Por Eliana Moraes
A cor [e/ou a forma] é a tecla. O olho é
o martelo. A alma é o piano de inúmeras cordas. Quanto ao artista, é a mão que,
com a ajuda desta ou daquela tecla, obtém da alma a vibração certa.” KANDINSKY
Há
algum tempo temos refletido sobre a importância de ampliarmos o nosso olhar
sobre os simbolismos e as imagens figurativas na clínica da arteterapia. Inspirando-nos
em artistas como Kandinsky quando teorizava que:
... a forma [e a cor] tem um conteúdo
intrínseco próprio... um conteúdo-força,
uma capacidade de agir como estímulo psicológico... o artista serve delas como
teclas de um piano; ao tocá-las, “põe em vibração a alma humana. ARGAN
Traduzir
o que sentimos em palavras não é fácil. Clarice Lispector inspirou o nome deste blog quando disse:
Então escrever é o modo de quem tem a
palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra. Quando essa não
palavra – a entrelinha – morde a isca, alguma coisa se escreveu. LISPECTOR
Mas o que dizer daqueles
sentimentos que nos impactam, arrebatam, e nos deixam atônitos, apenas tomados
por uma potência de emoção sem nome,
sem vocabulário, sem palavra. Kandinsky fala do potencial da arte em expressar estes
sentimentos tão profundos, aos quais as palavras não podem alcançar:
Os sentimentos elementares como o medo,
a tristeza, a alegria, que teriam podido... servir de conteúdo para a arte,
atrairão pouco o artista. Ele se esforçará por despertar sentimentos mais matizados, ainda sem nome. O próprio artista vive
uma existência completa, relativamente requintada, e a obra nascida de seu
cérebro, provocará no espectador capaz de experimentá-las, emoções mais delicadas, que nossa linguagem é incapaz de exprimir. KANDINSKY
Em minha prática percebi que
um caminho bastante interessante para se estimular o paciente a expressar-se
por imagens abstratas é associando pintura e música. Utilizando mais uma vez
História da Arte como um estímulo projetivo – nossa linha de pesquisa e prática,
que vem se tornando boa parte do nosso estilo de trabalho – propus aos
pacientes que experimentassem a amizade entre Kandinsky (pintor) e Schönberg
(maestro), artistas que buscaram a abstração desenvolvendo
ferramentas, cada um em sua linguagem própria, que permitissem descrever estados extremos da alma. A exposição “Kandinsky: tudo começa num ponto” no
CCBB, fez referência à esta amizade contando
como a impressão do “Segundo Quarteto de Cordas” de Shönberg fica marcada em Kandinsky
e duas semanas depois se inicia uma longa troca de correspondências.
Kandinsky percebeu que através
da música de Schönberg, a mais abstrata das formas de arte, seria naturalmente
mais fácil adentrar novos territórios e alcançar suas pretensões na abstrações.
A exposição também fez referência à obras do pintor que levam títulos com
nomenclaturas tipicamente musicais: “Impressão
e Improvisação”, “Composição”.
Enfim, um diálogo entre música e pintura, som e imagem, auditivo e pictórico,
ouvido e mãos.
Traduzindo a proposta deste
diálogo para o setting arteterapêutico, levei para os pacientes três músicas
instrumentais de diferentes estilos, com
intensidades específicas, de potências singulares. Uma por vez, pedi que
cada um recebesse aquele estímulo auditivo e se percebesse: O que este som
causa em você? Como ele te impacta? Que vibrações, sensações, sentimentos? Em
seguida, tente perceber: Quais cores combinam com esta sensação? Fortes/fracas?
Claras/escuras? Quentes/frias? Por fim, quais movimentos este som provoca no
seu corpo, no seu braço? Suaves/agressivos? Arredondados/Retilíneos? Explore o
papel em branco com este movimento do braço utilizando o pincel e as cores
escolhidas.
O resultado foi
surpreendente com expressões espontâneas, de potências e vibrações em cores e
formas. Uma experiência tão profunda e intensa, que o próprio Kandinsky nos faz
um convite:
Quem quer que mergulhe nas profundezas
de sua arte, em busca de tesouros invisíveis, trabalha para erguer essa
pirâmide espiritual que chegará ao céu. KANDINSKY
Este é um exercício que
certamente contribuirá para o paciente que em algum momento chegar em sua
terapia tomado por uma emoção em potência, que não poderá ser traduzida em
palavra, mas poderá ser expressada em outra linguagem: em imagem.
KANDINSKY,
Wassily. Do Espiritual na Arte.
ARGAN,
Giulio Carlo. Arte Moderna.
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