segunda-feira, 24 de abril de 2023

A IMPORTÂNCIA DA PRÁTICA E O PROCESSO CRIATIVO

 


“Qualquer pessoa que pratique um esporte, um instrumento ou qualquer forma de arte tem que se exercitar, experimentar, treinar. Só se aprende fazendo.” Nachmanovitch

 

Para a prática da Arteterapira, o fazer, o processo criativo, dar formas, referem-se à organização, ao conhecimento, criando possibilidades de compreensão e consequentemente, de transformações.

Segundo Angela Philippini, a Arteterapia tem seu trajeto marcado por símbolos particulares que assinalam, informam e definem sobre os estágios da jornada de individuação de cada um. E diz ainda que a Arteterapia fala de um caminho feito de cores e de formas, repleto de significado. (PHILIPPINI, 2013)

A partir deste processo de criar, com a forma surge a possibilidade de informar,  esclarecer, explicar algo, trazendo informações e conhecimento para a consciência. Conteúdos inconscientes irão aparecer a medida que o indivíduo se expressa produzindo formas, construindo uma nova visão, com novas descobertas, ampliando o conhecimento de sua personalidade, do seu eu interior. Sendo condição fundamental que o indivíduo se permita exercitar, experimentar e expressar-se de forma autônoma e livre.

O processo arteterapêutico se faz como uma jornada ou um caminho criativo que tem o objetivo de dar formas e materialidade ao que ainda é desconhecido, o que ainda não apareceu, mas precisa ser descoberto (revelar o que está coberto) e liberado. Ganhando forma e concretude, pode aparecer através de símbolos, que vão informar, explicar, estruturar, transformar, transcender e superar. Esse processo precisa ser acompanhado por um profissional da Arteterapia, que irá estimular e acompanhar os passos, as escolhas e atitudes do indivíduo, indicando e disponibilizando materiais plásticos adequados, facilitando assim sua caminhada com produções expressivas e ampliando sua comunicação.

Através de cada processo criativo, do fazer, do criar, do exercício e da experimentação de materiais plásticos diversos, de acordo com as linguagens expressivas e estímulo adequados, a Arteterapia pode facilitar a descoberta de conteúdos internos esquecidos, escondidos ou ignorados, que poderão, trazidos para consciência, melhorar o jeito do indivíduo ser e estar no mundo. Trazendo novas possibilidades e maneiras mais leves de se relacionar.


De acordo com Alexandra Duchastel, em seu livro O Caminho do Imaginário, seguir o caminho do imaginário, ou o caminho de todas as imagens criadas espontaneamente, é investir em uma grande caça ao tesouro, indo de uma imagem a outra até chegar no centro de si, explorando diversos meios de expressão, diversos materiais plásticos expressivos.

Cada material plástico tem sua especificidade, sua singularidade, bem como suas propriedades e benefícios terapêuticos que deve ser experimentado, para se conhecer seus efeitos em cada indivíduo com seu processo, facilitando, descobrindo e desenvolvendo algumas habilidades, capacidades e talentos desconhecidos.

É função do arteterapeuta estimular e facilitar o indivíduo e seu processo de criar, para surgimento de questões e conteúdos significativos, olhando para si e trabalhando com a expressão criativa, com o fazer, o criar a partir das suas mãos.  E assim, ativando este processo de criar e se expressar, este indivíduo poderá se organizar e se conectar com o mundo interno e externo, transformando relações mais saudáveis tanto consigo mesmo, como com o mundo à sua volta.

Com essa atitude de se olhar, de conseguir expressar e comunicar o que é importante através do seu fazer, com suas mãos, com a materialidade e a liberdade, caminha-se para a autonomia criativa e expressiva, para o encontro com seu ser criativo, descobrindo o seu próprio jeito de criar, seu estilo, o seu processo criativo.

