possa ser, nunca vi nenhuma pessoa desse tipo curar ninguém! E o “coração” não pode ser instilado. A pessoa que não o possui, na minha opinião, é a menos adequada para essa profissão. (VON FRANZ, 2021, p 325-326) 

Em síntese, como orientadora e supervisora de arteterapeutas  conscientes, responsáveis e éticos,  sempre esclareço a importância de um comprometimento com o estudo, durante a formação e ao longo de toda atuação profissional. Porém, sempre ecoando as palavras tão conhecidas quanto potentes de nosso mestre Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” Ou seja, o saber teórico nos embasa para uma prática do sentir e do intuir, que visa o encontro de almas e a formação de um vínculo curativo.

Referência Bibliográfica:

 VON FRANZ, Marie-Louise. Psicoterapia. 2021

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga

Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Cursando MBA em Logoterapia e Desenvolvimento Humano
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Faz parte do corpo docente de pós-graduações em Arteterapia: Instituto FACES - SP, CEFAS - Campinas, INSTED - Mato Grosso do Sul. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia online, sediada em Belo Horizonte, MG. 

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra"

segunda-feira, 17 de julho de 2023

ARTETERAPIA E LUTO DE PET: UM RELATO DA ELABORAÇÃO SIMBÓLICA DA DOR PELA MORTE DE PET – PARTE 2



Por Paula Ribas Carlino - SP

@paularibascomunica

www.nametadedolivro.blogspot.com 

A Dra. Nise da Silveira e os pets coterapeutas

“Quando se escreve sobre gatos, é vulgar começar pela referência de sua capacidade de exterminar roedores. Entretanto, na sua faixa de possibilidades para estudos mais profundos é de uma complexidade desafiadora”. Assim começa o livro da Dra. Nise da Silveira, sobre os gatos e cachorros coterapeutas. Ao ler o livro “Emoção de lidar”, me dei conta do que significava o trabalho dos animais na construção e na reconstrução da saúde mental. 

Desta forma, dou continuidade na reflexão sobre a importância dos pets na vida e no cotidiano, bem como, os vínculos e as relações que estabelecemos. Lidar com a dor do luto requer cuidados e, por necessidade, escolhi ritualizar e criar a partir dessa experiência dura de atravessar.

Pelos conhecimentos em Arteterapia e pela luz que a Dra. Nise da Silveira nos revelou por meio dos seus trabalhos em prol da saúde mental, em tempos tão nefastos, no Brasil, hoje compreendo que a Tulasi foi uma coterapeuta. 

Era bem mais que um pet, era um ser trabalhando na minha construção e na minha firmeza como terapeuta, pois ela me acompanhou em toda a transição e mudança que eu precisei passar para deixar nascer a Arteterapeuta e Terapeuta em mim. Da jornalista para a Arteterapeuta. Pois, eu já tinha qualidades humanas que apontavam esse lugar, desenvolvidos como jornalista e professora. Mas, também venho de uma família de pessoas que cuidam e cuidaram, apesar dos desafios que implica. Fui educada num ambiente com predisposição para o cuidar. Essa linhagem vem da minha avó Alzira, passa pela minha mãe, Maria José, e pelo meu pai, Carlos Alberto, na qual aqui e agora honro suas vidas, trajetórias, biografias e o fazer amoroso nesse planeta Terra. 

Ritualização para minimizar a dor e o sofrimento 

Conscientemente fui lidando com a dor e ritualizando cada momento significativo. Vale falar que todos os processos aqui mencionados aconteceram de modo natural, sem script, apenas sentindo o coração e deixando a minha intuição guiar, bem como, durante o meu autocuidado no meu tempo de terapia pessoal. Fui me cuidando e me acolhendo em cada momento da fase mais dura que foram os primeiros 30 dias. 

Apresento aqui os rituais que me ajudaram: cantar, rezar no mar, fazer uma mandala, montar um jardim, fazer uma tatuagem e a materializei por meio de um desenho. Todos esses recursos foram mais compreendidos por mim durante a minha formação como Arteterapeuta. Parte dessa cura pessoal aconteceu no meu autocuidado, na qual uso irrestritamente o que aprendi em Arteterapia, bem como, ao ser cuidada por outros terapeutas. Os banhos de ervas, uso de chás, os florais, o reiki, entre outros suportes energéticos também foram utilizados.

Certamente passar por esse momento tão difícil sendo Arteterapeuta fez muita diferença. Ter recursos internos minimizou os impactos e o sofrimento. Pude me apoiar com mais estrutura no meu autocuidado. Cantar, dançar, rezar, desenhar, fazer mandalas, marcar na minha pele essa história tão significativa, aliviou meu sofrimento e trouxe à consciência nossa relação tão auspiciosa.  

