segunda-feira, 26 de julho de 2021

SELF-BOOK – livro de si mesmo


Por Vera de Freitas - RJ

verafguimaraes@gmail.com

            Desde sempre carrego na bolsa cadernos de anotações, de desenhos ou ideias. Tenho muitos, de tamanhos e formas diferentes, todos com a mesma função, para uma rápida anotação. O pensar, ver ou lembrar e poder registrar. São cadernos que falam de mim.

            A Arteterapia me apresenta livros e cadernos como objetos terapêuticos, objetos de grande valor e importância no processo de autodescoberta e autoconhecimento com acompanhamento do terapeuta, são os self-books ou livros de si mesmo, livros artesanais, feitos à mão, que registram memórias, projetos, ideias, afetos e histórias.

            São únicos e singulares. E são também espaços de expressão, onde se tem registros e guardados importantes. Cotam sobre processos, experiências e histórias de vida.

            Pelo grande valor afetivo, e longa experimentação, usei como tema de trabalho final da Pós Graduação de Envelhecimento Ativo, Subjetividade e Arte, considerando este, um objeto terapêutico no sentido de possibilitar a recuperação de memórias, o resgate e registro de histórias, a documentação de afetos e a criação de biografias. Sendo importantes e espontâneos registros, que ajudam no fortalecimento da identidade, no exercício da autonomia e na reavaliação e valorização dessas histórias.

            Sua construção é como seguir um caminho, a jornada da alma, onde se ouve o coração e onde se encontra a intuição, a essência e a criatividade.

            Em cada página um espaço para criação, um processo, uma descoberta e um encontro.

Relato de caso



            Foi experimentando, estudando e criando que consegui formatar e realizar  oficinas virtuais, neste momento de pandemia (2021) em parceria com o Espaço Crisântemo de São Paulo e um grupo de arteterapeutas ou estudantes bastante interessado, com a possibilidade de produzir  livros de registros, self-books. 

            Na verdade, foram duas oficinas para esta construção. Na primeira, com cerca de 40  participantes, tive a oportunidade de mostrar minhas produções, ou seja variadas formas de registros, sobre temas também variados e onde criamos dois modelos diferentes de livros. Um feito de dobradura e outro com costura.

            Na segunda oficina, com 16 participantes,  montamos o self-book  a partir de atividades e estímulos para cada página do livro. Foram usadas, como linguagens plásticas, o desenho, a pintura, a colagem e a escrita. Podendo ser utilizada toda e qualquer linguagem plástica criativa desejada, incluindo a técnica mista, quando se usa  mais de uma linguagem plástica para a criação de uma página.

            Tentamos assim, um encontro com a sua essência e a sua criatividade.

            Todos os participantes de fato montaram seus livros, ou construíram seus self-books. Houve relato de terem seguido criando suas páginas a partir do estímulo e dos exemplos apresentados na primeira oficina. Juntando a vontade e a atitude de fazer. Fizeram importantes e lindas páginas. Páginas de um livro que fala de si. Páginas que são partes de cada um.

            Foram dois encontros muito interessantes. Onde olhamos para dentro,  percebemos e expressamos nossa arte e conseguimos nos encontrar.  

            Tento com este trabalho afetar com o que me afeta. Registro e faço arte com a minha história.

            Aproveito para deixar um convite: na próxima quarta-feira as 19:30 estarei com a Eliana Moraes em uma live pelo @naopalavra desenvolvendo de forma mais ampla este tema tão instigante!



______________________________________________________________________________

Sobre a autora: Vera de Freitas 



Advogada, Fomação e Pós Graduação em Arteterapia (POMAR)

Cursando Pós Graduação Envelhecimento Ativo (POMAR)

Administradora do Instituto VENHA CONOSCO - Tijuca, RJ

Professora de Iniciação Artística - Instituto ZECA PAGODINHO

Facilitadora de Grupo de Arteterapia  para adultos, atendimento individual e Grupo de Desenho Livre.

