segunda-feira, 18 de julho de 2016

ARTETERAPIA E NOVAS MIDIAS – Rompendo as fronteiras da geografia



Por Eliana Moraes
elianapsiarte@gmal.com


O blog Não Palavra nasceu em 2013 a partir do meu desejo de compartilhar meu dia a dia de estudo e prática da Arteterapia. Esta empreitada que começou como um diário de bordo, já trazia em seu codinome “Pensando a Arteterapia” a linha mestra deste desejo. A palavra “pensando” colocada no gerúndio, demonstra a premissa a partir da qual me autorizei a iniciar este ousado projeto: este é um caminho de reflexão, um processo, não há nada pronto e isto inclusive me permite escrever e mais a frente me desdizer se for necessário.

De fato, com este propósito em mente, eu não poderia caminhar sozinha. Com o passar do tempo ganhei como parceiras diretas Flávia Hargreaves e Maria Cristina Resende que tanto foram me enriquecendo, constituindo e me “provocando” em articulações de ideias, contribuindo para minha prática como arteterapeuta e construções teóricas.

Mas além delas, nomes já conhecidos, outras pessoas foram fundamentais neste processo: os leitores do blog. Estes são grandes parceiros, que no início eram pessoas conhecidas e amigas mas com o passar do tempo novas pessoas foram se aproximando. Hoje já atingimos um número expressivos de leitores, parceiros e amigos do blog Não Palavra, que se identificaram com nosso propósito de pensar a Arteterapia como saber, técnica e profissão. Identificaram-se também com nosso estilo de trabalho de contemplar e buscar tantos outros possíveis embasamentos teóricos para instrumentalizar o arteterapeuta em seu trabalho e para que este profissional possa atuar e se posicionar no mercado de trabalho de forma consistente.

Naturalmente, muitas das pessoas que agregaram essa construção, não estão perto de nós geograficamente. Cada vez mais estamos recebendo contatos de pessoas de outros estados do Brasil nos perguntando sobre material impresso e sobre nossas palestras, cursos, eventos e aulas.

Compartilho com os leitores que cada um destes contatos me toca de forma pessoal e profissional. Primeiramente por ser alguém bastante empática com pessoas que demonstram ter o desejo (no sentido mais profundo do termo) de aprender sobre a Arteterapia e em segundo lugar por ser uma grande militante para que ela seja uma profissão respeitada e inserida no mercado de trabalho. Isto se dá pelo fato de que, a partir da minha prática e estudo, eu acredito na Arteterapia! Aqueles que estão próximos a mim sabem o quanto eu a amo e como trabalho com ela (e por ela) com (e por) paixão.

A partir destes contatos fiquei me perguntando como me aproximar das pessoas que estão longe geograficamente, mas que se interessam em dialogar com aquilo que o Não Palavra vem desenvolvendo. Movida por este desejo, no mês de agosto estarei em Minas Gerais ministrando a palestra “Ressignificando uma biografia através da arte” no espaço AREA Arteterapia em Belo Horizonte e na Medley Escola de Música e Artes em Sete Lagoas, através da parceria com o "Café com Cultura". Abrir a porta de dividir o que tenho aprendido e vivenciado em Arteterapia para além do Rio de Janeiro está sendo mais um passo instigante neste meu caminhar.

Entretanto esta é uma prática que demanda organização de tempo e agenda além de um investimento financeiro considerável. Infelizmente não é algo possível de se realizar com tanta frequência. E assim, surgiu a ideia de lançar mão de recursos tão próprios da nossa contemporaneidade: as novas mídias.

Em 2016 o blog Não Palavra fez uma parceria com o site Centro de Humanas Episteme e tenho desenvolvido materiais de cursos on line em Arteterapia com o conteúdo que já tenho compartilhado em cursos livres presenciais, mas que a distância impede que tantos interessados possam participar. Neste seguimento, não me proponho a formar arteterapeutas, mas a passar adiante o que tenho aprendido e vivenciado, pois acredito que é isto que se deve fazer com o conhecimento.

Naturalmente, quando iniciei este projeto imaginei que alguns questionamentos me seriam feitos pelo fato da Arteterapia ser vivencial, por essência uma experiência com os materiais, técnicas expressivas e linguagens da Arte. Alias, eu mesma me fiz estas perguntas antes de aceitar o desafio. E o aceitei e investi o melhor de mim (dentro da maturidade de cada fase deste caminho) quando me dei conta que o Rio de Janeiro é um lugar com grande oferta de material, eventos e cursos na área. Mas pude perceber que esta não é a realidade em todo o país, sobretudo fora das capitais. Em segundo lugar porque acredito que embora a Arteterapia seja vivencial, ela tem teoria (própria e outros possíveis embasamentos teóricos) ao qual o arteterapeuta ou o interessado em Arteterapia precisa se debruçar, se instrumentalizando de forma consistente para esta prática.