Cantar o nome “Tulasi”, de corpo presente 

O som musical tem acesso direto à alma. E aí encontra, porque o homem tem ‘a música em si mesmo’, um eco imediato.” Kandinsky

O nome Tulasi é o significado de uma deusa Hindu, cuja força é o Amor a Krishna. Ela está representada na forma de um manjericão sagrado, na qual Krishna só se alimenta da comida que tinha uma folha de Tulasi. Quando minha parceira sugeriu esse nome achei auspicioso várias vezes ao dia pronunciar e chamar o nome do Amor. 

 “Quem canta seus males espanta” diz o ditado popular, isso funciona. Cantar me ajudou muito, foi a primeira expressão para homenageá-la e aliviar a dor cortante.

Assim que fui avisada da morte dela, pela clínica que ela estava internada, o primeiro desafio foi vê-la sem vida. Fui até a clínica tremendo inteira com medo de enfrentar esse momento: vê-la sem vida! Ver seu corpo inerte. Eu sempre o via com tanta vida e brincalhão. Ela estava numa sala reservada, respirei e entrei.  Nesse momento, fiquei na frente dela, olhei no seu olho e na hora senti que ela não estava mais no corpinho. Comecei a conversar com ela e agradecê-la por tudo e por tanto. Tudo o que vivemos juntas e que eu a amava profundamente.   

Foi então que cantei seu nome por meio de Krishna, o amor da Deusa Tulasi, e também cantei e recitei a oração de São Francisco de Assis, para recebê-la com amor, alívio e paz. Pedi à Luz que a conduzisse em caminhos prósperos e sábios. Peguei suas patinhas, acariciei todo seu corpinho, me lembrei como era bom brincar e beijá-la. Dei o último beijo, fiz um carinho bom e me despedi.  Em seguida, fui para o mar, simbolicamente devolvê-la para a Grande Mãe, que me confiou para cuidar e amar Tulasi.  

Entregar simbolicamente a Tulasi para a Mãe Divina, nossa casa primordial, no Mar 

“Tem mais presença em mim o que me falta” - Manoel de Barros 

 


Devolvendo Tulasi para a Mãe Divina e todo o amor que me foi confiado. Foto: arquivo pessoal

Comprei sete rosas de cor rosa e brancas, pois simbolizavam os sete anos que a Tulasi ficou comigo. Entrei no mar, vestida de branco e rezei para todas as mães agradecendo por terem me confiado esse cuidado e esse amor.  

Apertei as rosas no meu peito, estavam especialmente perfumadas e belas, agradeci no mais profundo em mim e fui beijando até que entreguei a Tulasi para o mar.  Em seguida, em voz alta, entreguei a Tulasi para a Mãe Divina agradeci muito por ter vivido esse amor especial, dizendo: “Obrigada Tulasi, meu amor”. 

 A primeira noite sem a Tulasi


A dor da primeira noite sem ela dormindo comigo foi muito difícil de atravessar, bem como, encarar o primeiro amanhecer sem ela. Quase sempre era ela que me despertava todas as manhãs. Eu a colocava no puff e a deixava tomar sol, todos os dias. Naquela manhã vazia, pela primeira vez sem ela fiz o mesmo movimento de colocar o puff vazio no sol. 

Foi quando o sol me inspirou como nunca e, então, fiz uma mandala especialmente para ela, assim, nasceu a mandala “Meu Sol” (foto ao lado: arquivo pessoal). 

Desenhei o sol para uma noite muito escura que vivi e para que ela sempre tivesse o sol, o calor e o aconchego onde quer que esteja.  

Ressignificar o local do acidente

O local onde aconteceu a passagem dela virou um jardim. Fiz uma mandala com os diversos vasos de flores, muitas plantas e ervas aromáticas. Espalhei flores, óleo essencial, acendo incenso e fiz (faço) orações no local. Foi feito um floral para ela, que também espalhei e ofereci à ela. 

Tatuagem em homenagem à Tulasi 

A tatuagem é uma expressão tão antiga quanto os humanos. Na história os corpos com imagens permanentes foram encontrados há 2.000 anos A.C. No Egito Antigo vestígio nas tumbas, nos Alpes vestígios de corpos intactos encontrados nas geleiras, Polinésia, Japão, Índia, África, Nova Zelândia, entre outros países e culturas fazem da tatuagem uma expressão. Cicatrizes no corpo sugerem rituais religiosos, tratamento medicinal ou registros importantes para preservar devido ao deslocamento dos povos ancestrais. 

