segunda-feira, 27 de abril de 2015

ARTE E PROJEÇÃO: DIÁLOGOS EM ARTETERAPIA

Por Eliana Moraes e Flavia Hargreaves

René Magritte
O artista é “um homem coletivo que exprime a alma inconsciente e ativa da humanidade”. No mistério do ato criador, o artista mergulha até as funduras imensas do inconsciente. Ele dá forma e traduz na linguagem de seu tempo as intuições primordiais e assim, fazendo, torna acessíveis a todos as fontes profundas da vida. (SILVEIRA, Nise)
 A projeção é um processo inconsciente automático, através do qual um conteúdo inconsciente para o sujeito é transferido para um objeto, fazendo com que este conteúdo pareça pertencer ao objeto. (JUNG)
É de grande importância o estudo do conceito de inconsciente pessoal e coletivo proposto por Jung para quem trabalha em Arteterapia utilizando a História da Arte como estímulo projetivo, por esta trazer à tona questões que estão além da esfera pessoal do artista. É muito comum em Arteterapia utilizarmos lendas, contos, contos de fada e mitos como estímulos projetivos e como embasamento para diversas vivências, buscando através da experiência, entrar em contato com conteúdos inconscientes [...] “partindo do princípio que simbolicamente os conteúdos destas histórias são figuras arquetípicas presentes em nosso psiquismo.”*

Temos construídos nossa pesquisa e pratica, nos últimos anos, sobre a aplicabilidade da História da Arte na prática da Arteterapia, por ser a História do Homem através dos milênios, com suas incontáveis  imagens e objetos estéticos que  povoam nosso imaginário, [...] “dando forma às questões humanas individuais e coletivas.” *

Trabalhar com a História da Arte no setting arteterapêutico possibilita [...] “entrar em contato com estes diversos homens/épocas, identificando como estas imagens os afetam, observando o processo de como se percebe neste contexto, como se sente experimentando este estímulo e processo criativo. *

Desta forma, os movimentos artísticos e seus contextos históricos, os artistas e suas biografias, os processos criativos de cada um deles e suas produções nas mais variadas linguagens da arte, se apresentam como riquíssimos e potentes estímulos projetivos aplicáveis no setting arteterapêutico. Projeções capazes de auxiliar ao paciente de arteterapia a espelhar-se, (re)conhecer-se e falar-se. 

No dia 4 de maio, estaremos compartilhando nossas reflexões sobre este tema no ciclo de palestras não-palavra.

Ciclo de palestras não-palavra: pensando a arteterapia
Dia 4 de maio| SEG | 18h às 20h
História da Arte como estímulo projetivo.
com Eliana Moraes e Flávia Hargreaves 
VAGAS LIMITADAS. INSCRIÇÕES ANTECIPADAS  SOMENTE POR EMAIL :  naopalavra@gmail.com

Investimento: R$ 15,00 por palestra

Local: Botafogo.

* "História da Arte e estímulo projetivo" publicado em 3/11/14 neste blog.

domingo, 19 de abril de 2015

A AMIZADE ENTRE PINTURA E MÚSICA - Em busca da abstração


Por Eliana Moraes


A cor [e/ou a forma] é a tecla. O olho é o martelo. A alma é o piano de inúmeras cordas. Quanto ao artista, é a mão que, com a ajuda desta ou daquela tecla, obtém da alma a vibração certa.” KANDINSKY

Há algum tempo temos refletido sobre a importância de ampliarmos o nosso olhar sobre os simbolismos e as imagens figurativas na clínica da arteterapia. Inspirando-nos em artistas como Kandinsky quando teorizava que:

... a forma [e a cor] tem um conteúdo intrínseco próprio... um conteúdo-força, uma capacidade de agir como estímulo psicológico... o artista serve delas como teclas de um piano; ao tocá-las, “põe em vibração a alma humana. ARGAN

Traduzir o que sentimos em palavras não é fácil. Clarice Lispector inspirou o nome deste blog quando disse:


Então escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. LISPECTOR

Mas o que dizer daqueles sentimentos que nos impactam, arrebatam, e nos deixam atônitos, apenas tomados por uma potência de emoção sem nome, sem vocabulário, sem palavra. Kandinsky fala do potencial da arte em expressar estes sentimentos tão profundos, aos quais as palavras não podem alcançar:

Os sentimentos elementares como o medo, a tristeza, a alegria, que teriam podido... servir de conteúdo para a arte, atrairão pouco o artista. Ele se esforçará por despertar sentimentos mais matizados, ainda sem nome. O próprio artista vive uma existência completa, relativamente requintada, e a obra nascida de seu cérebro, provocará no espectador capaz de experimentá-las, emoções mais delicadas, que nossa linguagem é incapaz de exprimir. KANDINSKY

Em minha prática percebi que um caminho bastante interessante para se estimular o paciente a expressar-se por imagens abstratas é associando pintura e música. Utilizando mais uma vez História da Arte como um estímulo projetivo – nossa linha de pesquisa e prática, que vem se tornando boa parte do nosso estilo de trabalho – propus aos pacientes que experimentassem a amizade entre Kandinsky (pintor) e Schönberg (maestro), artistas que buscaram a abstração desenvolvendo ferramentas, cada um em sua linguagem própria, que permitissem descrever estados extremos da alma. A exposição “Kandinsky: tudo começa num ponto” no CCBB, fez referência  à esta amizade contando como a impressão do  “Segundo Quarteto de Cordas” de Shönberg fica marcada em Kandinsky e duas semanas depois se inicia uma longa troca de correspondências.

Kandinsky percebeu que através da música de Schönberg, a mais abstrata das formas de arte, seria naturalmente mais fácil adentrar novos territórios e alcançar suas pretensões na abstrações. A exposição também fez referência à obras do pintor que levam títulos com nomenclaturas tipicamente musicais: “Impressão e Improvisação”, “Composição”. Enfim, um diálogo entre música e pintura, som e imagem, auditivo e pictórico, ouvido e mãos.

Traduzindo a proposta deste diálogo para o setting arteterapêutico, levei para os pacientes três músicas instrumentais de diferentes estilos, com  intensidades específicas, de potências singulares. Uma por vez, pedi que cada um recebesse aquele estímulo auditivo e se percebesse: O que este som causa em você? Como ele te impacta? Que vibrações, sensações, sentimentos? Em seguida, tente perceber: Quais cores combinam com esta sensação? Fortes/fracas? Claras/escuras? Quentes/frias? Por fim, quais movimentos este som provoca no seu corpo, no seu braço? Suaves/agressivos? Arredondados/Retilíneos? Explore o papel em branco com este movimento do braço utilizando o pincel e as cores escolhidas.

O resultado foi surpreendente com expressões espontâneas, de potências e vibrações em cores e formas. Uma experiência tão profunda e intensa, que o próprio Kandinsky nos faz um convite:
Quem quer que mergulhe nas profundezas de sua arte, em busca de tesouros invisíveis, trabalha para erguer essa pirâmide espiritual que chegará ao céu. KANDINSKY

Este é um exercício que certamente contribuirá para o paciente que em algum momento chegar em sua terapia tomado por uma emoção em potência, que não poderá ser traduzida em palavra, mas poderá ser expressada em outra linguagem: em imagem.


KANDINSKY, Wassily. Do Espiritual na Arte.
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna.


segunda-feira, 13 de abril de 2015

[Des]aprendendo com os mestres

Flávia Hargreaves

"As crianças sabem algo que a maior parte das pessoas esqueceram." Keith Haring 

Keith Haring. Série 28 cabeças. 1989, aos 31 anos.

“Em 1910, Kandinsky estava com quarenta anos e contava com um belo passado de pintor figurativo. De repente, esquece o ‘ofício’ e começa a rabiscar como uma criança de três anos que ganhou papel, lápis e tintas. [...] Kandinsky se propôs a reproduzir experimentalmente o primeiro contato do ser humano com um mundo do qual não sabe nada, nem sequer se é habitável. É apenas algo diferente de si: uma experiência ilimitada, ainda não organizada como espaço, cheia de coisas que ainda não tem lugar, forma ou nome.” [...] Kandinsky se propõe a “analisar no comportamento da criança, a origem, a estrutura primária da operação estética” [1] do qual ela se afasta gradativamente cedendo lugar a experiência racional e intelectual do mundo, passando a viver em meio a significados e explicações.