Eu, por vocação, sou alguém estimulada por pessoas e arte, não sou a maior das interessadas em tecnologia e os métodos de comunicação mediados por ela. Mas, pegando emprestado o título de um dos textos da minha parceira Flávia Hargreaves, “a necessidade faz o sapo pular”. E a partir de então tenho pesquisado sobre as novas mídias e como elas podem colaborar para a expansão do Não Palavra e da Arteterapia como saber e profissão no nosso país. Longe de ser um movimento de banalização da Arteterapia, mas de cooperação para seu avanço.

Na primeira aula do meu curso “Grupos em Arteterapia”, para responder o porquê trabalhar com grupos terapêuticos na atualidade, faço menção ao paradoxo da tecnologia, ao qual ao mesmo tempo tem o potencial de aproximar e afastar as pessoas em suas relações interpessoais. Justifico ao grupo arteterapêutico que mantenho no meu espaço que se comprometer com aquele grupo é uma subversão ao convite tão subjetivo de nossa cultura, pois eles têm a oportunidade de saírem de sua zona de conforto, se deslocarem ao encontro de outros seres humanos e se perceberem, se pensarem como sujeitos (de) em relação. Sendo assim, escrevo, dou aulas e mantenho grupos em arteterapia também por micropolítica, para que os seres humanos não se percam de experienciar suas relações em sua profundidade.

Por outro lado, penso que a tecnologia não é vilã em si. É uma ferramenta que pode ser bem usada ou mal usada. Assim, tenho me proposto a me instrumentalizar para utilizá-la de forma responsável, por mim, pelo projeto Não Palavra e pela Arteterapia.

De toda forma, sendo esta uma ideia que venho construindo ao longo do meu caminho e crendo que não existe o caminhar sozinha, gostaria de ouvir a opinião dos leitores, parceiros e amigos do Não Palavra sobre a relação da Arteterapia com as novas mídias. Seja a oferta de material escrito, como por exemplo o blog, as ferramentas de transmissão de palestras on line (um dos meus desejos atuais) e os cursos on line inseridos na proposta do Ensino a Distância (EAD), uma questão tão atual e amplamente discutida na educação e em diversos seguimentos.

Certamente a sincera opinião de cada um que se disponibilizar a participar desta discussão, irá colaborar para meus próximos passos no caminho Não Palavra que continua.


segunda-feira, 11 de julho de 2016

MATERIALIDADE EM ARTETERAPIA

Por Flávia Hargreaves
fmhartes@gmail.com

Ilustração: Flávia Hargreaves.
Tinta acrílica aplicada com esponja e lápis aquarelado sobre papel schoeler 4R. Anos 90.

“Cada materialidade[1] abrange de início, certas possibilidades de ação e outras tantas impossibilidades. Se as vemos como limitadoras para o curso criador, devem ser reconhecidas também como orientadoras, pois dentro das delimitações, através delas, é que surgem sugestões para se prosseguir um trabalho e mesmo para se ampliá-lo em direções novas. De fato, só na medida em que o homem admita e respeite os determinantes da matéria com que lida como essência de um ser, poderá seu espírito criar asas e levantar vôo, indagar o desconhecido.” (OSTROWER, 1997, p. 32)

Este pensamento irá se desdobrar sobre a questão do que a autora designou “imaginação criativa” que seria “um pensar específico sobre um fazer concreto”. O imaginar criativo precisa levar em consideração a materialidade com a qual trabalha. A partir desta afirmação poderemos colocar que se estivermos tratando de materiais das artes plásticas como, por exemplo, o papel, precisamos entender suas propriedades, sua cor, flexibilidade, resistência, suas possibilidades e suas impossibilidades, o que não significa seguir regras, mas sim ter consciência da realidade com a qual se está lidando. Toda a ação sobre o material terá consequências.

Outra questão, ainda no que se refere aos materiais de arte, a autora coloca que o material não é somente físico, “para o homem as materialidades se colocam num plano simbólico [...].” (OSTROWER, 1997, p. 33) Tanto a matéria como as formas carregam valores culturais, nos falam de uma época, de um lugar, etc.