A ideia de fazer uma tatuagem veio de um sentimento de querer estar com ela sempre perto de mim. Sempre achei bonito, mas não tinha encontrado um bom motivo para encarar o desafio da primeira tatuagem. E foi muito natural esse movimento em fazer um registro permanente da nossa história de amor, na minha pele. Eu tinha consciência que é uma arte permanente, por isso escolhi um traço delicado e a mensagem em si. A imagem é a Tulasi tocando o meu coração, com as palavras: “Tulasi, Amor” 


(Importante:
vale ressaltar que, com este relato, não há estímulo para fazer tatuagens ou marcar o próprio corpo. Esse processo foi individual e fez muito sentido para a elaboração de um luto pessoal. Aqui não existe um aconselhamento para que se faça o mesmo processo).

 

Tulasi em Arte: desenho da Tulasi 


Esse desenho aconteceu dentro do meu processo terapêutico, no final dos 30 dias lidando com a falta da Tulasi. Fiquei muito feliz em conseguir olhar para dentro de mim, senti-la, apesar da dor e do sofrimento ainda muito latente. Transformei a dor em arte e beleza. Estar com ela novamente foi muito especial, e o texto que veio na hora foi:  Reviver você, Tulasi. Hoje faz 30 dias da sua passagem, consegui te trazer pela criatividade e pelo meu coração, que é onde você mora em mim. Foi tão gostoso te sentir novamente, filinha minha. Te criar, te materializar é te deixar pertinho novamente. Mostrar sua beleza e seu Amor. Não te esqueço Tulasi. Por aqui lido com a falta que você me faz. Te Amo todos os dias, Tulasi. Não te esqueço. Que você sempre receba luz, conforto, paz, amor e que possa sempre brincar, pular, comer, dormir como você sempre gostava de fazer. Você sempre foi carinhosa e companheira. Te amo, filha amada”.

 

Conclusão



Compartilhar essa experiência é bem gratificante, bem como, poder dividir o quanto a Arteterapia e muitos Arteterapeutas me ajudaram a atravessar essa dor e esse sofrimento. Validar o luto pet como a passagem dos ciclos da vida, me faz ter certeza que não estávamos vivendo em vão. Há um mundo de emoções e curas que podem e devem acontecer na história de cada pessoa. Cabe a quem vive dar esse passo, fazer o seu trabalho e trazer o relato, pois há caminhos para que a dor e o “luto não reconhecido” encontre o seu lugar, o seu amparo e a sua cura.

Como Arteterapeuta, fica claro que os vínculos e o amor não têm jeito certo ou jeito errado de serem vivenciados. O que existe é o respeito às experiências que vivemos, para assim, nos humanizar cada vez mais nas nossas relações afetivas, de modo saudável. O amor dos nossos pets é tão puro que há muito o que aprender com eles. Um amor tão especial que vale a pena estar com eles durante a vida e na sua passagem também. Com gratidão, dignidade e amor digo: “Eu Te Amo para sempre, Tulasi, filhinha amada. Para sempre!

 

Bibliografia

Livro

BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Ed. Saraiva. 1996.

CASELLATO, Gabriela. Os lutos de uma pandemia. In: ______. (org.). Luto por perdas não legitimadas na atualidade. São Paulo. Ed. Record, 2015, pág. 10.

 MILLIE, Jacobs. Livro eBook. Portugal. Ed: ASA, 2022, pág. 9

PHILIPPINI, Ângela. Para Entender ArteTerapia: Cartografias da Coragem. 4. ed. - Rio de. Janeiro: Wak, 2008, pa. 17

SILVEIRA, Nise. Gato, emoção de lidar. Rio de Janeiro. Leo Christiano Editorial. 1998, pag. 30

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Sobre a autora: Paula Ribas Carlino



 Formação: Arteterapeuta e Jornalista

Área de Atuação: Arteterapeuta especializada em comunicação e expressão, seja na produção de texto, conteúdo em rede social, vídeo, criação de site ou livro autoral/biográfico/autobiográfico. Atua também em trabalho direcionado para mulheres, especializada no estudo do livro: “Mulheres que correm com lobos”, da autora Clarissa Pinkola Estes, entre outros estudos do feminino. Tem a literatura, os livros, as histórias, os contos de fadas e a mitologia como aliados no processo de autoconhecimento e expansão de consciência.



segunda-feira, 10 de julho de 2023

ARTETERAPIA E LUTO DE PET: UM RELATO DA ELABORAÇÃO SIMBÓLICA DA DOR PELA MORTE DE PET – PARTE 1

  


Por Paula Ribas Carlino - SP

@paularibascomunica

www.nametadedolivro.blogspot.com 

 

“A natureza é um continuum e,

muito provavelmente, a nossa psique também o é”

Carl Jung - vol. 18

 

“Gato simplesmente angorá do mato

azul olhos nariz cinza

gato marrom

orelha castanho macho

agora rapidez

Emoção de Lidar”

 

Luiz Carlos - cliente da Dra. Nise da Silveira, cuja última frase de seu poema frase dá nome ao livro “Emoção de Lidar”, escrito pela Dra. Nise, na qual aborda sobre os animais de estimação como coterapeutas e a relação dos animais domésticos com os seres humanos.   

