segunda-feira, 28 de abril de 2014

MICRO E MACRO, ARTE E VIDA



            Percebo em minha prática clínica que um dos mais belos potenciais da arteterapia é proporcionar ao paciente vivenciar no micro – o trabalho produzido na sessão – aquilo que ele entende precisar vivenciar no macro – sua própria vida. Este paralelo pode ser amplamente experimentado pelo paciente, por exemplo quando percebe-se alguém sem coragem de arriscar; e ele pode convocar e exercitar esta coragem ao iniciar cada trabalho em cada sessão. Ou quando o paciente reconhece-se como alguém que transita muito bem no campo da ideia, mas tem dificuldade de concretizar aquilo que mantém na mente. Ao produzir seus trabalhos até o final o paciente experimenta a sensação de ser capaz de realizar e trazer para o concreto suas ideias, e consequentemente seus projetos pessoais.
            Da mesma forma, venho defendendo para meus alunos e colegas arteterapeutas, como é muitíssimo importante que o terapeuta esteja com os ouvidos bem atentos para as falas do paciente enquanto estão produzindo seus trabalhos, seja em que linguagem for. Falas que a princípio são referentes ao próprio trabalho, porém, se forem transportadas para a história do paciente, faz todo sentido consigo e nos “joga no colo” a sua questão.
            Já pude ouvir:
“Preciso cobrir todos os espaços vazios. Espaços em branco me incomodam.”

“...é que o fácil me complica.”

“... mas se eu fizer isso vou ter que mudar. Prefiro fazer o que vá mudar menos.”

" Fiz desta forma porque assim não corro o risco de errar."

“Nunca encontro o material que eu quero.”

“Uso o preto para esconder as imperfeições e os erros.”

“Eu ocupo o mínimo de espaço possível.”

“Tudo que eu faço fica muito vazio.”

“O que eu faço é tão cheio de detalhes, tão cheio de coisinhas que eu nunca consigo terminar.”

“Mas eu já não fico mais voltando pra concertar os erros”

“Eu não sei como ta ficando. Mas como sempre na vida a gente só vê depois.”


Apenas alguns exemplos do que podemos concluir: sim, ao falar do trabalho (um outro), o paciente está falando de si. De sua questão. E cabe ao terapeuta ouvir, acolher e dar passagem a esta riqueza tão própria da arteterapia. 

segunda-feira, 21 de abril de 2014

A HISTÓRIA DA ARTE NA PRÁTICA DA ARTETERAPIA






ARTETERAPIA – HISTÓRIA DA ARTE PARA QUÊ?
Curso vivencial de História da Arte e sua aplicabilidade no setting terapêutico.

Com Eliana Moraes e Flávia Hargreaves

PÚBLICO-ALVO: Estudantes e profissionais de arteterapia, psicologia e demais profissionais que utilizem técnicas expressivas no processo terapêutico. 

A evolução das artes e das técnicas ao longo da história da humanidade e suas motivações nos oferece instrumentos poderosos e inspiradores para o exercício da Arteterapia.

Com ênfase em exercícios vivenciais em atelier e na reflexão e discussão sobre sua aplicabilidade terapêutica, o curso estabelece relações entre as tendências, estilos e movimentos artísticos, atualizando-os para o nosso tempo e relacionando-os a nossa história pessoal.

Ao longo do curso serão abordadas diversas técnicas plásticas e diversos estilos buscando o reconhecimento e o desenvolvimento de um estilo individual de representação e expressão da realidade e das emoções.

MODULO 1: PRÉ- HISTÓRIA E PRIMITIVISMO
Início: 08 MAIO
Quinta-feira das 9h às 12h.
6 aulas (18 horas/aula)



MODULO 2: ANTIGUIDADE CLÄSSICA E CLASSICISMO
Início: 09 MAIO
Sexta-feira das 14h às 17h.
6 aulas (18 horas/aula)

Informações e Inscrições: elianapsiarte@gmail.com


Eliana Moraes
Psicóloga (CRP 05/36580) e Arteterapeuta (AARJ 579).
Graduada em Psicologia pela Santa Úrsula (2007) | Formação em Arteterapia (Curso Ligia Diniz – 2009). Psicóloga e Arteterapeuta na Unidade Integrada de Prevenção - Hospital Adventista Silvestre e em consultório particular com atendimentos individuais e grupo. Coordenadora de Grupo de Estudos em Arteterapia. Criadora do blog sobre teorias da psicologia e da história da arte relacionadas a prática da Arteterapia: http://nao-palavra.blogspot.com.br/

Flávia Hargreaves
Arteterapeuta (AARJ 402) e Professora de Artes Visuais
Graduada em Comunicação Visual (1989) e Artes Plásticas (2010) pela UFRJ. Formação em Arteterapia (Curso Ligia Diniz – 2009). Desde 2009 realiza cursos e oficinas que promovem um diálogo entre História da Arte e Arteterapia e cursos voltados para a utilização de técnicas e materiais de artes plásticas no setting terapêutico. Integra o corpo docente do curso de Formação em Arteterapia Ligia Diniz (desde 2010). Coordenadora de grupos de estudo de Arteterapia e História da Arte – desde 2009. Colaboradora do blog não-palavra.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

ARTETERAPIA, ESCRITA E CLARICE


Por Eliana Moraes


“É na hora de escrever que muitas vezes fico consciente das coisas, das quais, sendo inconsciente, eu antes não sabia que sabia.” Pag 85


            Hoje gostaria de falar sobre uma linguagem da arte pouco explorada aqui no blog. Muito refletimos sobre as artes visuais, mas fato é que a arte literária e a escrita também são muito interessantes e muito ricas em recursos para a clínica da arteterapia.
            Estou fazendo um mergulho no livro “Crônicas para Jovens – de escrita e vida” de Clarice Lispector, inclusive autora que inspira o nome deste blog. Nele, em vários momentos Clarice fala sobre o potencial do ato de escrever, reflexões que confirmam os benefícios do uso desta linguagem da arte no processo terapêutico:

“Escrever é procurar entender, é procurar reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que permaneceria apenas vago e sufocador.” Pag 91-92

            Estimular que o paciente faça registros sobre seus trabalhos de arteterapia, que escreva sobre seus sentimentos, pensamentos, memórias, opiniões, é uma técnica bastante organizadora e tem efeito estruturante no paciente. E Clarice via este efeito da escrita como uma necessidade para si:

“Minhas intuições se tornam mais claras ao esforço de transpô-las em palavras. É nesse sentido, pois, que escrever me é uma necessidade. De um lado, porque escrever é um modo de não mentir o sentimento... do outro lado, escrevo pela incapacidade de entender, sem ser através do processo de escrever.” Pag 103

            Mas talvez uma das formas de escrita mais férteis para o processo terapêutico, que proporciona grandes insights e contato com conteúdos pessoais profundos antes não percebidos, seja o que Freud chamou de associação livre, os surrealistas chamaram de escrita automática. Nós arteterapeutas chamamos de escrita criativa e Clarice chamou de “escrever distraidamente”  (pag 95):

“Ir me obedecendo -  é na verdade o que faço quando escrevo, e agora mesmo está sendo assim.  Vou me seguindo, mesmo sem saber ao que me levará.” Pag 73

“Escrevendo, tenho observações por assim dizer passivas, tão interiores que se escrevem ao mesmo tempo em que são sentidas, quase sem o que se chama de processo. É por isso que no escrever eu não escolho...” pag 77