segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

ARTE DO ENCONTRO: FECHANDO 2019 EM VERSOS




Eliana Moraes (MG) RJ
Instagram @naopalavra

E assim cumprimos 2019! Um ano bastante desafiador para muitos, nas esferas coletiva e individual. Particularmente, em alguns momentos do ano me lembrei de Vinícius de Moraes em Samba da Bênção: “A vida não é brincadeira, amigo”, e penso que atravessá-la com um sorriso sincero no rosto é um sinal de saúde em meio ao caos. Para isso, faz-se essencial a presença e companhia daqueles que nos alimentam e sustentam em afeto. Em tempos de crise nas relações humanas, mais uma vez (e mais do que nunca) as palavras da canção de Vinícius fazem muito sentido: “A vida é arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”.

Neste texto fechamos o ano do Não Palavra Arteterapia e celebramos os encontros ocorridos em nossos territórios. Com grande felicidade constatamos que nossa rede, tecida com fios de afeto, cresce cada vez mais. E hoje é dia de registrar o clima de gratidão que paira no ar.

Em 2019 ampliamos e solidificamos a Equipe Não Palavra que sustenta todo o corpo de trabalho que se expande. Toda gratidão a Laila Alves de Souza, que trouxe estrutura aos projetos e tanto acrescenta em conteúdos da Psicologia Analítica em diálogo com a Arteterapia; a Patrícia Serrano, que organiza os materiais e eventos; a Ana Paula Calderon que hoje gerencia as redes sociais. Meninas, mais uma vez, muito obrigada! Sem vocês não seria possível!

Toda gratidão as parcerias que sustentam territórios geográficos e literários ao Não Palavra: a Vera de Freitas do Centro Cultural Venha Conosco no RJ; a Regina Célia Rasmussen do Espaço Crisântemo em SP; a Larissa Kouzmin-Korovaeff da Semente Editorial.

Imensa gratidão aos que colaboraram para que o blog Não Palavra se mantivesse ativo e com qualidade por mais um ano! Em 2019 foram 44 textos e contamos com 19 autores. Obrigada Valéria Diniz, Liane Esteves, Regina Célia Rasmussen, Tania Salete, Suzane Guedes, Selma Lessa, Sônia Santos, Juliana Ohy, Juliana Mello, Laila Alves, Patrícia Serrano, Sueli Antonusso, Paulo Antunes, Andréa Goulart, Vera de Freitas, Claudia Abe, Sheila Leite e Rosângela Nery! Manter um blog ativo por tantos anos é uma tarefa bastante desafiadora, que só é possível por ser um espaço colaborativo e contar com o comprometimento daqueles que acreditam neste projeto! Em 2020 as portas continuam abertas à todos aqueles que desejarem se lançar ao desafio da escrita e colaborar para esta construção coletiva!



Gratidão também aos amigos do blog que participam desta jornada com sua leitura, comentários e compartilhamentos! Hoje o blog entra de férias para que possamos recarregar as energias e renovar as inspirações. Mas nosso retorno já tem data marcada: 03/02/20.

Em 2019 foram muitas conquistas, e fechamos o ano em festa! No último dia 8 celebramos o lançamento do livro “Pensando a Arteterapia Vol 2” no encontro com pessoas tão queridas, que fazem parte da jornada do Não Palavra. Uma tarde em que experimentamos uma experiência com a arte, a música e o Belo. Gratidão a todos os que estiveram presentes e que juntos pudemos cantar os versos de João Gilberto que sintetiza a energia que encerramos este ciclo: “Fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho.”



  
Até 2020!

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Sobre a autora: Eliana Moraes 



Arteterapeuta e Psicóloga.

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2



segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O PODER DO GRUPO




Por Eliana Moraes e parceiras de jornada - RJ 

Ao longo de 2019 tive a oportunidade de sustentar dois grupos para arteterapeutas: um de proposta vivencial, ao qual se constituía um espaço para que terapeutas se reservassem um tempo e um espaço para seu próprio processo criativo e contato com imagens pessoais; o outro, o grupo de estudos "Teorias da arte e a Arteterapia" ao qual estudávamos a História da Arte buscando possíveis aplicações para nossa prática arteterapêutica, tendo como leitura mestra o livro "Do Espiritual na Arte" de Kandinsky. 

