segunda-feira, 31 de julho de 2023

REFLEXÕES SOBRE OS PRIMEIROS PASSOS DA PRÁTICA ARTETERAPÊUTICA

 


Por Eliana Moraes – MG

naopalavra@gmail.com

@naopalavra

 

O Não Palavra Arteterapia tem-se consolidado como um espaço de formação continuada ao arteterapeuta, um território sustentado para que este profissional se desenvolva nos mais variados aspectos que compõem esse ofício. 

Entretanto, desde 2021, tenho atuado pelo Instituto FACES-SP, em um momento anterior na construção do arteterapeuta. Em parceria com Mariana Farcetta, temos orientado os alunos da pós graduação em Arteterapia na fase do estágio supervisionado e em seguida na produção de um artigo científico a partir dessa prática. 

No texto de hoje compartilho com a rede Não Palavra algumas reflexões que fui construindo nesse delicioso desafio que é acompanhar arteterapeutas em formação em seus primeiros passos de atuação. Essa reflexão pode inspirar outros estudantes em seus primeiros passos, mas também arteterapeutas recém formados, que também compõe nossa rede, para embasar seu início de jornada profissional. 

O início de uma nova caminhada 

O curso de formação em Arteterapia é basicamente teórico-vivencial. Em geral, as aulas se dividem em um momento de estudo teórico, mas deste decorre uma profunda experiência arteterapêutica pessoal. Não é raro ouvirmos o quão mobilizador foi para o aluno de Arteteapia a vivência desta em sua biografia. Essa é uma experiência extremamente importante para a construção do “arteterapeuta de alma”, porém, no momento do estágio faz-se necessária uma pequena mudança no “registro vivencial”. Este é um tempo de viver na prática a aplicação do que vivenciamos e aprendemos ao longo do curso. É tempo de um deslocamento de parte da energia psíquica investida em si, para ser investida no outro e seu processo de individuação. Uma mudança no olhar, uma mudança de lugar. 

Para o início do estágio, é necessária a compreensão de que a Arteterapia é um procedimento terapêutico riquíssimo em modalidades. O estágio se dá como a primeira oportunidade de colocar em prática os conteúdos estudados no curso. Percebo aqui, alguma ansiedade nos alunos no momento de fazer escolhas e delinear a proposta do seu estágio. Entretanto, é importante manter em mente que o arteterapeuta poderá se experimentar em outras modalidades após a conclusão do curso: este é apenas o primeiro passo da jornada. As modalidades arteterapêuticas disponibilizadas no período do estágio dependem da orientação específica do curso de formação. Será um atendimento individual ou grupal? Presencial ou online? Atenderá qual público? 

Quanto à este, observados uma grande variedade de possibilidades: crianças, adolescentes, adultos, 3ª idade, mulheres, grupo LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, mães, cuidadores, pessoas em situação de rua, professores, profissionais de saúde,  Instituições de Longa Permanência, ONGs, grupos vulneráveis, grupos religiosos, etc... De fato, essa é uma decisão importante: qual público mais instiga o aluno para esta primeira oportunidade de prática? Em geral, minha sugestão é que ele escolha um público que fuja de sua zona de conforto (por exemplo algo que ele já conheça por atuação profissional anterior) e seja desafiador, para que se aproveite a oportunidade do suporte da supervisão e troca do grupo de colegas de curso na experimentação dessa nova prática. Porém, ponto essencial é que se respeite os limites do terapeuta em formação. Cabe ao supervisor orientar aos alunos para observar os potenciais de contratransferência nessas escolhas iniciais, encaminhando-os para que observem seus limites e não escolham um público que possa afetá-los em suas questões pessoais. É sempre bom lembrar que para o período do estágio – e ao longo da vida do terapeuta – há uma condição essencial para sua sustentação: a manutenção da terapia pessoal. 

Escolhido o público alvo, a orientação é que o aluno mergulhe em uma pesquisa sobre este recorte. As bibliografias já disponíveis em livros e textos, o resgate das aulas teóricas  do curso de formação, são um bom pontapé inicial. Entretanto, (já encaminhando o estudo para a produção futura de um artigo científico) Mariana e eu também estimulamos que os alunos busquem embasamentos atualizados em artigos científicos em bases de dados, com destaque para as revistas científicas em Arteterapia que já possuímos: “Cores da Vida” da Associação Brasil Central de Arteterapia e “Revista de Arteterapia da AATESP”. Diante da vastidão de conteúdos possíveis a serem estudados pelo arteterapeuta, o que muitas vezes assusta os alunos, tenho utilizado uma expressão criada por uma de minhas alunas: em Arteterapia nosso estudo é “sob demanda”, ou seja, buscamos aprofundamentos teóricos a partir do que nossa prática nos pede. E assim seguimos, um passo de cada vez. 