Wassily Kandinsky. Primeira Aquarela Abstrata. 1910, aos 44 anos.


Ao me apresentar como arteterapeuta, ouço com frequência comentários como: “arteterapia deve ser ótimo para crianças”, “para pessoas com necessidades especiais”, “para doentes mentais”... Ou seja, a arteterapia não atende a indivíduos adultos “normais”. Estas reflexões me levam a uma outra fala muito comum no “mundo adulto”, que quando solicitado a se expressar através de imagens defende-se automaticamente: “Parei no boneco palito”, “Não sei desenhar”, etc.

Pablo Picasso. Ciência e Caridade. 1897, aos 16 anos.
“Quando eu tinha 15 anos sabia desenhar como Rafael, mas precisei uma vida inteira para aprender a desenhar como as crianças” Pablo Picasso
Ainda não tenho clareza se “eu não sei desenhar” desqualifica ou qualifica o sujeito. Considerando o processo de artistas como Kandinsky e Picasso, só para citar alguns que se impuseram este “desaprender”, em um primeiro (ingênuo) momento posso ser levada a concluir: Que maravilha !!!! Parou no ponto que grandes artistas se esforçaram em recuperar. Mas não.

Muitas vezes, simplesmente ao “crescer”abandonaram (desqualificaram) a auto-expressão por imagens da infância, mergulhando de cabeça na racionalidade em detrimento da imaginação ... Mas em algum momento da vida este “homem racional” se depara com algo que a racionalidade não dá conta, as explicações não aliviam a dor e neste momento a arteterapia pode auxiliar na recuperação de um sentido, que não é um significado ou uma explicação.
“Todas as criaturas nascem artistas. A dificuldade é continuar artista enquanto se cresce.”  Pablo Picasso
O que significa, afinal, “eu não sei desenhar?” Ou melhor o que significa “saber desenhar”? Keith Haring sabe desenhar? Sim, sabe. Saber desenhar, não só na perspectiva da arteterapia, mas também em arte, é, a meu ver descobrir um traço individual, apropriar-se de um gesto, de um movimento que lhe é próprio e valorizá-lo, buscando nesta experimentação de si através do desenho e da pintura novos modos de existir e agir. 

Os grandes mestres da Arte Moderna, Kandinsky e Picasso nos ensinam a importância de “desaprender” e resgatar a criança em sua espontaneidade e potência. O setting arteterapêutico se mostra um local propício para, inspirados nestes artistas, trilharmos este caminho de desconstrução de modo criativo. Se por um lado a história da arte nos inibe com sua exuberância e parece não restar opção senão a contemplação, a mesma história nos mostra novos caminhos e possibilidades. A Arte Moderna e a Arte Contemporânea, principalmente, nos convida a participar deste mundo criativo. Segundo Argan,  a arte “amplia a experiência que o homem tem da realidade e lhe abre novas possibilidades e modalidades de ação".

Nos últimos anos, temos tido a oportunidade de entrar em contato “não-virtual” com a obra de grandes nomes da Arte Moderna e Contemporânea e considero esta experiência fundamental na formação do arteterapeuta. Vale lembrar que o CCBB trouxe recentemente (2015) a exposição “Kandisnky: tudo começa num ponto” (Rio, São Paulo e Brasília) e que “Picasso e a Modernidade Espanhola” já pode ser visitada em São Paulo e, em junho de 2015 estará no Rio. Keith Haring também já esteve por aqui em exposição no CCBB e na Caixa Cultural.

contato: naopalavra@gmail.com

[1] ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. 5º reimpressão. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 1998.