Estes dois espaços receberam vários terapeutas ao longo do ano, mas naturalmente pela dinâmica do grupo e dos indivíduos, algumas participantes permaneceram. Ao fecharmos os encontros de 2019 pudemos olhar para trás, avaliar o percurso por nós construído e conversar sobre a potência sentida em cada uma a partir da sustentação do grupo, para seus desafios pessoais ao longo do ano. A palavra recorrente foi: enfrentamento. E o quanto o grupo se fez um território sagrado para que cada uma colocasse seus desejos, suas dúvidas e inseguranças, mas sobretudo que recebesse acolhimento e afeto, além de feedbacks construtivos para estes enfrentamentos. 

Foi assim que partiu de Selma a proposta de escrevermos um texto coletivo sobre a potência da experiência grupal para nós. A começar por mim, percebo e afirmo a importância do(s) grupo(s) como um espaço para colocar minhas ideias e propostas e receber um espelhamento honesto que em muito colabora para o direcionamento dos meus próximos passos. Observo que os textos que escrevi até aqui, que são a base dos dois livros que já publiquei, são profundamente atravessados pelos grupos de estudos que me acompanhavam em cada fase de trabalho. Tenho a clareza absoluta de que sem este espaço de compartilhamento e construções colaborativas, meu trabalho não seria o mesmo. Desta forma, manifesto minha gratidão a cada uma das participantes dos grupos sustentados pelo Não Palavra. E agora abro a palavra para que três delas compartilhem suas experiências.



O grupo é sem dúvida um trabalho igualmente importante e desafiador, já que trabalhamos com aspectos singulares de cada sujeito inserido em um grupo. Sou testemunha dessa experiência profunda, marcante e transformadora.

Ao longo de alguns meses participei junto com outras mulheres interessantes, inteligentes e o mais importante, dispostas a mergulhar num processo transformador e vivenciar cada proposta que nos foi ofertada.

O trabalho de grupo, por sua natureza e seus fenômenos, proporciona sermos influenciados e influenciarmos o ambiente, e o ambiente em que estivemos todos esses meses foi acolhedor, contribuindo para que aos poucos pudéssemos descobrir nossos medos, angustias, tristezas, nossas capacidades, e possíveis enfrentamentos de vida e esse foi um “mote” que o grupo compreendeu que era necessário dar uma atenção especial ao potencial criador de cada uma e que por motivos reconhecidos, estavam travando esse ato criativo a se realizar.

Foram momentos de profunda entrega, choros longos e sentidos, risos fartos contagiantes, abraços de coração com coração, enfim...

Agradeço a TODAS pelo belo encontro de vida e de grupo e o mergulho para as profundezas do oceano do inconsciente e descobrir um universo de possibilidades.

No grupo, o indivíduo dá-se conta de capacidades que são apenas potenciais enquanto se encontra em comparativo isolamento. O grupo, dessa maneira, é mais que um conjunto de indivíduos, porque um indivíduo num grupo é mais que um indivíduo em isolamento.” (ÁVILA in MORAES, p 119)

SELMA LESSA

Participar de um grupo vivencial em arteterapia demanda entrega e disponibilidade interna para mergulhar nas nuances mais profundas de nós mesmas. Quando esse mergulho pode ser feito ao lado de pessoas igualmente entregues ao processo e amorosas na escuta, tudo se torna intenso e simples ao mesmo tempo. Intensidade das memórias, medos, alegrias, angústias, dúvidas, cores e sentimentos aliada a simplicidade de estar presente para si e para o outro. E assim fica o registro no coração de encontros entre terapeutas que se permitiram, num ambiente acolhedor, serem terapeutas de si mesmas.
PATRÍCIA SERRANO

Em meio a uma grande cidade como o Rio de Janeiro, eu como estrangeira, vindo de outro estado, pude encontrar nesse grupo o fortalecimento da minha individualidade. Pode parecer um paradoxo, mas foi no grupal, no olhar do outro, que se deu a luz ao indivíduo que sou, ou - mais verdadeiro falar - o caminho para ser mais esse universo particular que sou. Em meio a multipliciades de questões e indagações, consegui dar luz, no sentido de gestar, os projetos e enfrentamentos. Não é a toa que a palavra que permeou o grupo foi justamente esta: "enfrentamento". 