Ateliê  de PAPEL MACHÊ

segunda-feira, 19 de julho de 2021

DO CUBISMO À ARTETERAPIA: O CUBISMO SINTÉTICO

 


"Nature Morte sur une Table" Braque

Por Eliana Moraes – MG

naopalavra@gmail.com

Este texto é a continuidade da série iniciada há algumas semanas, com o intuito de buscar articulações entre o movimento cubista e a Arteterapia. No primeiro texto o enfoque se deu na fase do Cubismo Analítico (CLIQUE AQUI) e o texto de hoje, refletiremos sobre o Cubismo Sintético.

Rememorando a proposta desta série, não tenho como pretensão esgotar a tamanha proporção do movimento cubista apenas em dois textos, mas fazer uma leitura geral de sua marca na história e seus simbolismos, e em especial abordar algumas possíveis articulações do movimento com meu campo de estudo e atuação, a Arteterapia.

Cubismo sintético (1912-1919):

Desde 1907 Georges Braque e Pablo Picasso firmaram uma profunda amizade na vida e um “casamento” na arte.  Debatiam, teorizavam, experimentavam, criavam, gerando assim o Cubismo Analítico, e no decorrer da caminhada, em torno de 1912, foram encontrando novas possibilidades:

Nas fases iniciais do cubismo, os pintores começaram com uma imagem mais ou menos naturalista que depois era fragmentada e analisada (e assim, numa certa medida resumida) à luz dos novos conceitos de espaço e forma. Os processos foram agora invertidos: começando com a abstração, os artistas trabalharam na direção da representação. Estava consumada a transformação de um procedimento “analítico” em outro, “sintético”.

Sob muitos aspectos, a colagem foi a conclusão lógica da estética cubista. (GOLDIND, 2000, 58)

Tudo começou quando Braque e Picasso passaram a incorporar tiras de papel e outros fragmentos de materiais às suas pinturas e desenhos. Braque foi o inventor do papier collé, uma forma particular de colagem, em que tiras ou fragmentos de papel são aplicadas à superfície da pintura ou desenho:

... como experimentos de escultura em papel... tinham o objetivo de encontrar um meio de se obter uma sensação de relevo sem recorrer às formas tradicionais de ilusionismo pictórico. Assim, um pedaço de papel recortado na forma de uma guitarra, fixado em sua base a um pedaço de papel de parede e inclinado para fora, destacar-se-á deste e evitará o uso de uma sombra pintada. (GOLDING, 2000, 56)

Através do papier collé os artistas encontraram a solução para a reintrodução da cor na pintura cubista. Enquanto manipulavam tiras de papel colorido e outros elementos de colagem, eles conceberam um procedimento totalmente novo. E em decorrência destas experimentações, Picasso foi mais além, tornando-se o artista considerado:

... o descobridor da colagem, a qual pode ser descrita como a incorporação de qualquer material estranho à superfície do quadro... Picasso delicia-se em usá-los de maneira paradoxal, convertendo uma substância em outra e extraindo significados inesperados da combinação de outras de um modo original. Picasso converte um pedaço de papel de parede florido numa toalha de mesa, e um fragmento de jornal num violino. (GOLDING, 2000, 54-55)

De fato, Braque e Picasso provocaram uma grande revolução nas categorias de arte e nos materiais considerados materiais de arte:

Esses dois grandes  pioneiros da arte haviam mais uma vez triunfado: tinham inventado a colagem...

Parecia tão óbvio, tão fácil; tão infantil. Mas antes de Braque e Picasso ninguém, absolutamente ninguém, tinha pensado nisso como uma forma de arte. Sim, as pessoas já tinham feito recortes e os prendido em alguma outra coisa – coleções de lembranças num livro de recortes por exemplo. Os antigos chegavam até a decorar suas pinturas com joias, e Degas enrolou um pedaço de musselina e seda no corpo de sua escultura Bailarina de 14 anos (1880-81). Mas a ideia de que materiais corriqueiros e ordinários podiam ser usados no altar sagrado do cavalete do artista era totalmente nova. (GOMPERTZ, 152)

Podemos compreender que os caminhos de experimentação de Braque e Picasso estavam inseridos em uma busca da Arte Moderna rumo à reaproximação entre a arte e a vida, iniciada com os impressionistas:

Em 1912 as pessoas já tinham se acostumado a ver artistas representando a vida cotidiana: temas do mundo real convertidos em arte através de pincelada e tinta. Não estavam, contudo, acostumadas a ver artistas apropriando-se de elementos reais da vida cotidiana e incorporando-os a suas pinturas: uma ação que reescrevia totalmente o livro de regras sobre a relação da arte com a vida... (GOMPERTZ, 151-152)

Fragmentos de jornais, maços de cigarro, papéis de parede e tecidos estão relacionados com a nossa vida cotidiana; identificamo-los sem esforço e... formam parte de nossa experiência no mundo material que nos cerca... (GOLDING, 2000, p 54)

O papel de parede de Braque e o oleado de Picasso podiam ser materiais vulgares sem valor, mas em termos da história da arte foram como bananas de dinamite... Eles não estavam copiando a vida real: estavam se apropriando dela. (GOMPERTZ, 151-152)



"Natureza morta com cadeira de palha" Picasso

Os cubistas como “antenas da raça”  

É, de fato, essencial que possamos contextualizar as experimentações do cubismo sintético e simbolismos em seu momento histórico. Estamos falando das vésperas da Primeira Guerra Mundial, um período em que os potenciais de “estranheza” e “horror” humano vieram a tona em seu máximo grau de destruição. Picasso, intuitivamente, dava forma a esta estranheza em suas obras:

... Se um pedaço de jornal pode converter-se numa garrafa, isso também nos dá algo para pensar a respeito de jornais e garrafas. Este objeto deslocado ingressou num universo para o qual não foi feito e onde, em certa medida, conserva sua estranheza. E foi justamente sobre essa estranheza que quisemos fazer com que as pessoas pensassem, pois tínhamos perfeita consciência de que o nosso mundo estava ficando muito estranho e não exatamente tranquilizador. (PICASSO in GOLDING, 2000, 55)

Neste sentido, faz-se bastante simbólico compreendermos que este foi o contexto em que a colagem efetivamente adentrou às categorias da arte e se inscreveu na história da arte ocidental: em meio à destruição e às inúmeras fragmentações literais e simbólicas de uma grande guerra. O que restaria ao ser humano como caminho possível e necessário senão o recompor e o colar? Este foi um processo criativo também bastante explorado pelos dadaístas, contemporâneos dos cubistas, ao qual podemos fazer uma leitura interpretativa:

Vejo aqui um simbolismo muito interessante a ser pensado, pois a partir do processo criativo da colagem, que tanto ganhou força nesse período... Os artistas intuitivamente começavam, através da  arte, a gerar movimentos que reverberariam no coletivo. Buscando algum possível, os artistas através da colagem fracionavam, selecionavam elementos fragmentados, rejuntavam, recompunham, reinventavam, ressignificavam. Processo que instiga a resiliência, individual e coletiva, movimentos que seres humanos abalados pelas destruições das guerras, mais do que nunca necessitavam acessar. (MORAES, 2019, 144)

Legados para a Arteterapia

Podemos concluir que a abertura para que todo e qualquer material seja considerado material de arte é um dos grandes legados que o Cubismo Sintético pôde deixar para a Arteterapia.  Ao ampliarmos o olhar para além dos materiais tradicionais e técnicos de arte, abrimos possibilidades ao infinito sobre o que pode ser utilizado em práticas artísticas, colaborando para a riqueza de possibilidades em propostas arteterapêuticas com materiais de fácil acesso e manejo. Esta percepção se faz interessante principalmente em tempos de atendimento online ao qual precisamos estimular que o paciente leigo busque em sua própria casa possíveis materiais a serem utilizados em processos criativos dentro da sessão arteteapêutica. Desta forma, podemos estimulá-lo à luz de Pablo Picasso que introduzia diversos materiais “estranhos” em suas obras.  

A colagem como linguagem da arte também se faz um grande legado do Cubismo Sintético à Arteterapia, sendo uma das propostas mais exploradas nas práticas arteterapêuticas, em sua riqueza de possibilidades e aplicabilidades. Somos gratos à Georges Braque e Pablo Picasso que nos abriram as portas para ela.

