terça-feira, 24 de novembro de 2015

ARTETERAPIA A CAMINHO DA PROFISSIONALIZAÇÃO – PARTE 2: o que competirá ao profissional arteterapeuta?


Por Eliana Moraes



Na última semana o blog “Não Palavra” iniciou a discussão sobre o momento crucial ao qual estamos vivendo, na definição da Arteterapia como profissão em nosso país. Abordamos um ponto que tem sido objeto de divergências e que merece ser discutido: a formação do arteterapeuta. Porém, compreendemos que a profissionalização da Arteterapia e o projeto de lei 3416/2015 têm implicações que vão muito além desta questão inicial. Retomando a discussão:

Ampliando o olhar para além da questão das formações acadêmicas ou não, o que devemos esperar com esta mudança como profissionais? O que precisamos para sermos reconhecidos e respeitados no mercado de trabalho como um profissional da arteterapia? Como integrar uma equipe multidisciplinar em um hospital e demais instituições como arteterapeuta e não como psicólogo com especialização? Como ser uma profissão autônoma com seu corpo teórico e técnico próprio?

Um dos pontos que vejo de extrema importância a ser conhecido pela classe e tornar-se objeto de discussão é o “Artigo 6º”, que descreve o que Compete ao Arteterapeuta. Para articular algumas de minhas reflexões sobre o tema, dividi o artigo em três blocos:

Sobre o corpo teórico próprio da Arteterapia:

 I – avaliar, planejar e executar o atendimento arterapêutico por meio da aplicação de procedimentos específicos da arteterapia;
II – orientar pacientes, familiares e cuidadores no atendimento arteterapêutico;
III – exercer atividades técnico-científicas através da realização de pesquisas, de trabalhos específicos e de organização e participação em eventos científicos;

Nestes itens percebo um convite ao avanço da Arteterapia para que se diferencie e se reconheça como campo de atuação de forma autônoma de outras profissões como Psicologia, Terapia Ocupacional , Arte-educação, etc. Ao arteterapeuta caberá aplicar os procedimentos específicos da Arteterapia. E então a pergunta se faz naturalmente: quais são os procedimentos específicos da Arteterapia?

Aqui percebemos a necessidade imperativa de que a Arteterapia produza sua identidade própria ao construir seu corpo teórico próprio. Que obviamente beberá das fontes de saberes anteriormente construídos como a Psicologia ou a Psicologia Analítica, mas que através da realização de pesquisas e trabalhos científicos, se constituirá por definição uma profissão com seu campo de atuação e teórico delimitados.

Sobre a integração do profissional de Arteterapia em instituições e equipes:

IV – coordenar a área de Arteterapia integrante da estrutura básica das instituições, empresas e organizações afins;
V – realizar consultoria, auditoria e emitir parecer técnico sobre a área de atuação do Arteterapêuta;
VI – participar do planejamento, da execução e da avaliação dos programas de saúde pública;
VII – compor equipes multi e interdisciplinares de saúde, atuando em cooperação com os demais profissionais;
VIII – encaminhar o paciente para os demais profissionais de saúde, atuando em associação ou colaboração com os mesmos;

Fiquei bastante contente quando li este trecho do projeto, pois ele faz eco com as minhas reflexões como uma psicóloga que exerceu a Arteterapia em uma instituição. Ao longo de quase cinco anos trabalhei na UIP (Unidade Integrada de Prevenção), núcleo de acompanhamento do envelhecimento dos assegurados do plano de saúde do Hospital Adventista Silvestre, RJ.

Fui contratada como psicóloga, para exercer as funções da psicologia. Mas, por ter formação em Arteterapia, aos poucos fui introduzindo-a em atendimentos individuais, em seguida em dois grupos terapêuticos e por fim agregando seus elementos na oficina de Estimulação Cognitiva.