Existem tantas mensagens motivacionais para que sigamos em frente, de sermos fortes, de nos encontrarmos... Mas eu acredito que a motivação vem de Eros, na sua particularidade de amor, acolhimento, olhar e sorriso. Eros move montanhas! E foi nesse grupo, permeado por Eros, que empurrei minhas montanhas e consegui estabelecer uma paisagem que me faz ver e sentir que não sou mais estrangeira no Rio e que aos poucos também não serei mais estrangeira de mim.

Espero que minhas amigas tenham se visto como universos particulares, valiosos e ricos, cada um do seu jeitinho. E a partir disso, ver a importante dinâmica da integração do diferente, meu universo se relacionando com tantos outros distintos.

Agradeço a Eliana por ser a mobilizadora de encontros. Isso faz toda a diferença nesses momentos difíceis pelos quais estamos passando.

LAILA ALVES DE SOUZA

O ofício do terapeuta pode ser bastante solitário se ele não buscar espaços de troca, diálogos e acolhimento. Neste texto compartilhamos nossas experiências para incentivar que os amigos do Não Palavra busquem grupos que possam potencializar sua jornada como terapeutas. Após este ano de profundas experiências, podemos afirmar: vale a pena!


Referência:

MORAES, Eliana. Pensando a Arteterapia, volume 1. 
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Sobre as autoras: Eliana Moraes 

Arteterapeuta e Psicóloga.

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Selma Lessa
Psicóloga/ Psicologa Socorrista/ Arteterapeuta/ Especialista Junguiana/ Instrutora de Yoga Integral/ Artista Visual/ Acima de tudo apaixonada pelo Ser Humano.
Patrícia Serrano
Psicóloga 
Arteterapeuta em formação 
Pós-graduada em Psicologia Hospitalar pela FIOCRUZ
Atendimentos clínicos individuais
Atualmente compõe a Equipe Não Palavra na gestão dos materiais e eventos

Laila Alves de Souza

Psicóloga
Pós- graduada em psicologia clínica na abordagem da Psicologia Analítica.
Atendimentos clínicos pela abordagem da Psicologia Analítica no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

ARTE E DESINSTITUCIONALIZAÇÃO: UM ENCONTRO POTENTE




Por Rosangela Nery - RJ
rosanery1975@hotmail.com

Arte é cultura, e cultura fomenta reflexão e desenvolve pensamento crítico. Esse relato traz como inquietação o que o encontro entre Arte, Saúde e Cultura tem contribuído no processo de desconstrução do imaginário social da loucura.

Refletir e descrever o lugar da arte no processo de desinstitucionalização dos usuários(as) internados por longos períodos em instituições asilares, tem sido um grande desafio e ao mesmo tempo se apresenta como uma potência na construção de novas formas de cuidado e escuta. 

Nesse sentido, Joel Birman sublinha:

“A loucura torna-se verdade médica. Cria-se uma clínica das enfermidades mentais e uma concepção de terapêutica... Cria-se um corpo de conceitos, a teoria psiquiátrica, que instrumentalizariam esta prática clínica. O asilo é criado, aparecendo como figura histórica, tornando-se o lugar adequado para a realização desta cura.” (BIRMAN, 1978, p.2).

Ao falar de desintitucionalização é necessário apresentar o processo político/histórico que a antecede e regulamenta essa prática.  A Lei 10.216/01 dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas que apresentam sofrimento psíquico e redireciona o modelo assistencial em Saúde Mental na direção ao processo de desinstitucionalização a partir de novas práticas clínicas dentro dos hospitais e do uso de novos dispositivos assistenciais pensados como modelo substitutivo dos hospitais psiquiátricos, que, neste relato, será citado o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) como um desses dispositivos dentre outros existentes na Rede de atenção Psicossocial (RAPS). A Lei regulamenta o cuidado especial à clientela internada por longos anos. A relevância da arte inserida nesse contexto está em contribuir para que  os usuários da saúde mental internados em hospitais psiquiátricos ou ainda os que estão inseridos no CAPS, possam contar com a  construção de outras possibilidades de formação de vínculos, que não se dão somente a partir da escuta tradicional, mas, que é possível, através da arte, em suas várias formas, apontar à construção de uma subjetividade e caminhar a um  processo de ressignificação psíquica, visando busca por autonomia e muitas vezes chegando a uma reinserção social.