A autora faz um paralelo entre as potencialidades da matéria e as nossas e nos diz que:

“[...] na forma a ser dada configura-se todo um relacionamento nosso com os meios e conosco mesmo. [...] o imaginar – esse experimentar imaginativamente com formas e meios – corresponde a um traduzir na mente certas disposições que estabeleçam uma ordem maior, da matéria, e ordem interior nossa. Indaga-se através das formas entrevistas, sobre aspectos novos nos fenômenos, ao mesmo tempo que se procura avaliar o sentido que esses fenômenos novos podem ter para nós”.  (OSTROWER, 1997, p. 34)

Determinantes da matéria: possibilidades e impossibilidades de ação

Em Arteterapia sempre defendi a importância do conhecimento dos materiais pelo profissional no que diz respeito às suas propriedades físicas, ou seja, ao que seria determinante naquela matéria a ser manipulada e transformada no setting. Observa-se uma predominância da utilização dos meios plásticos, o que torna este conhecimento fundamental. Conhecer os materiais na sua dimensão física irá compor com os valores expressivos e culturais dos quais vem impregnada, um conhecimento essencial para lidarmos com esta materialidade.

O conhecimento dos materiais não se limita a oferecer uma base para a aplicação de técnicas de arteterapia, mas, ao contrário, oferece suporte para a ampliação no uso dos materiais, sustentando o  “estar ao lado” do cliente diante do “não saber se vai dar certo”, permitindo as inovações e transgressões tão fundamentais para a criação.

Houve muitas ocasiões em que meus clientes quiseram fazer algo inusitado, e me perguntaram “e se eu fizer assim? vai dar certo?” e eu pude responder “não sei, vamos descobrir”. Preciso abrir um parênteses: Certa vez, e é importante que se compartilhe também os erros, me envolvi demasiadamente em auxiliar o cliente na busca de soluções técnicas para uma proposta desafiadora e fui chamada a atenção. O cliente me repreendeu: “Você está buscando soluções pra mim!” Lição anotada. E, sim, ele estava buscando soluções para a própria vida.

De qualquer modo, enquanto o arteterapeuta se sentir inseguro diante da materialidade da sua prática ele não poderá criar este espaço seguro para que o cliente se lance na experimentação. Quando propomos uma técnica diretiva, corremos menos riscos, mas para lançar mão de uma proposta de livre experimentação dos materiais como me proponho a fazer é importante ter se experimentado nesta labuta do ateliê, no aprendizado com estas matérias. Como diz a artista Louise Bourgeois: “Fazer, Desfazer, Refazer” entendendo que cada desfazer e cada refazer é um fazer novo. E é isso mesmo, labuta, trabalho, suor, insistência, cair e levantar.

Direções Novas

Como escreveu Eliana Moraes, no texto deste blog “Micro e macro, arte e vida”[2] (28/04/2014), o micro seria o trabalho produzido no setting e o seu desdobramento seria no macro, na própria vida. Maria Cristina de Resende corrobora com este pensamento em seu texto “Observações da clínica”[3] (20/06/2016) colocando que “[...]a realidade que se cria dentro do consultório precisa ser potencializada até que transborde para fora daquele espaço terapêutico, e então as experimentações de materiais se transformam em experimentações na vida e, portanto, de vida!”

Experimentar novos meios, novos materiais também significa experimentar novos modos, novas direções na vida, descobrindo potencialidades adormecidas ou desconhecidas. Esta experiência nos fortalece, amplia nossas possibilidades de ação.

Ostrower (1997, p. 39) nos diz que “a imaginação criativa nasce do interesse, do entusiasmo de um indivíduo pelas possibilidades maiores de certas matérias ou certas realidades. [...] para poder ser criativa, a imaginação necessita identificar-se com uma materialidade.”

Finalizando volto a afirmar que a prática da Arteterapia exige do profissional certo nível de intimidade com os materiais plásticos, e para tanto este profissional não pode ocupar um lugar de estranheza com os mesmos, ou ainda estar limitado a repetição de receitas, sem se ocupar do conhecimento das qualidades e potenciais de cada material. Quando digo qualidades não me refiro somente a certo material evocar certo sentimento, etc., mas também a algo muito mais primário, como: se este material dilui em água? Demora para secar? O que acontece se eu fizer isso ou aquilo? A dimensão laboratório, cozinha das artes plásticas. E, é claro, eles também terão o seu lugar marcado na história, e este também será um estudo fundamental.

REFERÊNCIAS
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criação. 12ª ed. Petrópolis: Editora Vozes, 1997.
MORAES, Eliana. Micro e macro, arte e vida. publicado em 28/04/2014. Disponível em <http://nao-palavra.blogspot.com.br/2014/04/micro-e-macro-arte-e-vida.htmlpublicado> Acessado em 20/06/2016.
RESENDE, Maria Cristina. Observações da clínica. publicado em 20/06/2016. Disponível em <http://nao-palavra.blogspot.com.br/2016/06/observacoes-da-clinica.html > Acessado em 20/06/2016.

