Por Eliana Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
Dando continuidade à pesquisa sobre as possíveis articulações
entre a História da Arte e a Arteterapia em sua escuta e práticas terapêuticas,
hoje inicio uma série de dois textos que trará um dos movimentos artísticos
mais importantes do século XX: o Cubismo, considerado o disparador de "um novo idioma formal". (GOLDING, 200, 51). Considerando-me uma estudante
continuada de História da Arte e considerando este um movimento tão vasto e
complexo, não tenho como pretensão esgotá-lo nesses dois textos, mas fazer uma
leitura geral de sua marca na história e seus simbolismos, e em especial
abordar suas possíveis contribuições à Arteterapia, meu campo de atuação de
fato.
O Cubismo
O Cubismo foi um movimento artístico
que iniciou-se na França, aproximadamente em 1907. O nome do artista que
automaticamente nos vem à mente quando falamos de Cubismo é Pablo Picasso,
entretanto este movimento teve como cofundador Georges Braque (1882-1963). Pintor e escultor francês, Braque:
...
descreveria [sua relação com Picasso] como uma odisseia artística comparável a
“dois alpinistas amarrados um ao outro” e que Picasso chamaria de “casamento”...
Foi uma parceria cujo produto definiria as artes visuais do século XX. (GOMPERTZ, 2013, 140)
No outono de 1907, Braque conheceu Picasso com quem, se
deu quase diariamente até que em 1914, separaram-se devido a Primeira
Grande Guerra Mundial. Braque foi ferido na cabeça em 1915, e durante dois
anos, esteve afastado da pintura. Retornou em 1917, focando-se em
naturezas-mortas e pinturas figurativas, sempre dentro do estilo cubista.
O outro cofundador do movimento, Pablo Picasso (1881-1973), pintor espanhol, é considerado como um
dos artistas mais importantes do século XX, por sua vasta contribuição em
diversos seguimentos da arte, mas principalmente por sua personalidade tão
subversiva e inovadora como artista. Sua obra geralmente é classificada em períodos.
Os períodos mais aceitos são o período azul (1901-1904), o período rosa
(1904-1906), o período africano (1907-1909), o cubismo analítico (1909-1912) e o cubismo sintético (1912-1919), estes dois últimos, objetos de
estudo desta série de textos.
O nome Cubismo, mais uma vez,
nasceu de forma jocosa e irônica por parte dos críticos de arte de seu tempo.
Desta vez, Henri Matisse passou a diante a “gentileza” recebida com o nome
fauvismo aos pintores que propunham uma nova forma de enxergar os objetos e
pintá-los:
Quando
Braque submeteu algumas de suas obras da série à consideração do Salon
d’Autonome, o comitê de seleção primeiro as rejeitou e depois as ridicularizou.
Matisse, um dos jurados, disse desdenhosamente: “Braque acaba de mandar uma
pintura feita em cubinhos”. O comentário foi feito a Louis Vauxcelles, o homem
que havia (sarcasticamente), cunhado o termo “fauve” para descrever o trabalho
anterior de Matisse. E como tantas vezes acontece com essas coisas, isso foi o
bastante – o nome colou: o cubismo nascera. (GOMPERTZ, 2013, 142)
E assim iniciou-se a primeira fase do Cubismo, denominada “Cubismo Analítico”
(1909-1912), ao qual defendia que:
... diferentes aspectos e pontos de vista de um
objeto podiam ser mutuamente sobrepostos de um modo mais livre, mais
caligráfico, e depois fundidos numa única imagem simultânea. (GOLDING, 2000, 53)
... é como se Picasso tivesse andando 180 graus em redor do seu modelo e tivesse sintetizado suas sucessivas impressões numa única imagem. O rompimento com a perspectiva tradicional resultaria, nos anos seguintes, no que os críticos da época chamaram de visão "simultânea" - a fusão de várias vistas de uma figura ou objeto numa única imagem. (GOLDING, 2000, 47)
Para nós, o Cubismo pode muitas
vezes parecer um movimento artístico bastante difícil a ponto parecer
impenetrável. Mas, falando de seu amigo Picasso, Apollinaire tentou explica-lo:
"Picasso
estuda um objeto da maneira que um cirurgião disseca um cadáver.” Essa é a
própria essência do cubismo: tomar um
objeto e desconstruí-lo mediante intensa observação analítica. (GOMPERTZ, 2013, 136)
Em síntese, o Cubismo Analítico propunha a desestruturação
da imagem em todos os seus elementos, a fragmentação e decomposição
do objeto em partes, para assim examiná-las e analisá-las em todos os ângulos no mesmo instante. A ideia era
mostrar todos os lados ao mesmo tempo, buscando a verdadeira natureza do tema.
A ordem era expor o tridimensional em duas dimensões.
De uma maneira tão simples e cotidiana, Gompertz tenta nos
explicar as imagens cubistas:
Todas as
coisas eram trazidas para a frente, como passageiros jogados contra a janela de
um carro quando o motorista dá uma freada brusca...
[Desta
forma] O termo é uma denominação imprópria: não há cubos no cubismo – ao
contrário.