A Arte e as imagens produzidas em um contexto arteterapêutico permitem uma importante relação entre o consciente e o inconsciente, entre a sombra e a luz, sobre o indivíduo e seu processo de criar e a sua relação com mundo externo.

Para Fayga Ostrower toda forma é forma de comunicação e de realização, correspondendo também a aspectos expressivos de desenvolvimento interior. (OSTROWER, 2016)

 

Referências bibliográficas:

Para Entender Arteterapia – Cartografias da Coragem – 5ª edição

Angela Philippini – WAK Editora – 2013

Criatividade e Processos de Criação – 30 edição – Fayga Ostrower – Editora Vozes – 2016

O Caminho do Imaginário – 1 edição – Alexandra Duchastel – Paulus – 2010

Ser Criativo - O poder da improvisação na vida e na arte – Stephen Nachmanovitch – 5 edição – Summus editorial


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Sobre a autora: Vera de Freitas



Advogada, Fomação e Pós Graduação em Arteterapia e Envelhecimento Ativo,  Subjetividade e Arte(POMAR).

Administradora do Instituto VENHA CONOSCO - Tijuca, RJ

Professora de Iniciação Artística - Instituto ZECA PAGODINHO 

Professora de Ateliê Terapêutico/Curso de Formação - POMAR

Diretora Administrativa  da AARJ 

Facilitadora de Grupo de Arteterapia  para adultos e Grupo de Desenho Livre.

Ateliê  de PAPEL MACHÊ e Diário Criativo.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

RACIONALISMO APAIXONADO

Por Silvia Quaresma - SP

othila.arteterapia@gmail.com

Definido como ser racional, o homem tem em sua trajetória a expectativa de trazer à razão tudo o que tem contato, tudo que aprende e tudo que aplica.

O que é racional?

Em suma, é o ser que pensa, age segundo a razão, raciocina. Ser racional é a característica que separa o homem dos outros animais, segundo Aristóteles.

Racionalismo é uma corrente filosófica cuja argumentação está baseada em ter na razão a única forma de se alcançar conhecimento por completo, excluindo emoção, o que observamos não ser de comum acordo com Dra Clarissa:

“Já houve quem dissesse que o racionalismo nunca é apaixonado, e que a paixão nunca é racional. A meu ver, isto está errado. Uma vida racional digna de ser vivida é profundamente apaixonada. Uma paixão digna de ser sentida tem meios racionais para se moldar bem e se manifestar na realidade consensual. Trata-se de um processo conjunto, como o das raízes da árvore que fazem crescer a copa; e a copa da árvore que envia mensagens às raízes para que elas cresçam e se expandam também”. (ESTÉS, 2007, p.68).

 

A reflexão sobre esta afirmação pode iniciar pela palavra nunca e seu significado: em nenhum tempo, nenhuma circunstância. Como determinar?

Como dizer que a vida, cheia de nuances e de movimento, atrevendo-se a ser racional, deixe totalmente de lado a emoção?

Ao citar a árvore detentora de uma comunicação entre suas partes a autora faz uma provocação e convida a repensar como que os processos humanos acontecem tendo em vista a troca de conhecimentos.

Em meu processo surgiu a imagem da árvore como ser que nutri ao mesmo tempo em que é nutrida. Ser magnânimo de doação, de acolhimento, de promover a vida, de dar frutos, de oferecer sombra ao mesmo tempo que aproveita os benefícios do sol, De ter nas raízes a sabedoria e a firmeza e em sua copa a magia e beleza.


 

 Da árvore nutrida surgem e criaturas aladas que representaram o homem que não é só capaz de entender, racionalizar, pensar sobre o mundo.

 Surge um ser que voa alto, o ser capaz de ir à busca de si mesmo e de tentar conhecer-se. Este ser que se questiona de onde veio, para onde vai, que sentido tem sua vida, se existe o tal propósito.

É sim, um ser racional, mas humano, uma pessoa apaixonada e apaixonante que possui o colorido conseguido na árvore que nutri, dono de racionalismo forte, capaz, apaixonado.