Sou testemunha de como a Arteterapia por si só, tem absoluta condição de desempenhar um bom trabalho dentro de um hospital (ou qualquer instituição), integrando uma equipe multi e interdisciplinar de saúde, inclusive em saúde pública. Mas ainda precisamos caminhar bastante para ocuparmos este lugar, para colocar-nos como profissionais autônomos que sabem dialogar com outros profissionais de saúde e de gestão sobre quais são os potenciais específicos que a técnica da Arteterapia pode agregar para aquele corpo de trabalho.

Sobre a formação os arteterapeutas:

IX – coordenar e dirigir cursos de graduação em Arteterapia e demais cursos de educação e saúde em instituições públicas e privadas;
X – exercer a docência nas disciplinas de formação específica em Arteterapia e outras disciplinas com interface; e
XI – participar de bancas examinadoras e da elaboração de provas seletivas em concursos para provimento de cargo ou contratação de Arteterapeuta.

Diante de tantos desafios práticos e teóricos que temos pela frente como arteterapeutas profissionais, não nos resta outro convite a não ser nos responsabilizarmos pela profissão que amamos. Formadores, professores, profissionais atuantes, estudantes, que cada um represente o papel de um profissional da Arteterapia com qualidade, para que assim possamos ampliar cada vez mais nosso campo de atuação em um vasto (e altamente possível) mercado de trabalho. 

Caso tenha dificuldades em postar seu comentário, nos envie  por e-mail que nós publicaremos no blog: naopalavra@gmail.com

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

ARTETERAPIA A CAMINHO DA PROFISSIONALIZAÇÃO - O que esperar do Projeto de Lei 3416/2015?

Por Eliana Moraes




No dia 09/11 o blog "Não Palavra" promoveu seu último encontro presencial de 2015 com a palestra: "Pensando a Arteterapia" (não por acaso, este é o subtítulo do blog e nosso motivador maior como suas mantenedoras). Neste dia compartilhamos com aqueles que estavam presentes nossa percepção de que estamos vivendo um momento crucial na definição da Arteterapia como profissão em nosso país e, curiosamente, tenho constatado o “silêncio” da classe ao invés da ampla discussão que o tema merece.

Tenho observado as informações que circulam em redes sociais e contatos com colegas da minha rede de relacionamento na área. Um ou outro comentário, poucos compartilhamentos ... não era desconhecimento, já que todos os associados receberam a “carta de desagravo” assinada pela UBAAT, encaminhada aos associados pelas respectivas associações regionais e publicada nas redes soiciais (13/08/15), relativa ao encaminhamento do PL 2579/2015 pelo deputado  Deputado Giovani Cherini, do PDT/RS (11/08/15). Nesta carta a UBAAT informa aos associados que seriam tomadas providências para esclarecimento e reversão do quadro.

Minha primeira reação foi me perguntar: “Reversão? Carta de desagravo? Não é bom a Arteterapia ser reconhecida como profissão?” Senti que era necessário buscar as informações concretas para que eu pudesse formar minha própria opinião de forma embasada.

Na ocasião, a página não-palavra no facebook compartilhou o link onde todos poderiam acessar o conteúdo do projeto de lei cuja a ementa básica é regulamentar a profissão de Arteterapeuta. Houve alguma mobilização mas muito tímida, considerando que nesta proposição, se aprovada, se desqualificaria os cursos livres de formação, colocando em risco os estudantes e recém formados em Arteterapia neste modelo, como fica claro no artigo 3º, a seguir:
Art. 3º O exercício da profissão de Arteterapeuta é assegurado: I – ao portador de diploma de graduação em arteterapia, conferido por instituição de ensino reconhecida oficialmente; II – ao portador de diploma de nível superior em Arteterapia ou equivalente, conferido por estabelecimento estrangeiro de ensino segundo as leis do respectivo país, registrado em virtude de acordo ou convênio internacional ou revalidado no Brasil como diploma de bacharel em Arteterapia ou equivalente. III – ao profissional que tiver concluído o terceiro grau e que tenha curso pósgraduação em Arteterapia; e IV – aos profissionais que, até o início da vigência desta Lei, comprovem, pelo menos, quatro anos de exercício de atividades próprias ao Arteterapeuta, nos termos a serem estabelecidos por órgão regulador competente. (disponível em: <http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1599121 > acessado em 14/11/15).
Dia 30 de agosto, na Assembléia da AARJ, foi reafirmado que a UBAAT e as Associações Regionais estariam tomando as providências para que fossem feitas as “correções” no projeto, com o objetivo de garantir o reconhecimento dos cursos de formação e garantir a situação dos estudantes e os profissionais com menos de quatro anos de atuação na área.
De lá para cá, pouco se falou a respeito. Quanto a mim, estaria garantida por já ter cumprido este prazo, e, por ser psicóloga, não me sentiria ameaçada. 