Hoje, vamos falar sobre Pedro (nome fictício), jovem, internado em um dos núcleos da Colônia Juliano Moreira* no Rio de janeiro, desde maio de 2019, já esteve em outras instituições e totaliza mais ou menos 07 anos de internação em lugares inóspitos e muitas vezes sem acesso a direitos básicos para manutenção da vida, refiro-me, por exemplo, a luz solar. O trabalho na Colônia tem sido na direção de cuidar e construir um caminho que seguirá para além do processo de desospitalização (saída do hospital).   Um dos espaços de arte e cultura existentes no território da colônia é o Polo Experimental de Convivência, Educação e Cultura, administrado pelo Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, que conta com várias oficinas terapêuticas e também oficinas de geração de renda, que visam contribuir no processo de reinserção social. Pedro, assim como muitos possui o diagnóstico de Esquizofrenia (CID - classificação internacional das doenças; F-20), diagnóstico esse atribuído à todos que se apresentavam fora da  “razão”, também há relatos do próprio Pedro sobre uso abusivo de álcool e outras drogas, o que refere com a grande causa da sua primeira internação.

Para pensar a Loucura, Foucault (1975) nos apresenta: 
                    
“As dimensões psicológicas da Loucura não podem então ser reprimidas a partir de um princípio de explicação ou de redução que lhes seria exterior. Mas elas devem situar-se no interior dessa relação geral que o homem ocidental estabeleceu há praticamente dois séculos consigo mesmo... Esta relação que funda filosoficamente toda psicologia possível só pode ser definida a partir de um momento preciso da história de nossa civilização: o momento em que o grande confronto da Razão e da Desrazão deixou de se fazer na dimensão da liberdade e em que a razão deixou de ser para o homem uma ética para tornar-se uma natureza.” (FOUCAULT, 1975, p. 97-98).

A partir do convívio com Pedro, que se apresenta extremamente preservado do ponto de vista psíquico, com muitas possibilidades e habilidades,  o mesmo é inserido em alguns projetos, todos com direção de preparo para ocupação da cidade, afinal, a rua é um lugar a ser ocupado. Um dos projetos que desperta o interesse de Pedro é a oficina de mosaico, coordenada pelo profissional V. Pedro, no auge da sua juventude e produtividade, solicita em um dos nossos atendimentos que gostaria de ter seu próprio dinheiro, ainda que seja pouco, pois entende que precisará disso para sair do manicômio. Nesse momento lembro-me de um espelho antigo com moldura de madeira que ficava no canto do meu quarto e que por várias vezes pensei em jogar fora, ufaa... Não joguei!! Levo o espelho para Pedro e digo que pode usar de sua criatividade e combinamos então que ele cobraria pelo trabalho do mosaico. O trabalho durou pouco mais de 1 mês e durante esse processo a cada dia Pedro trazia a alegria de estar novamente criando algo, estar produzindo o fazia lembrar que era humano e capaz, algo que a instituição total rouba das pessoas.

De acordo com Amarante, Venturini e Lima:

“A função da arte é alimentar e ampliar a empatia do homem com o diferente. Portanto, é possível afirmar que a arte cura a loucura. A ideia de que a arte pode ser útil ao doente mental já é antiga e deriva também do mito de que os gênios e os artistas têm sempre um pouco de loucos. Ele alertou ainda para o perigo da manipulação no uso da arte. O risco é o trabalho da arte se tornar caricatura na psiquiatria, se transformar em uma modalidade de exploração física e intelectual que corresponde ao entretenimento nesse tipo de tratamento. Penso que, no inferno do manicômio ou em todos os outros lugares onde exista repressão e marginalização, algumas obras de internos até podem ser obras artísticas, mas as técnicas não são terapêuticas, pois sem liberdade pode existir arte, mas nunca poderá existir terapia. A arte é contrária ao poder e inimiga da autoridade. Ela é cultura, e cultura fomenta reflexão, desenvolve pensamento crítico.” (AMARANTE, VENTURINI, LIMA, 2010 p.01).