 

 

Bibliografia

ESTÉS, Clarissa Pinkola. A Ciranda das Mulheres Sábias, Rio de Janeiro, Editora Rocco, 2007.

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Sobre a autora: Silvia Quaresma

 


 Arteterapeuta

AATESP 665/0720

Graduada em Letras, pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Moema - SP

Pós-Graduada em Finanças, Ibmec - SP

Pós-Graduada em Arteterapia e Criatividade – NAPE – Faculdade Vicentina em parceria com Instituto Freedom

Professora especialista de artesanato

Idealizadora do Projeto Customizando Emoções –Interface entre Artesanato e Arteterapia

Idealizadora Othila Arteterapia em ação (@othila.arteterapia)

Idealizadora Fio que sente (@fioquesente)

Coordenadora de Grupos de Arteterapia em Instituição para cuidadores e voluntários

Atendimento em Arteterapia (individual e grupos)

segunda-feira, 10 de abril de 2023

GRUPOS ARTETERAPÊUTICOS E SUAS DIVERSAS MODALIDADES


Eliana Moraes – MG

naopalavra@gmail.com


Desde o início de 2022 venho atualizando meus estudos e escrevendo sobre grupos arteterapêuticos e seu grande potencial de contribuição às relações contemporâneas, em especial a este momento “pós” pandêmico. Compreendemos que, dentro de um fenômeno coletivo, as relações humanas estão em crise. Entretanto se elas se apresentam como um desafio, também são fontes de alento. Se por vezes podem intoxicar como um “veneno”, através delas recebemos um “remédio”. Se por um lado são fonte de sofrimento, nelas encontramos a “cura”. Nas palavras de Beatriz Cardella: 


Os sofrimentos humanos acontecem no entre, nos encontros e desencontros vividos ou nos encontros não acontecidos. A cura é também fenômeno do entre, concebida em Gestalt Terapia como a restauração da abertura, do ritmo, do fluxo, do diálogo, da criatividade, e dos laços que nos unem/diferenciam do outro, processo de crescimento, atualização e realização da singularidade.

A relação terapêutica pode ser a experiência matriz da abertura... (CARDELLA, 2020, p 103)


A cura em Gestalt Terapia, está intimamente ligada com relação, com restauração ou constituição do Diálogo. É o que chamamos de cura pelo Encontro...

O que cura na terapia é a relação em si, é o entre. É o “sou amado, logo existo”. (CARDELLA, 2020, p 119)


Tenho estimulado que arteterapeutas da rede Não Palavra e das formações que leciono criem propostas grupais, algo tão característico da Arteterapia, com a consciência dessa demanda e importância social. Sincronicamente iniciei os trabalhos de supervisão de estágio na pós em Arteterapia pelo Instituto Faces, em parceria com Mariana Farcetta. Nesses espaços com frequência nos debruçamos em compreender as diversas modalidades de grupos arteterapêuticos possíveis de forma que o arteterapeuta as conheça e amplie seu repertório e práticas – atuais e futuras. 

Esse estudo motivou a escrita do presente texto, para o registro  mais estruturado dessas diretrizes que servem para orientar tanto o arteterapeuta quanto os participantes, e também, possíveis gestores institucionais, sobre uma proposta arteterapêutica bem delineada. 