Entretanto, na palestra do blog, em outubro sobre outro tema, testemunhamos emergir do silêncio, a angústia, a incerteza e a desorientação no público com relação a PL 2579/2015. E, a partir daí, nos mobilizamos para buscar informações, e incluímos este tema em nossa palestra de encerramento “Pensando a Arteterapia”(09/11/15).

O blog se baseou nas informações públicas disponíveis nos sites da UBAAT e da Câmara Legislativa, e é importante ressaltar que não utilizamos nenhuma informação privilegiada.

Na palestra foi apresentada a situação atual da Arteterapia, incluída em 01/01/2013, na Classificação Brasileira de Ocupação sob o nº CBO 2263-10, ao lado de Musicoterapeuta , Equoterapeuta e Naturólogo, como profissionais das terapias criativas,equoterápicas e naturológicas. (disponível em  <mtecbo.gov.br> acessado em 04/11/15).

Curiosamente, musicoterapia está nesta lista, pois ela já é reconhecida como profissão desde 2007, e sua formação reconhecida equivale à proposta do PL 2579/2015, bacharelado e pós-graduação.

Durante a pesquisa foi divulgado o novo projeto de lei:  PL 3416/2015, apresentado em 27/10/15, pelo mesmo deputado. Pela informação no site da Câmara, o prazo de apresentação de emendas para o PL 2579/2015, expirou em 10/09/15, sem apresentação de emendas. Isto provavelmente motivou a criação de novo projeto de lei.

Então, neste momento temos o PL 3416/2015, que altera o art. 3º, item III, a seguir:
Art. 3º : III – ao profissional que tiver concluído o terceiro grau e que tenha curso de formação ou de pós-graduação em Arteterapia, seguindo os parâmetros curriculares estabelecidos por entidade reconhecida na Classificação Brasileira de Ocupações - CBO(disponível em < http://www2.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2024910> acessado em 14/11/15).
Esta pequena grande mudança, traz tranquilidade para os atuais estudantes e formadores, o que achamos justo. Mas vale lembrar que estamos no início do processo e é importante que a classe acompanhe os encaminhamentos da lei e possíveis emendas que possam cruzar este caminho.

Mas, o que esperar do PL 3416/2015? O que muda para a Arteterapia ser uma profissão reconhecida?

Ampliando o olhar para além da questão das formações acadêmicas ou não, o que devemos esperar com esta mudança como profissionais? O que precisamos para sermos reconhecidos e respeitados no mercado de trabalho como um profissional da arteterapia? Como integrar uma equipe multidisciplinar em um hospital e demais intituições como arteterapeuta e não como psicólogo com especialização? Como ser uma profissão autônoma com seu corpo teórico e técnico próprio? Estas me parecem perguntas pertinentes para nossa reflexão que darei seguimento em um próximo texto.

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terça-feira, 10 de novembro de 2015

ARTETERAPIA PELO MUNDO: MARGARETE NAUMBURG

Por: Maria Cristina de Resende

Quando pensamos em Arteterapia e sua história qual o nome que nos vem à mente ou nos é apresentado: possivelmente Dra. Nise da Silveira.

Entretanto, a mesma sempre enfatizou que sua prática NÃO era Arteterapia, e logo, me vem à questão: como usar um nome como referência para uma prática quando este nome não a reconhece como fonte legítima de seu trabalho?

Precisamos então buscar na história da Arteterapia seus fundadores, sua constituição técnico-teórico que permita que pensemos as bases da construção de nossa prática profissional.