A tão esperada peça ficou pronta, algo tão lindo que foi pensado um lugar para ela na exposição que acontece atualmente no Museu Bispo do Rosário. O trabalho com mosaico, técnica que propõe a colocação de fragmentos de pedras, pastilhas de vidro, seixos e outros materiais, sobre qualquer superfície, trouxe a Pedro a esperança de refazer a vida e as relações perdidas, trabalhar com essa técnica remete a possibilidades de juntar os cacos, os fragmentos de vida que foram deixados no caminho.  Pedro recebeu pela peça, seguiu no trabalho e foi inserido em mais um projeto de geração de renda no Bistrô do museu, que serve alimentos preparados por profissionais, ex - usuários que em sua grande maioria já não ocupam mais os espaços asilares dos manicômios. O trabalho com Pedro continua, ele segue internado e tendo que  lidar com a vulnerabilidade que se coloca quando o mesmo faz uso de drogas;  não tem sido fácil pra ele e para nós enquanto equipe,  a cada dia temos novos desafios a enfrentarmos, afinal, a instituição deixa marcas na vida dos sujeitos, a diferença é que hoje Pedro conta com uma equipe embasada pelos preceitos da Reforma Psiquiátrica. O desafio da superação do manicômio não está apenas em cerrar suas portas, como propõe a Reforma, mas, ao se pretender desinstitucionalizar a clientela internada, é necessário um cuidado e atenção especial, a fim de não produzir novas formas de exclusão e asilamento nos serviços substitutivos da RAPS. Deste modo, um processo de reconstrução, implica refazer as relações que a sociedade estabelece com a loucura, e a arte tem sido fundamental nesse processo e segue nos apontando uma resposta.

A exposição: “Utopias: A vida para todos os tempos e glória” acontece no museu Bispo do Rosário, inaugurada em 25/09/2019 com data de término em 25/01/2020 sempre no horário de 10 às 17h, de terça a sexta feira, e nos últimos sábados de cada mês. Venha visitar e se emocionar com os caminhos que a arte pode apontar para a vida!

O museu fica localizado na Estrada Rodrigues Caldas 3.400 – Curicica – Rio de Janeiro





* O território da Colônia Juliano Moreira originou-se a partir de um dos mais antigos engenhos de cana de açúcar em Jacarepaguá, integrando inicialmente as terras do Engenho da Taquara, que é então desmembrado em 1664 e denominado Fazenda Nossa Senhora dos Remédios. Em 1778 recebe o nome de Engenho Novo da Taquara. Após o processo de municipalização, passa a chamar-se IMAS JM – Instituto Municipal de Assistência a Saúde Juliano Moreira, e segue no processo de desinstitucionalização dos usuários para os serviços substitutivos da RAPS.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARANTE, P.; VENTURINI, E.; LIMA, R. Arte e cultura: ferramentas utilizadas para cura no campo da saúde mental. Rio de Janeiro: Informe ENSP, 2010.
DAMASCENO, N.F.P. et al . A narrativa como alternativa na pesquisa em saúde. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 22, n. 64, p. 133-140. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622016.0815.

FOUCAULT, M. Doença Mental e Psicologia. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975.

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Autora: Rosangela Ferreira Nery


Psicóloga, especialista em Saúde mental e atenção psicossocial pela ENSP- Fiocruz e em Arte, Ciência e Cultura na Saúde pelo IOC – Fiocruz, servidora da Secretaria Municipal de Saúde atuando como diretora do Núcleo de apoio a desinstitucionalização Franco da Rocha – IMAS JM/ RJ.


segunda-feira, 25 de novembro de 2019

CONVERSANDO COM FRIDA KAHLO: Um registro



Por Eliana Moraes
Instagram: @naopalavra

Conversar com grandes artistas tornou-se uma proposta bastante frequente em minha prática arteterapêutica. Creio que este diálogo pode acessar profundas questões a serem pensadas e trabalhadas em um setting arteterapêutico, pois se os artistas são aqueles que têm o dom de dar forma  às questões mais profundas da alma humana, suas obras se fazem como grandes espelhos para o espectador que se propõe a dialogar com elas. 