 

Introdução

A dor da perda de quem se ama nem sempre pode ser expressa por palavras, especialmente quando a perda é um bichinho de estimação (pet), na qual a relação não era efetivamente pela palavra, e sim, por múltiplos modos de comunicação, troca, cuidado, carinho e afeto. 

Aqui refiro-me aos pets qualquer que seja o animal de convívio doméstico e diário, pode ser um cachorro, um gato, uma ave, um porquinho da índia, uma iguana, um coelho, um hamster, enfim, qualquer animalzinho da qual haja cuidados e amor.  

Este artigo pretende compartilhar a elaboração sobre a dor a partir da experiência de vínculos de afetos significativos com pet, da qual extrapola relações consanguíneas como o único modelo para sentir dor e passar por um processo de luto.  A experiência do luto vai além do que se é possível compreender, pois não há um modelo único de como passar pela experiência da morte, seja física ou simbólica. Esse artigo, dividido em duas partes, pretende compartilhar a elaboração e a ritualização física e simbólica dos primeiros 30 dias do processo de luto de pet, por meio da Arteterapia.  

O Tabu do Luto Pet 

Se a morte e o luto ainda são considerados temas tabus, difíceis de lidar de modo coletivo e individual, o luto de pet é ainda mais estigmatizado na atual sociedade brasileira. Há pouca compreensão sobre a dor da morte de um bichinho de estimação, pois algumas pessoas passam por essa experiência de modo mais leve e outras pessoas vivem essa experiência de modo agudo e às vezes de modo crônico. 

Quase sempre há comparação da dor da morte de um pet com a dor da morte de uma pessoa. São experiências distintas e não comparáveis, do ponto de vista das emoções, pois essa relação e, consequentemente, essa dor da perda, está ligado ao vínculo de afeto e cuidados estabelecidos entre tutores e pets. A dor não está associada às ligações consanguíneas, e sim de afeto, presença, cuidados e troca.  Haja vista que o processo de luto é algo pessoal, subjetivo, com reverberações e impactos distintos, em tempos diferenciados para cada pessoa. Assim, como o amor, cada qual sente e expressa à sua maneira.

No entanto, processos de luto estão além da morte meramente física, reverberam de modo único e, até mesmo, inesperado, em cada pessoa. Vide a experiência na clínica psiquiátrica da Dra. Nise da Silveira, na cidade do Rio de Janeiro, na qual ela utilizava cães e gatos, como coterapeutas, para auxiliar os internados na reconstrução em experienciar relações de amor e de amizade. Esse vínculo deu novo sentido de vida para muitos internos, especialmente, expresso pela arte.

Na área da psicologia é possível mapear os lutos materiais e os simbólicos, como processo de desligamento ou finitude de uma relação (de qualquer ordem). A psicóloga Dra. Gabriela Casellato, especialista em processos de luto e autora de livros no tema, aborda sobre os “lutos não reconhecidos" e define como: “lutos vividos de maneira silenciosa, nem sempre compreendidos". Na introdução do livro ela já faz o recorte sobre o lugar que essa dor tem: 

Este livro é um convite a refletir sobre a nossa impermanência, as mudanças da vida e os lutos necessários aos ajustamentos das transições normativas ou não, concretas ou simbólicas, experimentadas ao longo de nossa existência. Em especial, aborda como as perdas silenciosas e não validadas são enfrentadas por tantas pessoas diariamente. (CASELLATO, 2015)

Há muitas dores e vivências de modo solitário e, frequentemente não validado e a dor do luto de pet ainda está neste lugar.  É um desafio lidar com a ausência e viver essa dor de modo silencioso. Como encarar a não compreensão e a legitimação do luto pet com a delicadeza e a subjetividade com a qual se apresenta para cada pessoa?

A dor de perder um animal não é um tipo diferente de dor - dor é dor! Por isso, quer perca uma pessoa, uma casa, uma segurança financeira, um emprego, uma relação ou o seu querido animal, está a lidar com as mesmas emoções e tem de processar a perda para poder seguir em frente de forma saudável.  (MILLIE, 2022)

O trecho acima é do livro “O luto por um animal de estimação”, que aborda diretamente este tema. É sabido que na vida não é possível viver sem dor, sem a perda. Pois renunciar a isso significa também renunciar ao amor.  Não amar, escolher não se vincular a um pet parece mais vazio que viver a dor do luto da morte dele. Viver sem amar, definitivamente, não vale a pena. Mas, vale o diálogo e a produção de trocar ideias para minimizar os sofrimentos desta experiência desafiadora. 