Ao buscar estas bases cheguei a um nome quase não mencionado pelo meio da Arteterapia: Margarete Naumburg, uma das primeiras teóricas da Arteterapia nos EUA e co-fundadora da Associação Americana de Arteterapia.
Margaret Naumburg

Margarete começa sua história contando sobre os difíceis anos de escola, tanto no período da educação fundamental, quanto no ensino médio. Sua principal reclamação era a rigidez e os formatos que pouco possibilitava o desenvolvimento da criatividade da criança e do adolescente. Mas em 1912, já adulta, ela entra em contato com uma nova prática na educação: o método de Maria Montessori, na Itália. Aqui, a criança é observada a partir das fases do desenvolvimento infantil, priorizando a experimentação de seu mundo subjetivo e também de tudo que o mundo oferece a ela. Notadamente influenciado pela psicanálise, este método encanta Margarete que leva para Nova York esta nova possibilidade de ensino.

Juntamente com a observação do desenvolvimento infantil e a liberdade de expressão, Margarete começa a introduzir os conceitos da psicanálise na Educação justificando que até o momento este campo tratava apenas com a superfície da mente, a consciência. Para ela era imprescindível que a abordagem da educação sofresse ajustamentos que contemplassem essa nova perspectiva.

Aqui é preciso destacar que neste momento da história da humanidade, o início do século XX, é marcado por inúmeras transformações tanto no campo das ciências humanas, quanto nas ciências exatas. A psicologia começa a se estabelecer como cadeira científica, a psicanálise revoluciona o modo de pensar o homem quando introduz o conceito de inconsciente enquanto instância reguladora de sua mente e de seus atos. Na arte observamos a revolução da arte abstrata, na política e na economia temos a 1ª e a 2ª Grande Guerra. Ou seja, o mundo está mudando, e com esta mudança novas formas de pensar o mundo, de estar no mundo e de enxergar a si mesmo precisam ser reformuladas.

Nessa busca, um dos pontos fundamentais em que Margaret se apoia é no fato dela não poder se apresentar como psicanalista, uma vez que sua formação vem da Educação, ainda que seus princípios da educação estejam baseados na psicanálise. Logo, ela combina suas bases da Educação, campo em que é reconhecida e respeitada e alia aos ensinamentos da psicologia e psicanálise através da arte.  Aqui Margarete já tem publicado seu primeiro livro “A criança e o mundo”[i], de 1928, e em 1943 ela se junta ao Comitê de Arte na Sociedade Americana de Educação que estudava Arteterapia no Museu de Arte Moderna de Nova York.

Nasce então, o interesse pela terapia ocupacional, um dos grandes campos em que a Arteterapia bebe na formulação de sua prática. Nesta época, esta área da saúde estava ganhando cada vez mais espaço nos EUA uma vez que fora muito atuante nos militares sobreviventes da guerra, no tratamento dos sintomas do pós-guerra, hoje conhecidos como Stress Pós-Traumático.

A terapia ocupacional é conhecida desde a antiguidade, quando os egípcios indicavam atividades ocupacionais como passeios, alfaiataria, musica, pintura e outras atividades para os que tinham a “mente agitada”. Nos templos de Esculápio, tais atividades faziam parte do tratamento que os sacerdotes ofereciam aos enfermos que buscavam a cura através do Deus Médico.

Mas a metodologia de tal prática diverge daquela que Margarete estava formulando, e mesmo assim era reconhecida e administrava cursos para os alunos desta área.