Presencial ou on-line

A prática arteterapêutica grupal presencial amplia as formas de comunicação para além da verbal e expande o contato – no on-line, tão reduzido pela tela e caixas de som. No campo das relações, colabora para possíveis enfrentamentos internos e experiências reais para além do virtual/ideal e das quatro paredes de espaços físicos, por vezes empobrecidos. A presença de todos no mesmo espaço colabora para práticas criativas compartilhadas com o outro, algo tão revelador das dinâmicas e funcionamentos relacionais. Esse é um espaço em que as relações e seus atravessamentos aparecem de forma mais clara, através da fala e do silêncio, dos gestos, dos diferentes ritmos e das interações entre os participantes. Da mesma forma, modalidade presencial potencializa as experiências corporais (individual ou com o outro através da voz, do toque, odores e calor de um outro corpo), os sentidos e o cinestésico. Propicia também o aumento de acesso à riqueza de materiais. Como pontos desafiadores podemos citar a limitação do espaço e do tempo, sendo um formato mais restrito para que alguns encontros aconteçam. Desta forma, demanda um maior investimento integral e enfrentamento de possíveis resistências por parte dos experienciadores. 

Já as práticas on-line ultrapassam os limites da geografia, assim potencializando as oportunidades de encontros que não aconteceriam em outro formato. A facilidade de acesso também aumenta o potencial de adesão. A prática nos mostrou que, mesmo a distância, é possível mobilizar fenômenos de campo através da comunicação inconsciente e construir vínculos grupais sólidos. A presença da tecnologia pode facilitar a rapidez de acesso a conteúdos e pesquisas que sirvam de estímulos geradores ao grupo. Entretanto, pode ser limitadora na comunicação ampliada, experiências corporais, quanto a diversidade de materiais e de algumas práticas colaborativas. 


O fluxo de pessoas

Um grupo arteterapêutico pode ser aberto, quando a cada encontro é possível receber diferentes participantes, a partir de suas disponibilidades e interesses. Como exemplo podemos citar espaços institucionais em que cada encontro terapêutico se mantém de portas abertas para receber participantes que naquele dia e hora estão transitando pela instituição. Outro exemplo é o “Grupo Quíron”, sustentado pelo Não Palavra. Este é um grupo direcionado para arteterapeutas e estudantes recortarem um tempo e um espaço para sua relação própria com os materiais, processo criativo e produção de imagens. Este grupo se mantém continuado desde 2020, e a cada encontro os participantes podem se inscrever de forma independente.

Um grupo fechado se caracteriza quando os mesmos integrantes se comprometem a participar do processo grupal, excluindo a possibilidade da entrada de novos participantes ao longo caminho. Geralmente essa modalidade é utilizada quando as temáticas trabalhadas são estruturadas (melhor descritas abaixo) de forma que se um participante ingressar no meio do processo será prejudicado em sua experiência e/ou poderá interferir na jornada do grupo. 

Já um grupo semiaberto se refere à uma proposta de grupo que mantém um núcleo de participantes assíduos que constroem um vínculo continuado mas que está prevista a possibilidade de ingresso de um novo participante quando o moderador compreender que pode  ser construtivo para ele e para o grupo. 


O tempo e o número de sessões

Consideramos um grupo continuado quando é sustentado por um tempo indeterminado, geralmente seguindo o fluxo grupal. Como por exemplo, o Grupo Quíron, que se mantém ativo há três anos e permanece aquecido, por isso nossa proposta é manter a regularidade dos encontros indefinidamente. 

Já um grupo breve se dá quando já está previsto que ele terá começo, meio e fim, independente do número de sessões. Aqui temos como exemplo as práticas de estágio, que, respeitando o modelo de cada instituição formadora, via de regra, já se inicia com uma proposta de tempo e número de sessões determinados. Esta modalidade também é muito comum em instituições que apresentam um grande número de usuários, solicitando que mais pessoas possam ser beneficiadas com a experiência arteterapêutica ao longo do tempo. Desta forma, formar grupos breves, com uma rotatividade de participantes atende essa demanda. 


A estrutura da proposta 

Compreendemos uma proposta estruturada quando o moderador já conhece todo o conteúdo que será trabalhado naquele ciclo (geralmente esta modalidade funciona bem com um grupo breve). Por exemplo, se um arteterapeuta for oferecer um ciclo de quatro encontros aos quais cada vivência trará como tema um dos quatro elementos da natureza. Se o  arteterapeuta já conhece as temáticas e materiais que serão oferecidos até o fim, consideramos esta uma proposta estruturada. 