Prática arteterapêutica: Cubismo Sintético


No Cubismo Sintético, os elementos abstratos são ligados para formar um todo representacional do qual eles passam a ser indissolúveis. (GOLDING, 2000, p 59)

Podemos propor que o experienciador da Arteterapia passeie pelo seu ambiente (se for em um atendimento online, pela sua casa, o que faz com que estes materiais tragam ainda uma carga de memória afetiva) assim como Picasso passeava pelo seu ateliê em busca de “materiais estranhos”, que possam ser integrados na superfície de uma tela ou papel canson A3. Após encontrá-los, estimulamos que passe um tempo contemplando aquelas partes como formas abstratas que poderão ser integradas em um todo, seja ele figurativo ou abstrato. Para colaborar com a formação desta unidade, em um segundo momento, poderá utilizar material de desenho ou pintura como forma de integrá-los. Esta experiência pode ser bastante reveladora!


Referências Bibliográficas: 

GOMPERTZ, Will. Isso é arte? 150 anos de arte moderna do Impressionismo até hoje. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.

GOLDING, John in STANGOS, Nikos (org). Conceitos da arte moderna, Jorge Zahar Ed, RJ, 2000.

MORAES, Eliana. Pensando a Arteterapia Vol 2. Semente Editorial, ES. 2019.

_________________________________________________________________________________

Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga.


Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Dá aula em cursos de formação em Arteterapia em SP e MS. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra"

segunda-feira, 12 de julho de 2021

COLAGEM DIGITAL - NOVAS POSSIBILIDADES AO ARTETERAPEUTA

 

                                                                               Conexão, 2020 (Tania Freire)

Tania Freire - SP

@artereab_oficial 

Em meio à pandemia e ao isolamento social nos vimos diante dos nossos fazeres profissionais nos perguntando “Como fazer?” “Como fazer diferente?”. 

O arteterapeuta acostumado a estar em meio aos seus pincéis, tintas, revistas, cola...De repente, se vê diante de uma tela de computador. Ali passa a ser seu ambiente diário abrir “salas” para que seu cliente “entre”, trabalhar com os materiais que o outro tem em casa. 

O profissional foi chamado a trabalhar uma habilidade que diariamente estimula no outro, SER CRIATIVO.

 Mas não é apenas a criatividade que foi colocada para ser desenvolvida em meio à pandemia, nossa capacidade de aprender coisas novas também foram colocadas no centro da conversa. 

Noto que desde o inicio do isolamento social o mundo digital proporcionou que a rede de profissionais que atuam na Arteterapia fosse se entrelaçando ainda mais, em novos cursos, em grupos de estudos, em vivências disponibilizadas a uma variedade de públicos, rompendo as limitações geográficas.

 O profissional de Arteterapia está buscando se aprimorar muitas vezes em ferramentas que antes da pandemia nem pensavam em utilizar, como plataformas digitais para reuniões e aplicativos de arte e design.

 E qual nossa surpresa com quantas possibilidades que o mundo digital nos proporcionou. O atendimento on line se tornou uma realidade e já consta no percurso de formação do profissional em Arteterapia.

 Neste texto o objetivo é trazer a possibilidade da colagem digital como reflexão e proposta na arteterapia.

 Em 2012 em sua publicação The Handbook of Art Therapy, Malchiodi já traz o olhar do arteterapeuta as mídias digitais, pontua que a arteterapia digital inclui todas as formas de mídia baseada em tecnologia, incluindo colagem digital, ilustrações, filmes e fotografia que são usados ​​por terapeutas para auxiliar clientes na criação de arte como parte do processo de terapia.

 Publicações sobre a arteterapia digital apontam um aumento da autoestima do cliente, maior confiança como resultado do uso de softwares na criação de arte e o potencial na construção de relações terapêuticas mais rápidas com clientes jovens, que por vezes dominam esta linguagem.

 Uma das propostas que venho utilizando dentro da arteterapia digital é a da colagem digital. Iniciei a proposta de trabalhar com uma caixa de imagens em 2020, buscando imagens dentro do site Canva®, fui ao poucos recolhendo imagens de diversos tipos e, como o preparo que fazemos ao recortar imagens de revista, removendo o fundo e criando “uma caixa de imagens”, como fazemos em nossos espaços físicos, que contém uma variedade de imagens que podem se tornar um disparador para a produção do cliente.