A Dra. Gabriela Casellato toca num ponto que intitula como “lutos não reconhecidos” e nos provoca ao afirmar sobre a “crise empática", ela diz:

O problema social não é nem nunca será a morte e o luto, pois estes não apenas organizam e dão contorno à existência como também favorecem o sentido da vida. O desafio é a crise empática que nos aprisiona num universo de identidades verticais num mundo que se transforma constante e rapidamente. Não apenas somos. Estamos. E, diante do inexorável processo de ajustamento à vida, transformamos e somos transformados. (CASELLATO, 2015)

O desafio da crise empática é reconhecer essa dor, essa perda por um animal de estimação como legítima, sem comparações e sem justificativas de validação. Junto com isso existe o trabalho pessoal de transformar essa dor. O que está por trás da dor do luto de pet? Quais sentimentos, carências, fissuras podem ser encontradas? O que essa dor faz emergir, o que permite vir à tona?  Subjacentes aos enfrentamentos se faz necessário cuidar do que essa dor foi capaz de fazer emergir, que até então não estava revelado para a pessoa. Essas questões oportunizam processos de autoconhecimento muito profundos. 

Nos dias de hoje, existem alguns manejos e abordagens que apoiam a dor do luto de pet sem julgamentos, comparações ou até mesmo preconceitos. E, certamente, a Arteterapia tem sido uma aliada nesse cuidado psíquico e emocional, posto que uma das práticas usadas em ateliê terapêutico é o manejo dos 4 elementos da natureza, (entre outras abordagens) que ajuda a olhar a natureza como algo inerente à vida humana. Essa sensibilização quanto a natureza se estende à relação com os animais de estimação e a natureza como um todo. 

A Arteterapia tem condições de dar o suporte necessário para essa questão tão humana, posto que os animais de estimação estão em muitos lares, contribuindo com o conforto emocional de muitos adultos, crianças e idosos. A Arteterapia colabora atuando de modo profundo, leve e criativo dando espaço às expressões e as emoções que precisam fluir e reacomodar-se de modo mais saudável para integrá-las. 

Ritualizar para a elaborar a dor da perda, a dor do luto

A Arteterapia no acolhimento tende a facilitar a abertura de um espaço de expressão e visualização da dor e do sofrimento. A Arteterapia oportuniza materializar, ver fora, o que incomoda dentro. Isso ajuda na compreensão e elaboração de qualquer desconforto, bem como, na dor. E, no luto, não seria diferente, pelos materiais manipulados de modo intuitivo, por quem executa, o sentido aparece por meio dos símbolos, formas e cores.  A produção com arte oferece um modo de atuar diretamente naquilo que não pode ser tocado, mas pela arte esse processo é possível: 

 

Em Arteterapia, os “sinais” são registrados através da produção simbólica, pela cor, formas, movimento, ocupação no suporte e padrões expressivos gerais. Ao apreender gradualmente o significado destas configurações, é possível permitir, que pouco a pouco, conflitos sejam elaborados e conteúdos até então desconhecidos possam acessar a consciência.  (PHILIPPINI, 2008)

Nessa caminhada existe uma jornada a ser feita que consiste em reaprender a ter uma rotina sem o pet, conviver com ausência e, assim, acomodar a dor e construir (ou encontrar) um novo sentido à própria vida.  Ritualizar para continuar e, novamente, encontrar o fio da meada que dá sentido à vida sem esse importante vínculo de amor:

“A maior sombra humana é pensar sobre a morte, isso desde sempre. Por muito tempo, achavam que o único bicho que sabia que iria morrer era o humano. E por um bom tempo se pensou que era o único que ritualizava a morte. Considerado um marco fundador para diferenciar os bichos dos humanos pensantes.   E hoje se sabe que os animais também ritualizam seus mortos, por exemplo, os elefantes, ou seja, eles entendem o que aconteceu e sentem o pesar e se despedem do jeito deles.”   Jaime Vaz Brasil, poeta e psiquiatra *

Ritualizar é celebrar a vida daquele ser que esteve conosco. É considerar e honrar a sua existência, é amor em forma de gratidão.