Uma proposta aberta acontece quando o moderador oferece o encontro terapêutico sem qualquer planejamento anterior, deixando com que os estímulos disparadores surjam de forma espontânea, na experiência do “aqui e agora”. Desta forma, o processo criativo acontecerá  naturalmente, a partir de algum estímulo surgido no momento, seja um material escolhido pelo participante ou uma palavra destacada pelo diálogo do grupo. Como exemplo podemos citar os ateliês de Livre Expressão sustentados pela Dra Nise e seus monitores. Os materiais eram expostos no ambiente e os pacientes interagiam e criavam livremente a cada encontro. 

Já uma proposta semiaberta ou semiestruturada se dá na interseção dessas duas diretrizes. Quando o moderador elege uma proposta inicial – um material, uma temática, um estímulo, uma consigna – e se mantém aberto para ouvir o movimento grupal gerado por daquele estímulo. A partir dessa escuta ele irá construir os próximos estímulos oferecidos ao grupo, elegendo as propostas pertinentes àquele movimento grupal. 


Sobre o grupo breve de proposta semiaberta

Este é o modelo grupal atualmente sugerido, de forma prioritária, no estágio da Pós Graduação em Arteterapia do Instituto Faces, ao qual tenho supervisionado. Neste formato sugerimos que o moderador divida o ciclo em três etapas – modelo que pode ser utilizado em outros contextos arteterapêuticos. 

A primeira etapa é embasada em um tripé, desenvolvido como um esquema de orientação, abaixo. 

Esquema de autoria de Eliana Moraes

No início de um processo arteterapêutico (seja ele em grupo ou individual) é importante que o arteterapeuta se dedique a um desbloqueio criativo, pois na maioria das vezes os participantes podem apresentar falta de intimidade ou alguma resistência com as práticas criativas. É interessante que se utilize técnicas e materiais facilitadores, sem grande potencial de resistência. A experimentação e exploração dos diversos materiais devem ser encaminhadas pelo arteterapeuta de forma progressiva quanto aos desafios apresentados por cada materialidade. 

Em meio ao desbloqueio criativo, o arteterapeuta estará com sua escuta atenta em um processo de coleta de dados. Essa coleta se dá de forma verbal – a partir dos conteúdos relatados pelos participantes – e não verbal – a partir das expressões além da palavra como o corpo, o gesto, o processo criativo, as imagens, etc. São encaminhadas atividades de apresentação, quebra gelo e propostas mais abertas, ainda não focando nas possíveis demandas terapêuticas, uma vez que nesta etapa o arteterapeuta ainda está levantando hipóteses sobre os conteúdos psíquicos dos experienciadores. 

Estas diretrizes iniciais apontam para aquilo que é a base de todo o processo: a formação de vínculo. Sem essa base, não é possível qualquer desenvolvimento terapêutico. Vale ressaltar que a formação de vínculo envolve o vínculo com o terapeuta e com os membros do grupo, uma vez que estes serão testemunhas de momentos bastante íntimos e delicados nesse caminho de autoconhecimento. 

A segunda etapa se propõe a responder as demandas do grupo apresentadas na primeira fase. É possível buscar estímulos criativos que dialoguem com algumas as questões coletadas na primeira etapa – como palavras chave e temáticas bastante repetidas ou que saltaram aos ouvidos do terapeuta. Assim, o arteterapeuta irá propor técnicas, consignas e materiais que reverberam e potencializam a elaboração de questões levantadas pelo grupo. Esta é a fase de aprofundamento em questões psíquicas apresentadas. 