Wassily Kandinsky (1866/ 1944), artista russo. Arte Abstrata.
Pablo Picasso (1881/1073), artista espanhol. Cubismo.
Keith Haring (1958/1990), artista norte-americano.  Pop Art.

domingo, 5 de abril de 2015

O luto, as projeções e a arteterapia


Por Maria Cristina Resende


A morte é a maneira mais brutal de guilhotinar os fios da projeção. Estes, que se comportam como elásticos, retornam com a força proporcional à sua tensão e invadem, com a mesma brutalidade que fora cortada, as intimidades da psique. Ali, tocam e acordam quietos conteúdos que habitam o entorno daqueles outrora projetados, e agora, todos insones, reclamam e berram ao pé do ouvido do Ego, que desorientado com tantas informações pode recorrer a qualquer patologia para salvar-se do não preparado confronto, do não trabalhado “recolhimento de suas projeções”.

Resta a ele o apoio de alguma ferramenta terapêutica para retomar suas projeções e restabelecer a dinâmica psíquica que fora acometida pelo mal súbito da realidade. Esta revela que na verdade quem morre não é o outro, mas o outro em nós. E mais difícil do que agüentar a morte de alguém é agüentar a morte de um de nós!

Crises de ansiedade, crises de pânico, fobias ou problemas do sono podem ser uma dessas balsas que o Ego se agarra diante da possibilidade de um naufrágio psíquico. O que fazer diante do horror do incontrolável? Diante da impotência humana sobre os ciclos de vida-morte-vida? Não acredito que o caminho seja ir contra este movimento, mas a favor, ou seja, não se segurar em bóias que na verdade só deixam à deriva os afetos “abandonados”, mas mergulhar o mais fundo possível, sentir a dor, refletir sobre esses conteúdos que invadem a mente, mas que um dia estiveram depositados em outrem. Deixar que esses vizinhos, agora acordados e solidários àquele que retorna só para sua casa, falem e se apresentem.

Ao fazer esta, nada fácil, tarefa é possível compreender quem de nós esteve junto com aquele que partiu, como o olhávamos, o entendíamos, o que esperávamos, como o sentíamos e principalmente, o que ele nos evocava. Nesse processo, além de sermos “obrigados” a nos reaver com o que projetamos no outro, se faz necessário que nos apresentemos aos conteúdos vizinhos, que agora querem seu espaço.

Essas foram as minhas percepções ao longo dos primeiros dias do meu processo de luto. Perdi uma irmã de apenas 11 anos, literalmente de um dia para o outro, não tivemos tempo para compreender que havia um processo de morte e que aquela pessoa, e tudo meu que estava nela, estava indo embora.

A partir das minhas reflexões e da leitura que a Psicologia me dá, enquanto Psicóloga que estou, percebi em mim mesma e nos meus familiares tudo o que orientava e pontuava para meus pacientes de forma muito viva e gritante. Com a ajuda da literatura tenho a oportunidade de compreender mais a fundo esse processo e de poder estar aqui hoje passando adiante minhas percepções e conclusões a nível profissional.

A compreensão do processo de luto é uma tarefa que exige muita paciência e reflexão por parte de quem vive, de quem está em seu entorno e principalmente do profissional que trabalha com alguém que vive este momento. Quem vive, acredita, durante um bom tempo, que não resistirá à tamanha dor, busca culpar-se, punir-se pelo que fez ou deixou de fazer. Quem está ao seu entorno, muitas vezes não agüenta compartilhar o sofrimento e, ou se afasta, ou busca através de frases de efeito, de conselhos clichês e até mesmo de curas mágicas, possibilidades externas para ajudar a “acabar” com a dor (talvez com o objetivo máximo, ainda que oculto, de acabar com a própria dor). Por fim, o profissional precisa de paciência e de uma escuta refinada para saber que este é um movimento muito singular da psique e que tem um tempo próprio, e não as 2 semanas dadas pelo nosso “adorável” DSM-V. um tempo onde lentamente a fala e/ou as expressões realizadas no consultório podem dar indicativos desse movimento psíquico, para onde ele aponta e o quem vem junto com ele. Freud já dizia em Luto e Melancolia que 
“embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais nos ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica e submetê-la a tratamento médico. Confiamos que seja superado após certo lapso de tempo, e julguemos inútil ou mesmo prejudicial qualquer interferência em relação a ele”.[1]