Minha Experiência com a Tulasi, a gatinha coterapeuta

Neste momento início o compartilhamento com vocês sobre os caminhos que encontrei para lidar com a morte da Tulasi, a gatinha que ficou comigo por 7 anos (de 2016 a 2023). Eu já tive outros pets, desde a infância, mas uma gatinha foi a primeira vez e da maneira como aconteceu meu encontro com a Tulasi foi muito especial.  Nenhum outro me marcou tanto como ela marcou minha vida.

A Tulasi chegou dentro de um relacionamento afetivo, que durou 14 anos. Ela foi fruto de uma história pessoal, da qual encontrei espaço para realizar um desejo da minha adolescência.  Quando eu tinha uns 14, 15 anos achei um filhote de gatinho na rua, muito pequenininho, sozinho, pelinho preto com cinza. Fiquei muito apaixonada por ele e o levei para casa. Meus pais trabalhavam fora o dia todo, então fiquei sozinha com o gatinho o dia inteiro. Brinquei com ele, dei leite, foi uma diversão o dia todo. Quando minha mãe viu não me deixou ficar com ele. Devolvi onde tinha encontrado, mas fiquei com esse desejo de viver com o gatinho. Isso ficou marcado em mim.

Depois de 25 anos esse momento voltou e eu pude realizar em viver essa relação e esse amor. Uma amiga conhecia uma pessoa cuja gatinha estava prenha. Pedi se eu poderia ficar com um filhote. E, assim, a Tulasi entrou na minha vida.

Acompanhei a gestação da Afrodite, mãe da Tulasi, fazia visitas, levava mantimento e ficava já por perto. Assim, fui construindo sua chegada e montei o enxoval.


A Tulasi me escolheu
, pois ao olhar para os filhotes que eu queria, já estavam comprometidos com outros tutores.

Meu critério de escolha era pela aparência, eu tinha uma idealização de como seria a minha gatinha. Essa foi a primeira lição que a Tulasi me proporcionou. Eu queria amar e cuidar e a Tulasi também queria. Foi quando a tutora da Afrodite me mostrou um filhotinho e era a Tulasi. Sempre que eu a visitá-la estava dormindo. Eu a pegava e já falava com ela, pois cabia na palma da minha mão, eu dizia que a amava. E assim foram por 3 meses. Quando ela desmamou eu a levei para casa.  E, assim, começou a minha grande oportunidade de amar e me deixar ser amada. Aqui começa a realização do meu desejo da adolescência, finalmente, tinha chegado o Amor Incondicional na minha vida, em forma de Tulasi com todos os significados. 



                    
A primeira noite da Tulasi em casa.  Foto: arquivo pessoal

 

No próximo texto continuo a reflexão sobre o luto pet a partir da contribuição da Dra. Nise da Silveira, na qual retrata os animais como coterapeutas. E compartilho a minha jornada em processos terapêuticos, por meio da Arteterapia, para ritualizar e lidar com a dor do luto.

 

* PodCast

Podcast Manual do Luto: 4º episódio - Podcast Manual do Luto. Entrevistado: psiquiatra e poeta Jaime Vaz Brasil. Entrevistador: Fabrício Carpinejar, escritor e poeta. 

 

Bibliografia

BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Ed. Saraiva. 1996.

CASELLATO, Gabriela. Os lutos de uma pandemia. In: ______. (org.). Luto por perdas não legitimadas na atualidade. São Paulo. Ed. Record, 2015, pág. 10.

 MILLIE, Jacobs. Livro eBook. Portugal. Ed: ASA, 2022, pág. 9

PHILIPPINI, Ângela. Para Entender ArteTerapia: Cartografias da Coragem. 4. ed. - Rio de. Janeiro: Wak, 2008, pa. 17

SILVEIRA, Nise. Gato, emoção de lidar. Rio de Janeiro. Leo Christiano Editorial. 1998, pag. 30

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Sobre a autora: Paula Ribas Carlino

 


Formação: Arteterapeuta e Jornalista

Área de Atuação: Arteterapeuta especializada em comunicação e expressão, seja na produção de texto, conteúdo em rede social, vídeo, criação de site ou livro autoral/biográfico/autobiográfico. Atua também em trabalho direcionado para mulheres, especializada no estudo do livro: “Mulheres que correm com lobos”, da autora Clarissa Pinkola Estes, entre outros estudos do feminino. Tem a literatura, os livros, as histórias, os contos de fadas e a mitologia como aliados no processo de autoconhecimento e expansão de consciência.


segunda-feira, 3 de julho de 2023

O PROCESSO CRIATIVO DO ORIGAMI EM ARTETERAPIA E A COLETA DE DADOS



Por Isabel Pires - RJ

bel.antigin@gmail.com 

            Em meus textos anteriores mais recentes aqui no blog, venho falando sobre o uso do origami nas práticas da Arteterapia. Entre as várias características desta técnica, expus a questão da praticidade e acessibilidade do papel, o trabalho com a atenção plena, a coordenação motora, a disciplina, os limites, entre vários outros aspectos. Como fundamento da utilização da arte de dobrar, abordei a amplificação simbólica e a metáfora. E mencionei a importância do processo criativo no setting arteterapêutico e a coleta de dados, temas do meu texto de hoje.