 O acesso a caixa de imagens se dá por uma pasta preparada no google drive, é ali que o cliente explora a primeira mensagem que vai ser “retirada” através do download e levar para a sua “folha em branco” que pode ser uma página no word, power point ou canva e fica livre para criar.

 As possibilidades da arteterapia no mundo digital são do cliente criar e recriar com imagens preexistentes, trabalhar diversas vezes com a mesma imagem. Nota-se maior segurança do cliente para ousar e testar novas possibilidades, já que uma figura poderá ser manipulada e modificada quantas vezes for de seu desejo.

 A ideia do uso da mídia digital é que o arteterapeuta deve estar observando como o cliente trabalha com as imagens, ele deve auxiliar no uso dos programas e orientar através do processo terapêutico.

 O interessante que tenho notado neste processo é a surpresa que cada participante tem ao se deparar com a sua produção, neste tempo trabalhando com a colagem digital dentro do processo arteterapêutico, com clientes particulares ou ensinando as ferramentas para profissionais de arteterapia já ouvi frases como:

 - Estou surpresa comigo mesmo da minha capacidade de criar algo tão lindo!

- Estou feliz de saber que dominei essa máquina que me dava tanto medo.

- Eu achei que a minha produção não ia me dizer nada, estou acostumado com o material físico. E de repente ela me conta tudo isto!

 Para além das descobertas que a arteterapia digital proporciona, o processo de aprendizagem do uso das ferramentas digitais é um desafio cognitivo intenso, lida com nosso processo de atenção, de planejamento, de mudança de estratégias.

 O trabalho da colagem digital enfatiza habilidades conceituais e perceptivas, estimula-se o processo em nível cognitivo/simbólico referenciado no Continnum das terapias expressivas, sobre o nível cognitivo Ciornai (2004, p. 109) descreve:

 

O processo cognitivo deste nível será facilitado por propostas que exijam atividades mentais como agrupar de acordo com qualidades, categorizar, sequenciar ou identificar e reconhecer relações (...). Este nível facilitará tanto equacionamentos quanto resolução de problemas, ajudando a clarificação de conflitos e situações confusas e facilitando dificuldades de aprendizagem ou de processamento de informações que necessitem do pensamento lógico e abstrato (...).

 

E ao falar sobre as possibilidades simbólicas do uso de imagens Ciornai (2004, p.109) aponta que: 

O uso de símbolos e metáforas visuais em arteterapia permitirá à pessoa que cria tanto a expressão e a integração de aspectos ocultos, reprimidos e dissociados de si quanto a expressão de potencialidades futuras, tanto a integração de polaridades conflitantes e desconhecidas como a expressão do “não-dito”(...). Na elaboração simbólica a pessoa dialoga com o trabalho realizado, desvelando e dotando de sentido os símbolos e metáforas que criou o que leva a insights criativos e crescimento.

 

O processo da arteterapia digital está presente em nosso dia a dia para ser explorado, na curiosidade descobrimos a cada dia uma ferramenta nova que contribui para o trabalho com nossos clientes. Descobrir a arteterapia digital não nos coloca distante da arteterapia realizada presencialmente, mas cria a possibilidade de descobrirmos novos caminhos para trabalhar com a diversidade do ser humano.  

Este é um mundo de possibilidades que se abre a nossa frente e que sugiro ao profissional e estudante de arteterapia explorar intensamente. A caixa de possibilidades se abriu e veio para ficar.

 

Referências

CIORNAI, Selma (org). Percursos em Arteterapia: arteterapia gestáltica, arte em psicoterapia, supervisão em arteterapia. São Paulo: Summus, 2004.

DIGGS, Leigh Ann; LUBAS, Margaret; DE LEO, Gianluca. Use of technology and software applications for therapeutic collage making. International Journal of Art Therapy, v. 20, n. 1, p. 2-13, 2015.

MALCHIODI, Cathy A. (Ed.). Handbook of art therapy. Guilford Press, 2012.