Outra orientação interessante é que o aluno revisite as técnicas expressivas experimentadas durante o curso e outras vivências, e selecione aquelas que se encaixam com sua proposta de atuação mas também que se afine com seu estilo pessoal. Esse é um momento tão belo quanto importante, quando o arteterapeuta em formação começa a desenvolver seu estilo de práticas, manejos e repertório próprios. É interessante abrir espaço para a construção de uma nova e singular identidade profissional. 

Dos cursos de formação que tenho conhecimento, percebo que na maioria dos estágios orienta-se que a prática seja feita na modalidade grupal, o que considero interessante, pois com a sessão semiestruturada (quando o terapeuta elege a estrutura inicial da sessão) colabora-se para que haja mais tempo de preparo das práticas arteterapêuticas; o que se difere do atendimento individual que nos pede uma sessão aberta (quando o terapeuta ouve a demanda do seu paciente e naquele momento constrói a intervenção arteterapêutica), que demanda o desenvolvimento de uma destreza de escuta e manejo no momento da sessão. 

Outra proposta que observo ser mais comum aos cursos é a orientação para que o estágio seja feito em dupla, o que ao meu olhar e escuta de tantos alunos e arteterapeutas recém formados, possui grandes potenciais, em luz e sombra. 

A dupla de arteterapeutas 

Inicialmente, o atendimento em dupla é interessante para que se amplie as possibilidades de escuta, observações e percepções além de dividir um fluxo de energia psíquica do fenômeno grupal. 

Porém, essa configuração também instiga um grande desafio: uma dupla produz uma relação, um grupo, com suas dinâmicas e fenômenos. Não é raro ouvirmos relatos de duplas de estágio que não se afinaram, não se integraram, que viveram conflitos e angústias na sustentação do estágio. E aqui não se trata de identificar “quem está certo e quem está errado”, mas sim a constatação de que existem pessoas diferentes, com estilos, bagagens, referências, funcionamentos, diferentes. Nessa perspectiva, a condição fundamental para a manutenção desse trabalho é manter um diálogo continuado e persistente (ainda que eventualmente mediado pela supervisão). Todas essas diferenças podem ser ouvidas e acolhidas como complementaridade, não oposições. É possível integrar visões diferentes e experimentar possibilidades nesse período de construção do estilo do terapeuta. 

Fechamento 

Nesse texto compartilho a primeira parte de minhas reflexões na orientação de arteterapeutas em formação em seus primeiros passos na prática. Acredito que esse seja um momento muito importante na construção de uma nova identidade profissional, uma nova persona, uma nova maneira de atuar. Todo o estudo e embasamento teórico é essencial para que essa base seja bem formada. Por um outro lado, na construção de um bom terapeuta, sempre precisamos lembrar que nosso ofício se baseia em outro alicerce. Nas palavras de Von Franz:

 

Embora esse problema diga principalmente respeito ao treinamento intelectual e ao conhecimento do futuro analista, não devemos nos esquecer do sentimento, ou seja do coração. Por mais inteligente que um analista insensível possa ser, nunca vi nenhuma pessoa desse tipo curar ninguém! E o “coração” não pode ser instilado. A pessoa que não o possui, na minha opinião, é a menos adequada para essa profissão. (VON FRANZ, 2021, p 325-326) 

Em síntese, como orientadora e supervisora de arteterapeutas  conscientes, responsáveis e éticos,  sempre esclareço a importância de um comprometimento com o estudo, durante a formação e ao longo de toda atuação profissional. Porém, sempre ecoando as palavras tão conhecidas quanto potentes de nosso mestre Jung: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana.” Ou seja, o saber teórico nos embasa para uma prática do sentir e do intuir, que visa o encontro de almas e a formação de um vínculo curativo.

Referência Bibliográfica:

 VON FRANZ, Marie-Louise. Psicoterapia. 2021

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga

Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Cursando MBA em Logoterapia e Desenvolvimento Humano
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Faz parte do corpo docente de pós-graduações em Arteterapia: Instituto FACES - SP, CEFAS - Campinas, INSTED - Mato Grosso do Sul. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia online, sediada em Belo Horizonte, MG. 

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra"

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