Para Jung, em nossa psique reside um grande conjunto de conteúdos que chamamos complexos. Estes estão conectados uns com os outros, assim como ilhas de um arquipélago que se conectam através de um substrato em comum. Nossos complexos se apresentam para nós através das projeções, movimento natural da psique em que olhamos o outro através das nossas lentes, vemos no outro partes de nós, boas ou não que ficam carregadas da nossa energia psíquica. O que tornam as relações mais próximas muito afetivas, ou melhor, afetadas por nossos conteúdos. No luto, a perda do objeto dessas projeções, faz com que elas retornem para nossa psique, e quando ocorre um movimento muito brusco de introjeção da libido, como dito anteriormente, esses complexos ficam carregados e acabam por invadir o Ego com essa sobrecarga de energia, daí as diversas informações que ele recebe e que podem bagunçar ainda mais o processo doloroso do luto.

Por isso, o profissional deve atuar sobre o outro de modo a proporcionar um espaço onde seja possível o esvaziamento desses conteúdos, um lugar onde se possa falar sobre a dor, sobre os temores, as lembranças e sobre tudo mais que venha com esse processo. Falar sobre a morte é importante, lembrar da morte do ente querido é importante, assim disse Freud:
“Cada uma das lembranças e expectativas isoladas através das quais a libido está vinculada ao objeto é evocada e hipercatexizada, e o desligamento da libido se realiza em relação a cada uma delas[2]

Ou seja, é preciso que cada memória e momento que venha à tona sejam colocados através de palavras ou expressões plásticas para que essa energia seja aos poucos liberada para realizar novos fios de projeção, pois “quando o trabalho do luto se conclui, o ego fica outra vez livre e desinibido”[3].

É quando a arteterapia é muito bem vinda neste penoso processo, pois pode ser um instrumento de descarga dos conteúdos nos quais estamos tocando, ou sendo tocados e que nos traz a possibilidade de ter um material fora de nós para olhar, refletir e falar sobre. As cores podem ser transformadas, suavizadas ou intensificadas, os materiais podem sofrer desdobramentos e se tornam aliados no processo de elaboração e de liberação dos afetos “abandonados” em nossa psique. Os medos ganham forma, a tristeza, a culpa ou as punições ganham cara e nome, podemos conversar com elas.

Pinturas realizadas com cores aguadas nos permitem a sutileza de entrar em contato com emoções profundas, com o não controlável, com o soltar as mãos através das tintas que escorrem sobre os papeis. As colagens nos ajudam a organizar e a pescar os rastros projetados, a argila toca no homem mais arcaico e traz a tona o que pode se esconder lá no fundo de nossa mente, e principalmente a livre expressão que nos mostra onde e como está o processo.

O uso de ferramentas da arteterapia no processo de luto não deveria se limitar aos consultórios após o processo já instalado. Percebi que as instituições hospitalares oferecem quase zero de ajuda aos familiares e pacientes em estados terminais ou em risco grave de vida. Penso que a Psicologia Hospitalar e a Arteterapia no contexto hospitalar podem ajudar a trabalhar esses laços projetivos, inserindo o tema da morte em reuniões com o grupo familiar trazendo a tona questões relacionadas à perda daquele ente querido, às imagens mentais e aos afetos latentes naquele momento tão delicado e singular na vida de um indivíduo. Espaços dentro das instituições onde, através das técnicas expressivas, toda a angustia que envolve esse momento possa ser expressada.

Com isso, acredito que a morte ganhe um sentido maior que a perda objetiva de alguém, mas uma possibilidade de reencontrar consigo mesmo, uma oportunidade única, ainda que muito dolorosa, de juntar nossos fragmentos e buscar aquilo que realmente é caro para nós, aquilo que realmente nos move e nos motiva, aquilo que nos faz acordar todos os dias e ir em busca, ainda que seja a própria busca!




[1] FREUD, Sigmund. Obras Completas, Vol. XIV. Cia das Letras.
[2] idem
[3] ibidem

contato: naopalavra@gmail.com