 _______________________________________________________________________________

Tania Freire (AATESP 053/0305)

 


Arteterapeuta e Arte Reabilitadora

Especialista em Neuropsicologia e Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento

Idealizadora da ArteReab – arteterapia . reabilitação . estimulação cognitiva

Atua no atendimento de crianças, jovens, adultos e idosos nas áreas de reabilitação e estimulação cognitiva.

Coordenadora da Pós Graduação em Arte Reabilitação do Instituto Faces.

Ministra cursos e workshop sobre Ferramentas digitais em Arteterapia e Arte e Estimulação Cognitiva pela ArteReab.

Criadora dos E-books: Os impressionistas – Atividades de Arte para Estimulação Cognitiva, Pintando e Criando Monstros, Criando e Pintando Mandalas e Canções – Atividades para estimulação cognitiva.

Instagram: @artereab_oficial

www.artereab.com

segunda-feira, 5 de julho de 2021

DIÁLOGOS ENTRE ARTE, TERAPIA E TARÔ: O MAGO E A MATÉRIA (ESCULPIDA E MODELADA)

 Por Mercedes Duarte - RJ

Esse texto é parte sequencial dos “Diálogos entre Arte e Tarô” que estão sendo publicados mensalmente aqui. Depois de uma introdução à proposta, esse é o segundo dos 22 textos que trarão reflexões sobre os 22 arcanos maiores do tarô em diálogo com aspectos da arte, sejam técnicas, movimentos artísticos, obras e/ou biografias de artistas. O intuito desse diálogo é o de proporcionar reflexões propositivas, possibilidades terapêuticas, que permeiam esses elementos em diálogo, inspirando assim a ampliação do repertório arteterapêutico. 

Nesse texto, trarei a técnica da cinzelação e da modelagem, para dialogarem e possibilitarem uma aproximação terapêutica com o arquétipo do Mago, arcano de número um do tarô. 

O Mago – Arcano número I

Tarô de Marselha


                                                                        Tarô de Waite e Smith 

O mago simboliza o potencial de criação, de manifestação. Diferentemente do louco, o mago possui consciência de seu potencial de realização, e detém a eterna possibilidade do vir a ser, simbolizado pela lemniscata sobre sua cabeça. De acordo com Nichols, enquanto o louco simboliza “’o eu como prefiguração inconsciente do ego’, o Mago pode ser visto como a encarnação de um elo conetivo mais consciente entre o ego e o eu” (NICHOLS, 1997, p.79).

O mago, número UM, representa o princípio consciente gerador de tudo, é ele que abarca a cosmogênese, a força primeira da vida. Não por acaso ele possui todos os elementos da natureza disponíveis a sua frente. No tarô de Waite e Smith, imagem à direita, a taça simboliza a água, a espada o ar, a moeda a terra, o bastão o fogo e a baqueta, em sua mão erguida, sua conexão com o divino, com a qual captura a força invisível para manifestar a matéria. São esses elementos primordiais, que fazem parte dos naipes dos arcanos menores, que ele lança mão para sua alquimia. Os quatro elementos de sua mesa podem simbolizar também os quatro reinos evolutivos: mineral, vegetal, animal e humano. Ou seja, o mago traz em si o potencial de desenvolvimento da vida.

Ainda na carta de Waite e Smith, uma mão aponta para cima e a outra para baixo, mostrando que “tudo que está em cima está em baixo”, ou “tudo que está dentro está fora”, assim como, por exemplo, os quatro elementos da natureza que estão em nossa constituição e também na constituição das pequenas e grandes coisas do universo, ou como a correspondência entre o consciente e o inconsciente (“em cima e embaixo”), e as emoções e o mundo físico (“dentro e fora”). Esse princípio diz respeito à segunda lei das sete leis universais herméticas atribuídas à Hermes Trimegisto: a lei da correspondência.[1] 

O mago então representa o elo, a mediação entre esses universos. Tal como Hermes ou Mercúrio (deuses mitológicos), o Mago tem a função de fazer a comunicação entre o mundo externo e o mundo interno, entre o visível o invisível. Portanto, ao mover fora, apresentando sua mágica ou manipulando sua magia, o mago também move dentro de si, e vice-e-versa. 