O cubismo
diz respeito ao reconhecimento da natureza bidimensional da tela, NÃO
envolvendo, de maneira categórica, a tentativa de recriar a ilusão de três dimensões
(um cubo por exemplo). (GOMPERTZ,
2013, 142)
Podemos compreender então que “Braque e Picasso estavam metaforicamente... mostrando todos os lados ao
mesmo tempo.” (GOMPERTZ, 2013, 143) Os artistas decompunham a imagem,
analisavam as partes e a recriavam. O resultado foi uma série de pinturas que
retratava o mundo como ele jamais havia sido visto.
Para tanto, estes artistas ressignificaram sua relação com a cor em favorecimento à forma:
Nessas obras, a cor e a urgência fauves de sua maneira anterior, foram sacrificadas, a fim de produzir uma
espécie de pintura mais conceitual, disciplinada e geométrica... As formas
foram drasticamente simplificadas... e
os objetos que deveriam estar mais afastados da vista recebem exatamente o
mesmo tratamento daqueles que se encontram em um primeiro plano; não existe uma
única fonte luminosa, e as luzes e sombras são arbitrariamente justapostas...
Braque insistia repetidas vezes que o espaço era sua principal obsessão
pictórica...
Os cubistas abandonavam agora a cor em favor
de uma paleta quase monocromática: no caso de Picasso, porque a cor lhe parecia
secundária em relação às propriedades esculturais de seus objetos; no caso de
Braque, por considerar que a cor “perturbaria” as sensações espaciais com que
estava obcecado. (GOLDIND, 2000, 49-50)
Os cubistas como “antenas
da raça”
Diante de tudo o que foi exposto, Picasso e Braque estavam exercendo seu ofício de serem “antenas
da raça”, como bons artistas que eram. A história nos mostra que o início do
século XX foi marcado pela construção de uma nova visão de mundo a partir dos
desenvolvimentos revolucionários da ciência, da tecnologia e a partir delas,
tantas verdades sendo questionadas ou refutadas, como por exemplo, Einstein com
a Teoria da Relatividade e Freud ao postular o conceito do inconsciente e a
teoria da psicanálise.
Na arte, este fenômeno é registrado pela migração da arte tradicional para a Arte Moderna, antes tendo um código visual universal e posteriormente a abertura para as inúmeras frentes e estilos (chamada a era dos “ismos”).
De fato, este era um tempo de desconstruções de verdades pré-estabelecidas, tornando-se necessário mostrar "todos" os lados da complexidade humana ao mesmo tempo.
Do
Cubismo à Arteterapia:
O estudo da História da Arte e em
específico da Arte Moderna (e Contemporânea) já é de grande valia aos
arteterapeutas, pelo fato de que ela instrumentaliza nossa escuta do social,
para o indivíduo nela inserido que nos procura em um setting arteterapêutico na
atualidade.
O Cubismo Analítico nos espelha um
momento coletivo ao qual reverberava tantas desconstruções e fragmentações na
visão de mundo ocidental no início do século XX. Ao decompor a imagem, trazer
todos os fragmentos para o primeiro plano e analisa-los de forma igualitária,
Braque e Picasso constelavam através da arte, um movimento que pairava no
coletivo de sua época.
Neste contexto, podemos fazer uma
relação e buscar inspirações neste movimento ao nos perguntarmos: quantos
paralelos podemos apontar entre o início do século XX e o início do século XXI?
Quantas desconstruções e fragmentações estamos vivenciando nos dias atuais?
Como podemos beber da fonte de Braque e Picasso em possíveis processos
criativos, na arte e na vida?
Prática arteterapêutica
Existem algumas práticas criativas inspiradas no Cubismo
Analítico, mas como arteterapeuta, frequentemente uso uma inspiração indireta no movimento para um processo criativo que
envolve um momento de desconstrução e
fragmentação, um segundo momento de análise
das partes e por fim uma recomposição que as coloque em um mesmo plano de
reflexão.
Partimos
de um rolinho de papel higiênico por ser uma forma tridimensional. Nele o
experienciador poderá desenhar diferentes aspectos que lhe compõem ou que lhe
ocupem naquele momento. Em seguida ele cortará o rolinho, fragmentando-o e
separando-o as partes. Ao voltar o olhar para os fragmentos surgidos, ele tem a
oportunidade de analisar estas partes com cuidado e atenção e desta maneira tem
a oportunidade de recompô-las de forma que lhe faça sentido. Por fim, para a
ampliação simbólica, o exeprienciador poderá usar o material de desenho para
fazer a integração das partes e possíveis desdobramentos. Uma sugestão opcional
seria utilizar para esta atividade a paleta de cores característica do cubismo
analítico.
Este é um processo de colagem, sendo esta linguagem também de
extrema relação com o Cubismo. No próximo texto trataremos do Cubismo Sintético
e a inscrição da colagem como linguagem da arte.
Referências Bibliográficas:
GOMPERTZ, Will. Isso é arte? 150 anos de arte moderna do Impressionismo até hoje. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.
GOLDING, John in STANGOS, Nikos (org). Conceitos da arte moderna, Jorge Zahar Ed, RJ, 2000.
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Sobre a autora: Eliana Moraes
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