Ainda em 1943 ela publica um caso clínico no artigo “Arte Expressiva de uma criança e a Guerra”[ii], seu trabalho clínico começa a se desenvolver, cursos são ministrados, atendimentos clínicos são realizados, e aos poucos a teoria começa a ficar cada vez mais consistente e em 1950 ela é um dos nomes mais importantes dessa nova abordagem. Em 1949 o seguinte artigo é publicado:

“O significado psicoterapêutico da produção artística de uma Escola de Meninas”, proclamando: Arteterapia – o uso dos desenhos para o estudo dos problemas emocionais de crianças e adultos – é agora um procedimento estabelecido pela psiquiatria. E ele continua: ‘Uma das pioneiras mais conhecidas no campo da expressão artística espontânea é a Dra. Margaret Naumburg, de 59 anos de idade.  Nascida em Nova York artista-psiquiátrica, que dedicou os últimos dez anos de sua vida para sua própria forma de Arteterapia’. Mesmo não sendo médica, artista nem psiquiatra, ela continua a luta para achar seu lugar profissional no mundo”.[iii]

O fato de buscar este lugar, ainda não definido, nos faz pensar até hoje sobre o lugar do Arteterapeuta hoje no paradigma atual do sistema de saúde brasileiro. Quem é este profissional? Qual sua formação? Como ele esta sendo preparado para lidar com as demandas médicas, acadêmicas, técnico-teóricas atuais?
Para Margarete esta preocupação ficou cada vez maior a partir dos anos 50, quando a falta de características próprias da área em que batalhava para fundamentar, foi estreitando cada vez mais suas possibilidades de atuação, até que em um encontro médico anual o Dr. René Spitz, psicanalista, a lançou um desafio:

“Não esta claro em minha mente sobre os aspectos essenciais da situação terapêutica de um lado, e dos procedimentos terapêuticos de outro. Eu sinto muito forte que em algum momento nós precisaremos diferenciar claramente as diferenças básicas da terapia analítica e da Arteterapia....Eu gostaria de pleitear aos arteterapeutas que façam um paralelo entre os procedimentos usados por eles contra os procedimentos da análise clássica – tal confronto irá nos ajudar muito a entender muitos dos aspectos da arteterapia que até este momento, não estão suficientemente claros, pelo menos não para mim”.

Este desafio tomou Margarete profundamente e dez anos depois de muita pesquisa, estudos e dedicação ela responde em 1966 através do livro “Arteterapia dinâmica orientada: Seus princípios e práticas”[iv]. Aqui ela retira o termo “analítico” de seus textos para diferenciar que sua prática era sim diferente da psicanálise freudiana.

E com esta referência de estudos para os alunos e profissionais da Arteterapia fica a reflexão: você é um analista que usa expressões artísticas no consultório ou um arteterapeuta que compreende a dinâmica psíquica a partir da teoria freudiana, ou Junguiana, ou gestáltica, ou comportamentalista, ou humanista, ou qualquer teoria da personalidade que atenda seu estilo de trabalho?
Está claro para você, aluno ou profissional, qual o seu campo de atuação e quais são as bases que fundamentam esta prática que defendemos hoje como legítima de atuação terapêutica?

Para mim, está claro que a Arteterapia é um hibrido de diversas fontes teóricas: terapia ocupacional, história da arte e teorias da arte, educação, psicologia, psicanálise e psiquiatria. E para que possamos estar defendendo nossa prática perante o meio médico e acadêmico é preciso estabelecer uma relação profunda entre tais campos e a nossa prática atual, formatar seu campo teórico próprio a partir de conceitos consistentes e de metodologia própria, baseada na pesquisa, na teorização e na experiência prática.

Para saber mais sobre o artigo sobre Margarete Naumburg acesse o link abaixo da Universidade da Pensilvânia, fonte principal deste artigo.


CONTATO: naopalavra@gmail.com





[i] The Child and The World
[ii] Children´s Art Expression and War
[iii] Tradução livre da autora
[iv] Dymanically Oriented Art Therapy: Its Principles anda Practices.

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

PRIMAVERA NISEANA

Por Flávia Hargreaves

Nise da Silveira

Dia 6 de outubro tive a oportunidade de assistir ao longa metragem “Nise – O Coração da Loucura”, de Roberto Berliner, com Gloria Pires no papel principal, no Festival de Cinema do Rio. No dia 26 de outubro fomos brindados com uma sessão especial do documentário “Olhar de Nise”, de Jorge Oliveira, no Cine Odeon, no Rio de Janeiro. E no apagar das luzes deste outubro niseano, “Nise – O Coração da Loucura” recebe dois prêmios no 28º Festival Internacional de Cinema de Tóquio, melhor filme e melhor atriz. Não poderia deixar de citar a reedição, pela editora Vozes, do livro “Imagens do Inconsciente” de Nise da Silveira, em agosto deste ano.