            Em qualquer processo terapêutico, a observação atenta do cliente/paciente por parte do terapeuta é fundamental. Desde o primeiro encontro, tudo o que se nota sobre o cliente/paciente, desde a sua vestimenta até a forma como nos cumprimenta, por exemplo, serão dados relevantes que nos contarão sobre ele e farão parte da coleta de dados. Em Arteterapia, essa observação se ampliará e irá contar com o processo de criação da imagem. No processo de criar, o cliente/paciente espelha a sua psique naquilo que produz. Além disso, sua expressão corporal, à qual também devemos atentar, demonstra igualmente sua forma de atuar na vida. Aqui, cabe reforçar o quanto o papel do arteterapeuta neste momento é fundamental, pois a observação acurada do cliente/paciente contará sobretudo com a experiência, a sensibilidade e a capacidade do profissional de Arteterapia. Neste sentido, o arteterapeuta não apenas conduz o processo criativo, mas sobretudo o acompanha, buscando compreender, a todo instante, a forma como seu cliente/paciente se expressa. Assim, segundo Pires (2020): “Por intermédio da sua escuta sensível e de seu olhar atento, o arteterapeuta capacitado convida o indivíduo a explorar suas criações artísticas para a conscientização de conteúdos até então desconhecidos, que podem, assim, ser elaborados, integrados e trabalhados com autonomia pelo próprio paciente”.

            Para exemplificar, cito o caso de um atendimento individual, no qual convidei uma paciente a criar uma gaveta de origami. Escolhi um modelo com puxador (ver imagem abaixo). Há tempos eu sentia que essa paciente guardava algo de mim, até que, finalmente, a metáfora da gaveta apareceu em sua fala e pude propor a criação da dobradura da gaveta com puxador. Então, não foi de grande surpresa para mim, quando, mesmo com o modelo proposto, ela simplesmente resolveu não fazer o puxador (dobrou-o para dentro). E isso abriu espaço para que eu pudesse pontuar para ela o quanto eu a sentia resistente na terapia. Pouco tempo depois, ela acabou contando algo relevante de sua história de vida, que estava “guardado” no fundo de sua gaveta psíquica.

        


            Segundo Moraes (data), o agir criativo representa uma forma de o paciente vivenciar-se no fazer. E é nesse vivenciar que ele poderá se reinventar, descobrir-se de novas formas, desenvolver sua capacidade criativa e sua autoestima. Na maneira como se expressa na imagem, podemos percebê-lo nas linhas, formas, cores, ritmo e linguagem corporal. Cabe ao arteterapeuta saber observar a imagem produzida de variadas maneiras, em diversos ângulos, sob diferentes níveis, para compreensão do momento do cliente/paciente. A intuição do arteterapeuta, sua experiência clínica, a avaliação objetiva e subjetiva das formas presentes na imagem e o próprio sentido que o cliente/paciente dá às suas produções artísticas nos fornecerão dados indispensáveis sobre o funcionamento do mundo interior do indivíduo e de suas dinâmicas inconscientes. Esse momento de coleta de dados através da imagem e, também, do processo criativo de produção dessa imagem representa uma especificidade da Arteterapia, que dá ao arteterapeuta uma ferramenta a mais na compreensão da psique de seu cliente/paciente.

            No uso do origami, durante o processo criativo, podemos observar muitas características dos nossos clientes/pacientes. Por exemplo, no caso da paciente citada acima (a das gavetas sem puxador), enquanto fazia a dobradura, notei que parecia irritada e impaciente. Mesmo assim, ela fez tudo até o fim sem reclamar, uma característica própria sua. Quando acabou de fazer o origami, pude sinalizar para ela essa minha observação, o que lhe permitiu falar sobre sua irritação, o que normalmente não consegue fazer no seu dia a dia. Eu havia escolhido o origami exatamente por saber que uma pessoa ansiosa como ela provavelmente se irritaria com as etapas lentas do processo de produção da dobradura.