NOTAS

[1] Ostrower se refere à “materialidade” em um sentido amplo abrangendo “tudo o que está sendo formado e transformado pelo homem.” Podendo referir-se tanto à pedras como a pensamentos, conceitos, sons, afetos, etc.
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Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com

segunda-feira, 4 de julho de 2016

OBSERVAÇÕES DA CLÍNICA # parte 2

Por Maria Cristina de Resende
crisilha@hotmail.com

No último texto divulgado neste blog, a respeito das observações da prática da Arteterapia na clínica, falei um pouco sobre o quanto a experimentação das técnicas e materiais na pode se tornar estímulo para a experimentação da vida e de vida. Hoje, dando continuidade a estas observações, trago o tema já mencionado por Eliana Moraes sobre o repetir, recordar e elaborar, conceito da psicanálise que fala sobre uma repetição criativa, produtiva onde o individuo repete e elabora suas questões diminuindo a amplitude entre consciente e inconsciente.

E quando esta fala se torna neuroticamente repetida?

Assim podemos falar de um quadro difícil de conduzir na clínica que são os indivíduos com estilos obsessivos de ver e estar no mundo. Se no texto anterior abordamos um individuo tido como imaturo, mas que na verdade seu estilo puer o conduz a uma instigante experimentação de mundo, o individuo obsessivo, regido por senex, teme esta experimentação e por isso permanece em seu confortável círculo de experiências conhecidas. Estratégia ilusória de manutenção do controle das variáveis, ou como tenho gostado de falar, das “acontecências” da vida.

Ao longo dos atendimentos com um indivíduo com este estilo, poucos trabalhos foram sendo produzidos por ele. Mas um, especificamente, foi revelador deste movimento neuroticamente circular.

Em algum ponto de seu processo terapêutico ele foi convidado a buscar livremente materiais que o capturasse e pudessem expressar seu presente momento. Mas esta livre experimentação pode se tornar um momento de angústia para aqueles que temem qualquer movimento não planejado, sendo assim, materiais seguros e de fácil controle se tornam bem atrativos. E assim foi neste caso, um suporte de papel canson e lápis de cor preto. Mas a falta de condução o leva a não saber o que fazer, e me pergunta: “O que é pra eu fazer?”. A necessidade de alguma referência revela a dificuldade de entrar em contato com o próprio desejo e manifestá-lo plenamente através de novas experiências, que neste caso são os próprios materiais.

Respondo então que ele poderia fazer o que quisesse e que talvez fosse interessante fechar os olhos e sentir o movimento das mãos com o lápis sobre o papel. O mínimo de interferência como gatilho para o processo. E assim aconteceu. Traços não delimitados, soltos, livres, mas que retornam para um ponto em comum.

Depois de um tempo, pouco tempo, ele abre os olhos e vê o que fez. Peço então que olhe e sinta o que aquela imagem tem a dizer. “Medo, retorno ao mesmo lugar”.

O que dizer de tais frases! Por um tempo esta obra foi ressoando em nossos encontros. Porém seu impacto foi realmente sentido um ano após sua produção.

Depois de rever alguns trabalhos realizados em seu processo, ele se depara com este e percebe que suas queixas permanecem as mesmas, ainda que depois de um ano.  Esta percepção nos coloca novamente em contato com o tema repetir, recordar e elaborar, onde podemos ver que sua repetição não o leva a uma elaboração do tema, mas sim a uma manutenção do status quo que faz perdurar seus sintomas e suas queixas, pois assim o conduz por um caminho conhecido e de fácil manipulação.

O que a Arteterapia tem a oferecer em casos como este?

A experiência de manipular diferentes materiais e texturas, de produzir diferentes formas e dialogar com tais produções pode fazer com que indivíduos obsessivos se permitam, a seu tempo, a abrir espaços para novas formas, novas cores e nuances em sua vida. O ato criativo na clínica como um ensaio para novos atos criativos na vida, suavizando cada vez mais os traços rígidos do senex que rege a vida de tais pessoas. Podemos compreender este ato criativo, que aqui se aproxima do agir criativo, falado por Eliana Moraes, como uma potencialização do aspecto puer desta sizígia puer-senex.
Este par de forças inconscientes que estruturam, desestruturam e renovam nosso estado de ser e estar no mundo nos conduz a vivenciar o vir a ser, confiando nesse fluxo do devir despindo-nos da ilusória realidade de controle e de permanência. Logo, a Arteterapia atua como força propulsora para o devir, estado tão ameaçador para o estilo senex de ser.