Por fim, a terceira etapa é orientada para o processo de fechamento das questões trabalhadas. Na medida do possível, é importante cuidar para não se abrir novas questões. É tempo também de contribuir para que o experienciador vá se apropriando em sua autonomia para o criar, sendo estimulado para que a chama da criatividade permaneça acesa após fechamento desse ciclo. Encerrando o ciclo arteterapêutico, depois de um desbloqueio criativo e criação de intimidade com os materiais, cada experienciador poderá escolher os recursos que lhe foram mais mobilizadores e se experimentar em processos criativos mais livres e protagonistas de si, de sua obra e de sua vida.


A partir dessas diretrizes acredito ser possível instrumentalizar arteterapeutas que promovam grupos arteterapêuticos bem delineados e orientados. Essa estruturação do nosso trabalho colabora para que nossas propostas profissionais se apresentem de forma cada vez mais consistente às oportunidades que se apresentam a nós. 

Referência Bibliográfica:

CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. De volta para casa: ética e poética na clínica gestáltica Contemporânea. Editora Amparo, SP. 2020

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga
Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Cursando MBA em Logoterapia e Desenvolvimento Humano
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Faz parte do corpo docente de pós-graduações em Arteterapia: Instituto FACES - SP, CEFAS - Campinas, INSTED - Mato Grosso do Sul. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia online, sediada em Belo Horizonte, MG. 

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra"



segunda-feira, 3 de abril de 2023

LINHAS E ORIGAMI: PONTOS DE ENCONTROS



Por Isabel Pires - RJ

bel.antigin@gmail.com 

Na minha prática clínica e pesquisa pessoal sobre o uso do origami em Arteterapia, busco, na bibliografia e na minha observação, os fundamentos que podem levar à escolha da dobradura de papel no setting arteterapêutico.

Uma das peculiaridades da Arteterapia é justamente o uso de materiais diversos e o estudo da linguagem e dos possíveis efeitos desses materiais nos pacientes/clientes, ou seja, a linguagem subjetiva que cada um possui. Assim, o arteterapeuta questiona-se sobre o material mais adequado para o paciente/cliente naquele determinado momento da terapia, isto é, qual material vai facilitar a sua expressão, observação e/ou mudança naquela etapa terapêutica. Por isso, é preciso um amplo conhecimento da materialidade e experimentar uma gama variada de possíveis materiais e técnicas em seu trabalho pessoal e no setting arteterapêutico. Dentro desta perspectiva, tenho me permitido usar o origami na minha prática clínica e procuro daí extrair-lhe os usos, propriedades e indicações, embora quase sem apoio de uma literatura a esse respeito. Esse texto faz parte das minhas reflexões, ainda em processo, a partir do uso do origami na clínica arteterapêutica, na busca por construir um arcabouço teórico que aborde hipóteses sobre os benefícios terapêuticos do origami e que, também, valide a técnica da dobradura de papel – em si, uma arte - na Arteterapia.

Em meio a essa busca, percebo que a costura e o bordado apresentam semelhanças com o origami. Em primeiro lugar, o aspecto ancestral do origami, tão antigo quanto o papel. Nos seus primórdios, o papel era quase um tecido, feito de fibras vegetais, e os membros de uma mesma família se reuniam para a sua fabricação. Foi neste tipo de suporte que os primeiros trabalhos de origami surgiram, com um cunho simbólico e espiritual. Assim, as primeiras dobraduras aparecem permeadas de carga afetiva, dentro do seio familiar e religioso.

Em segundo lugar, no bordado, na costura e no origami, existem regras e etapas a serem seguidas, ou seja, todos são processos estruturados. E, assim como o bordar e o costurar, o origami também exige um percurso gradual, que vai de um trabalho inicial de dobraduras mais simples até às mais complexas, com resultados de incrível beleza e surpreendente realismo. 

Pensando em mais características em comum entre as técnicas de costura e bordado e a da dobradura de papel, relembro que, no meu texto anterior (“A arte da dobradura de papel: origami e Arteterapia”), cito a meditação, a meticulosidade, além do desenvolvimento da capacidade de concentração e de atenção. De fato, o origami exige atenção plena e cuidado, a cada etapa do processo, sob o risco de se ter que recomeçar a dobradura com outro papel, como, às vezes, também acontece com o bordado.