            No processo de manifestação da matéria, o mago, um alquimista, manipula seus objetos, que consistem nos elementos necessários para o empreendimento e a magia que desejar. A palavra “magia”, como bem ressalta Sallie Nichols (1997), é afim da palavra imaginação, a qual é indispensável a toda arte e ciência que, por sua vez, inventam o mundo que conhecemos. Mágica e magia estão aqui relacionadas, pois o processo alquímico pode ser considerado um processo mágico.

O mago, portanto, apresenta sua mágica, como vemos no Tarô de Marselha (imagem acima à esquerda), ao criar uma multiplicidade de coisas que podem ser concebidas como ilusórias, pois a base de tudo é UM, o número que lhe representa. De acordo com Nichols (1997) o mago cria o mundo que parece existir, mas ao mesmo tempo ele revela que “debaixo dessas ‘dez mil coisas’ [a maya], todas as manifestações são uma só” (p.60).  Ou seja, tudo que existe, existe a partir da substância e no interior desse UM cósmico, dessa realidade última, universal, sendo a multiplicidade das coisas obra de sua magia.

Assim, o mago fala de nossa criatividade e capacidade de criação, de materialização e manifestação da vida, dos projetos, das coisas do mundo, e ao mesmo tempo dessa capacidade como fruto da conexão com a fonte primeira, com a força una criadora de tudo.

A modelagem em argila ou cinzelação

A escultura e a modelagem são técnicas que nos aproximam do arquétipo do mago. Assim como esse arquétipo que encarna o poder de criação e revela o que há debaixo de todas aparências, com essas técnicas podemos dar forma ou “desvelar” uma imagem. Para refletir a respeito desse arcano, Nichols (1997) nos traz a imagem da obra de Auguste Rodin, a Mão de Deus, por sua simbologia e processo de construção serem afins com as características do arquétipo. 

A escultura, de acordo com a autora, pode ser considerada uma espécie de revelação mágica. Existe a percepção entre os escultores de que ao invés de criarem a figura, eles simplesmente libertam a forma do material supérfluo que a encobre.

                                                   The Hand of God. Modelado entre 1896–1902. Esculpido em 1907.[2] 

Nessa obra de Rodin é retratada o nascimento de Adão e Eva, que é desvelado através da cinzelação do artista. Nela criador e criatura estão misturados, assim como no mago, em que a base primeira se mistura à criação, à multiplicidade, sendo preciso ser desvelada. Por outro lado, o homem, nessa imagem, está aprisionado à matéria, o que representaria nossas limitações e necessidades de “desprender” o espírito da matéria, tal como os alquimistas buscavam realizar em suas fórmulas mágicas (NICHOLS, 1997). De acordo com Nichols (1997), ao encontrarmos modos de libertar nosso espírito, de desvelar nosso self, podemos transformar nosso mundo interior e afetar o mundo em que vivemos: 


precisamos encontrar maneiras de libertar o nosso espírito aprisionado de modo que possa funcionar como ‘substância transformadora’ com o poder de alterar o nosso mundo interior e afetar o exterior. Necessitaremos dessa ajuda afim de encontrar o caminho através da escuridão da natureza interior e desvelar afinal o eu, o sol central do nosso ser agora eclipsado na escuridão, de sorte que ele possa brilhar de forma nova. Na medida em que conseguimos fazê-lo, nós como indivíduos nos modificaremos e a própria natureza humana se transformará (p.66). 

A modelagem, especialmente em argila, é outra técnica que me inspira nesse caminho. A argila é um material que oferece o contato com todos os elementos de que o mago dispõe simbolicamente: a terra, maior parte de sua composição; a água, necessária para manipular a massa de argila; o ar, parte constitutiva do material e necessário para a secagem; assim como o fogo, muito utilizado para a secagem da peça modelada, seja através do forno ou do sol. 

            Esses elementos citados, como sabemos, estão relacionados a nossas origens, à nossa ancestralidade e àquilo de que somos feitos: do barro (PHILIPPINI, 2009, p. 71). Portanto, o contato com a argila, por ser considerada um material primordial, nos oferece uma espécie de retorno à natureza (MORAES, 2018, s/n), a qual se associa à fertilidade, à criatividade e à potência de criação. 