Há pouco tempo, no Centro Cultural Venha Conosco, Vera de Freitas e eu, oferecemos a vivência "Conversando com Cora Coralina", a propósito do evento "Encontros de Arteterapia" da Associação de Arteterapia do Rio de Janeiro. Na ocasião ainda não sabíamos que dali nasceria uma proposta tão potente, que alcançaria novos encontros. A experiência e o retorno que recebemos foram tão positivos que decidimos dar continuidade a proposta a partir de outra artista. 



Assim nasceu a vivência "Conversando com Frida Kahlo" promovida no dia oito de novembro. Frida, uma das artistas mais queridas e comentadas em nosso meio, e a partir de sua vida e obra temos infindáveis inspirações e possibilidades para práticas em Arteterapia. Mas pelo fato de estarmos caminhando para o final de 2019, decidimos propor para esta conversa a experimentação de uma das marcas da obra da artista: os autorretratos. 

Frida tinha o hábito de pintar autorretratos. Dizia: "Pinto a mim mesma pois sou o assunto que conheço melhor". Aliás, este era um dos motivos pelos quais não acatava ser chamada de pintora surrealista pois defendia que o que pintava era a sua realidade. 

O hábito de pintar autorretratos começou quando ainda acamada pelo  acidente com um bonde, seu pai montou uma estrutura com uma espécie de cavalete que possibilitava que ela se visse em um espelho e pintasse deitada. O primeiro "Autorretrato com vestido de veludo" foi dado de presente ao seu namorado da época. 



Desde então, se buscarmos pelos autorretratos da artista, poderemos perceber que periodicamente Frida se pintava, e cada autorretrato pode nos dar pistas sobre "quem era a Frida" naquele momento. Os quadros possuem uma estrutura semelhante: seu rosto no centro e em seu entorno aquilo que lhe era importante. A natureza, as flores, os animais, a cultura e as vestimentas mexicanas, indumentárias femininas e até Diego Rivera como um terceiro olho. 



As expressões faciais sutilmente variam dentre firmeza, leveza, tristeza mas sem dúvida um olhar de força. Contemplar a variedade de autorretratos de Frida, definitivamente nos convida para conversar. 

Prática arteterapêutica

Iniciamos a proposta relembrando um pouco a história de Frida e estimulamos que as participantes contemplassem alguns autorretratos que dispomos como cenografia no ambiente. "Cada um desses autorretratos dão forma à Frida de seu tempo. O que vocês podem ver nessas imagens?" E assim surgiram palavras como feminino, masculino, beleza, natureza, autenticidade, força. 


Em seguida lançamos a reflexão: "Estamos chegando ao final de 2019 e a proposta é que você faça o seu autorretrato deste ano. Para isso, pense quem era você quando iniciou 2019, quais caminhos você percorreu, o que aprendeu, o que errou, o que acertou, o que sentiu, o que viveu? Quem é você que conclui este ano que foi tão intenso para cada um de nós e para o coletivo?" 

Já tenho por hábito lançar esta proposta a cada final de ano aos meus pacientes, pois acredito que este é um momento valioso para autorreflexão e avaliação da construção do caminho de cada sujeito que se pensa em um processo terapêutico. Porém, neste encontro em específico, ficou claro que esta foi uma proposta bastante profunda e intensa para as participantes, principalmente pela densidade deste ano em específico. 



Como material, usamos da técnica mista, com colagem, desenho e pintura. Mas tivemos o cuidado de oferecer um molde para a base e uma silhueta do rosto, pois sabendo que tecnicamente pintar a figura humana é uma das propostas mais desafiadoras e consequentemente com maior potencial de resistência. A prática nos mostra que não oferecer uma "folha em branco", mas oferecer uma silhueta em traços, minimalistas que sejam, facilitam em muito o desbloqueio criativo. 

Assim nasceram quinze autorretratos carregados se significados, simbolismos e histórias deste intenso 2019. 



Conversar com artistas tornou-se um riquíssimo ciclo de encontros que retomam seus trabalhos em 2020. Até lá.


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Sobre a autora: Eliana Moraes





Arteterapeuta e Psicóloga.
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
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