Analogamente, segundo Philippini (2009):

(...) ao costurarmos e bordarmos, nos colocamos na contramão das ‘correrias” urbanas (grifo da autora). Pois, costurar e bordar nos ajuda a desacelerar, e creio que são atividades que podem ser consideradas compatíveis com as práticas de meditação em movimento” (PHILIPPINI, 2009, p. 65, grifo meu).

Além disso, a autora continua: “As atividades de linha e agulha são extremamente úteis no processo arteterapêutico. Ensinam sobre a necessidade de cuidado, gradualidade, minúcia, atenção e concentração” (PHILIPPINI, 2009, P. 64, grifos meus). Dirá você, leitor: “Mas ela está falando de costura e bordado!” E respondo: “Sim, mas poderia, também, estar falando do origami”.

Nos livros que li sobre os materiais e suas propriedades, pude perceber o quanto é possível associar o origami com o trabalho com as linhas. Da mesma forma que a costura e o bordado representam linhas que ganham volume, no origami, as dobras/vincos atuam como linhas no suporte de papel. Aliás, um verbo que faz parte da arte de dobrar papel é alinhar. Dentre as muitas propriedades e indicações do uso do origami, escolhi, no meu texto de hoje, me debruçar sobre essa característica.

Partindo da metáfora da linha, a ideia de limites também permeia o trabalho com origami. Na arte da dobradura de papel, as linhas (vincos) são importantíssimas para as etapas que se seguirão, marcando o caminho de futuras dobras ou mostrando limites de uma dobra seguinte. Assim, nenhum vinco é em vão: serve para mostrar até onde se deverá dobrar ou como referência para a dobra que deverá ser (re)feita numa etapa seguinte. Por isso, podemos pensar que são como limites que apontam caminhos e definem movimentos. Pensando em limites e definições de contorno, Moraes (2021) nos diz:

As queixas terapêuticas recorrentes giram em torno de invasões, transbordamentos, excessos, dificuldade de dizer não e impor limites (a si e ao outro), dificuldade de delimitar o que pertence a um e ao outro. Neste contexto, como palavras chave para o elemento linha, podemos destacar: limites, contornos, bordas, fronteiras. Delinear, circunscrever, separar, discriminar (um e outro).  

Para compreensão da analogia, podemos trabalhar com nossos pacientes que a linha simboliza seus contornos, suas bordas, aquilo que faz o limite entre um elemento e outro, entre o que está dentro e o que está fora. (...) A linha muitas vezes é protetora de invasões, nos resguarda e preserva também de transbordamentos e exposições de nossos conteúdos. (...)

Em síntese, através de experimentos com a linha podemos trabalhar a compreensão de que o limite é estruturante e também um ato de amor, ao outro e a si mesmo (MORAES, 2021).

Em origami, quando não respeitados os limites, a dobradura fica torta ou malfeita e, na peça, indicam desleixo e falta de minúcia e delicadeza. Não serão esses, elementos importantes nos relacionamentos, nos quais a falta de limites atrapalha a relação? Como já foi dito, na dobradura de papel, as dobras/linhas marcam até onde se pode ir e indicam a direção das dobras seguintes. Portanto, servem de parâmetro para as etapas que se seguem. São linhas, portanto, que demarcam fronteiras, sinalizam caminhos e facilitam o processo. Por isso, são estruturantes, ordenadoras e organizadoras, como as linhas do bordado, da costura e da vida.