            Resumindo o que foi dito até aqui: a coleta de dados é feita durante o processo criativo, o qual se constitui em ferramenta útil e fundamental para o arteterapeuta, para ampliar o entendimento da dinâmica psíquica do cliente/paciente. Assim, muitas vezes mais importante até do que a imagem criada, o processo de criação revela a forma como o cliente/paciente interage com o ambiente e projeta conteúdos inconscientes na sua expressão artística. E todo esse processo será acompanhado pelo arteterapeuta, o que demonstra o papel fundamental desse profissional no setting arteterapêutico. Daí decorre a necessidade de capacitação do arteterapeuta, para que possa entender as mensagens implícitas na conduta e na criação artística do indivíduo que busca a sua ajuda.

            Com a clara compreensão do valor do processo criativo e da coleta de dados, podemos agora refletir sobre esses temas no uso do origami em Arteterapia. Conforme exemplifiquei acima, pode-se observar, na maneira como o indivíduo reage à arte da dobradura de papel, se ele é ansioso ou não, como reage aos limites (linhas/dobraduras) e ao desafio de algo aparentemente complexo e desconhecido (na verdade, a dobradura de papel não é totalmente desconhecida, pois faz parte da infância, com modelos mais simples como o barquinho de papel e o chapéu de soldado). É possível notar, ao longo do processo, como está sua capacidade de controle dos movimentos e de concentração, seu nível de paciência/impaciência com as etapas da dobradura e sua reação face aos passos mais difíceis ou complexos.  Com que firmeza marca os vincos? (qual a sua firmeza na vida, como deixa a sua marca naquilo que faz?) É caprichoso ou desleixado? Desiste na primeira dificuldade ou insiste e vai até o fim? Como reage à sua conquista? Consegue entrar em contato com a sua criança interior e sua ludicidade? É algo que lhe ativa prazer ou desprazer? Como está a sua noção de equilíbrio e organização espacial?

            Um último exemplo que darei hoje sobre a coleta de dados com o origami refere-se a um caso pessoal. Na primeira vez que fiz a dobradura da casa 3D, a parede à minha direita ficou meio torta, caída. Imediatamente, isso me remeteu à minha escoliose, que me faz pender para a direita. E me lembrei do quanto a metáfora da casa em Psicologia nos remete ao corpo, além contribuir para  análise da personalidade do sujeito, que também podemos aplicar na casa montada pelo nosso cliente/paciente em origami.

            Conforme explico em textos anteriores, o uso do origami no setting arteterapêutico tem feito parte da minha prática clínica de forma experimental. Percebo na técnica da dobradura de papel muitas possibilidades e propriedades favoráveis à coleta de dados no processo criativo. Tenho escolhido dobraduras mais simples num primeiro contato do cliente/paciente, que podem passar a outras um pouco mais complexas, ao longo do processo. Quando isso é possível, vejo que há uma evolução no uso da técnica, da mesma forma que a prática do bordado ou do crochê vai facilitando seu uso. Na amplificação simbólica, conforme explica Philippini (2013, p. 21), para “aumentar a possibilidade de compreensão do significado de um símbolo”, pode-se trabalhar com uma multiplicidade de modalidades expressivas ou no aprofundamento de uma só modalidade. Se optarmos por este último caso, o uso aprofundado do origami permitirá, por exemplo, maior facilidade de lidar com as etapas e as dobras e facilitará um maior desenvolvimento da coordenação motora, da concentração e da atenção plena. Isso é particularmente verdadeiro em grupos arteterapêuticos que possam focar no origami. E, neste caso, o uso do origami modular (técnica que utiliza várias dobraduras, em cores iguais ou diferentes, que se encaixam umas nas outras, formando uma outra figura) me parece particularmente interessante. Estou começando, na clínica individual, experiências com o origami modular e, mais à frente, pretendo falar desse processo em novo texto, que compartilharei aqui com vocês.

           

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

PIRES, I. Particularidades da Arteterapia. Não-palavrablogspot, 2020. Disponível em: https://nao-palavra.blogspot.com/search?q=particularidades+da+arteterapia. Acesso em: 26/06/23.

MORAES, E. A arte como instrumento em grupos terapêuticos. Não-palavrablogspot, 2016. Disponível em: https://nao-palavra.blogspot.com/search?q=agir+criativo. Acesso em: 26/06/23.

PHILIPPINI, A. Para entender a Arteterapia: Cartografias da Coragem. 5ª edição. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

 

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Sobre a autora: Isabel Pires




·         ARTETERAPEUTA

·         PSICÓLOGA CLÍNICA

·         ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA JUNGUIANA

·         PROFESSORA DE INGLÊS E FRANCÊS

·         FORMADA EM ANTIGINÁSTICA ®THÉRÈSE BERTHERAT

·         FORMADA EM JORNALISMO

 

ATENDIMENTOS INDIVIDUAIS E EM GRUPO (ONLINE/PRESENCIAL)


E-MAIL: BEL.ANTIGIN@GMAIL.COM

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