            Em sua manipulação, a argila requer certa postura relacionada à persistência e paciência (URRUTIGARAY, 2007). Entretanto, uma vez que essas características forem mobilizadas, a argila possibilita fontes de criação e experimentação inesgotáveis, possibilitando o estímulo às transformações e ações no mundo.

No que concerne a técnica da modelagem, a prática em si já é uma maneira de sairmos de um estado de estagnação, expressando e transformando nossos mecanismos psíquicos e nossas ações no mundo: 

A modelagem é muito importante para ativar o indivíduo que se encontra em um estado de estagnação e não consegue transmitir seus pensamentos e sentimentos a suas energias a fim de disponibilizá-los em sua vida. Com a modelagem registramos histórias, expressamos atitudes, e fazemos mudanças psíquicas, ao passo em que mudamos a forma na modelagem, transformamos nossas atitudes e emoções humanas. Além de despertar emoções adormecidas (SEIXAS, 2008 apud FREITAS, 2010, p. 82).

Proposta Terapêutica

Nas oficinas realizadas na Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô, inspiradas nesse arquétipo, lançamos mão da cinzelação realizada em barra de sabão de coco. Com essa técnica, foi possível a experiência de desvelar a “forma primordial” escondida sob os excessos. No trabalho de retirar aquilo que obstaculiza a manifestação da forma, desbloqueamos simbolicamente os caminhos da nossa capacidade de criação. E, posteriormente, pudemos resignificar o que era excesso através da modelagem de uma massa produzida com a adição de hidratante ao material removido na cinzelação. 

No trabalho plástico abaixo, realizado na Jornada, a autora esculpe um jarro que expressa sua conexão receptiva com a espiritualidade. E ao reconfigurar os excessos, a participante modela uma pomba que simboliza a própria espiritualidade. Se coloca, portanto, como canal de comunicação com o divino em seu processo de manifestação e criação.

Título: Espiritual

Considerações Finais 

Considero que tanto a cinzelação quanto a modelagem da argila (ou mesmo de outro material como é o caso do sabão com hidratante) são técnicas e materiais pertinentes para acessarmos o arquétipo do mago, pois viabilizam a ampliação simbólica de nosso potencial de criação, manifestação, intervenção no mundo e realização, podendo ser associado à conexão com o invisível, ou com as nossas origens.


Referências Bibliográficas

FREITAS, Walkíria de Andrade Reis (2010). Arteterapia em Consultório: “Uma viagem interior”. Monografia de especialização em Arteterapia, Instituto Junguiano da Bahia (IJBA), Salvador – BA, 2009, Walkíria Freitas, Rio de Janeiro: Agbook.

MORAES, Eliana (2018). Para 2018, olhos de semente: diálogos com a argila. Blog não-palavra. Disponível em http://nao-palavra.blogspot.com/2018/02/para-2018-olhos-de-sementes-dialogos.html Acesso em 01/12/2018

NICHOLS, Sallie (1997). Jung e o Tarô: Uma Jornada Arquetípica. Trad. Laurens Van Der Post. Editora Cultrix: São Paulo.

PHILIPPINI, Angela (2009). Linguagens, materiais expressivos em arteterapia: uso, indicações e propriedades. Editora Wak: Rio de Janeiro.

URRUTIGARAY, Maria Cristina (2007). Interpretando Imagens, transformando emoções. Editora Wak: Rio de Janeiro.



[2] Ver Livro Caibalion, publicado pela primeira vez em 1908, assinado por "os Três Iniciados". O livro afirma conter os princípios de Hermes Trismegisto, que eram ensinados nas escolas herméticas do Antigo Egito e da Antiga Grécia. Algumas de suas ideias anteciparam conceitos, como por exemplo, a Lei da Atração, popularizada na contemporaneidade.

_________________________________________________________________________________

Sobre a autora: Mercedes Duarte



Arteterapeuta, Mestre em Ciências Sociais, pesquisadora autônoma de arte, terapia e oráculos