Além disso, segundo Moraes (2021), uma das propriedades do elemento linha é o seu potencial para a criação de formas. No caso do origami, as dobras/linhas formam a peça final, que não seria possível sem elas. Em Arteterapia, “dar forma corresponde a organizar para compreender e transformar” (PHILIPPINI, 2013, P. 49). Na concepção junguiana, através da criação artística, aparecem símbolos, que fazem a comunicação entre a consciência e o inconsciente. Conforme Philippini (2013), essa “comunicação simbólica cria condições de estruturar, informar e transcender”. Os símbolos aparecem na fala ou na expressão artística e serão amplificados, posteriormente, em diferentes materialidades, e é nesse momento que se pode usar o origami (pretendo abordar esse tema em texto posterior). A materialização de um símbolo, emoção ou sentimento, através de uma forma, permitirá “a compreensão, a codificação e a atribuição gradual de significado pela consciência” (PHILIPPINI, 2013, P. 49). A partir daí, num estágio seguinte, surgirá a possibilidade de transformação do conteúdo acessado.

Ainda dentro da lógica da metáfora lexical, as dobras do papel também podem nos remeter às dobras da vida, aos vincos e rastros que se fazem ao longo do nosso percurso existencial, com seus momentos mais difíceis e marcantes. O vinco, por mais leve que seja, deixa marcas no papel que não poderão ser desfeitas. Analoga e metaforicamente falando, na vida, certas atitudes ou palavras não poderão ser revertidas e deixarão seus rastros e consequências, como marcas no corpo ou na alma. Mas as marcas também representam a persistência, o propósito, o objetivo, de quem seguiu em frente apesar das cicatrizes. Assim, no origami, o resultado das dobras é uma singela, delicada e bela escultura de papel. Como exemplo dessa persistência e perseverança, cito a fala de um paciente meu, após fazer um avião-caça de origami: “Pedem pra dobrar pra um lado e, quando eu vejo, minha cabeça tá mais dobrada do que a folha. (...) Mas eu amo me desafiar, e se eu não consigo ganhar de um origami, eu vou ganhar de quem nessa vida?” (paciente J.). Esse mesmo paciente me lembra de que dobrar, na vida, metaforicamente, pode significar aprender, aquiescer, ganhar humildade no processo: “O misto de sensações me leva pra um lugar de humildade. Como transformar a ira em resultados. Eu fico com tanta raiva de tentar fazer algo que eu não consigo, que eu vou fazer até conseguir. Daí começa a parte da Humildade. Humildade em reconhecer que não sou bom em tudo. Humildade de aprender coisas novas e humildade de entender que a arte não precisa de muita coisa. Uma folha de papel e uma pessoa curiosa são o suficiente pra transformar um papel em um jato caça m-16. O resultado é até legalzinho, mas o processo que realmente é incrível” (paciente J.).

            O processo. Em Arteterapia, o processo importa bastante. O ato de fazer, a maneira como é feita e as reações durante a feitura de uma criação artística falam muitas vezes mais do paciente/cliente do que o próprio objeto criado. Sinto que, no caso da dobradura de papel, isso conta muito a favor do uso do origami no setting arteterapêutico. Mas esse é tema para um próximo texto. 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

MORAES, Eliana. “O uso da linha nas práticas da Arteterapia”. nao-palavra.blogspot.com. Minas Gerais, 15 de novembro de 2021. Disponível em: https://nao-palavra.blogspot.com/search?q=linha. Acesso em: 20/03/2023.

 

PHILIPPINI. A. Linguagens e materiais expressivos em Arteterapia: uso, indicações e propriedades. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2009.

 

_____________. Para entender a Arteterapia: cartografias da coragem. 5ª ed. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

 

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SOBRE A AUTORA:



·      Arteterapeuta

·      PSICÓLOGA CLÍNICA

·      ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA JUNGUIANA

·      PROFESSORA DE INGLÊS E FRANCÊS

·      Formada em Antiginástica ®Thérèse Bertherat

·      Formada em Jornalismo

·      Atendimentos individuais e em grupo (online/presencial)

·      Contatos:      

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E-mail: bel.antigin@gmail.com

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