A história de Nise da Silveira (1905-1999), psiquiatra revolucionária até para os parâmetros atuais, nos impressiona e nos toca profundamente, acredito que pela sua ética, pela  firmeza em suas convicções e pela coragem na luta pelo resgate da dignidade do ser humano em sofrimento e no enfrentamento com a classe medica opondo-se radicalmente aos” avanços” da psiquiatria nos anos 40 com os eletrochoques e procedimentos cirúrgicos como a lobotomia, que o filme retrata.  Contrapondo ao que ela chamava de “tortura” ,Nise traz o respeito, o afeto e a arte.

A palavra “arte” sempre cria calorosas discussões.  Está claro que o interesse de Nise era terapêutico e não artístico, mas uso aqui a palavra “arte” como uma expressão estética pessoal - mais palavras polêmicas “expressão”, “estética” e “pessoal”. O fato é que  sendo o objetivo ou não, o trabalho realizado nos ateliês de pintura e modelagem na seção de terapêutica ocupacional e reabilitação no hospital psiquiátrico de Engenho de Dentro, retratado nos dois filmes, teve em seu início a presença de um artista, Almir Mavignier, mobilizou artistas e críticos, gerou exposições em espaços de arte, e, precisamos encarar que SIM produziu obras de arte, que na minha opinião não devem ser vistas como imagens patológicas. Diante de um desenho de Raphael Domingues (1912-1979), por exemplo, estou diante de uma obra de arte, criada por um artista sensível e profundo. Não vou negar que conhecer a história de Raphael, sua doença, o estado em que se encontrava, etc. , surpreende e comove, mas afinal conhecer a história de vida do artista, não raro trágica, nos afeta.

Tudo isto me faz refletir sobre o papel do artista em um espaço terapêutico. O que ele recebe e o que ele proporciona ao cliente nesta experiência do ateliê terapêutico? Qual o papel do arteterapeuta neste contexto? Porque um ateliê de livre expressão individual é tão difícil de ser assimilado pelos arteterapeutas, mesmo tendo Nise da Silveira como a maior referência no uso terapêutico de atividades expressivas e em leitura de imagens? Perguntas ainda sem resposta...

Pela minha experiência na Casa das Palmeiras [1], onde atuo como monitora no ateliê de desenho e pintura desde maio de 2014, posso confessar que enfrentei dificuldades diante da não interferência, em deixar o processo fluir livremente, espontâneo. Durante muito tempo tive a impressão de que não fazia nada, o que acabava trazendo um certo incômodo e desânimo. Hoje percebo que se você não desistir, aos poucos vai percebendo que o fundamental é exatamente e tão simplesmente “estar ali”, e aos poucos fui entendendo que muito além das imagens produzidas pelos clientes está o afeto e a relação. O afeto catalizador, segundo Nise, que possibilita a abertura desta via de comunicação através das imagens.

Então talvez o grande legado de Nise seja justamente o resgate pelo afeto da humanidade dos outrora chamados alienados. Afeto impossível de dissociar da ética e do respeito ao ser humano e à vida. Talvez por isso mostrar sua história arrebate os corações do outro lado do mundo, e dê ao filme “Nise – O Coração da Loucura”, prêmios dos quais os brasileiros devem se sentir orgulhosos.

Contato: naopalavra@gmail.com

Conheça a Casa das Palmeiras : http://casadaspalmeiras.blogspot.com.br/

[1] A Casa das Palmeiras foi fundada em 1956, pela psiquiatra Nise da Silveira, com a colaboração da psiquiatra Maria Stela Braga, da artista plástica Belah Paes Leme, da assistente social Ligia Loureiro e da educadora Alzira Lopes Cortes.informações disponíveis no blog: < http://casadaspalmeiras.blogspot.com.br/ > acessado em 01/11/15.