segunda-feira, 24 de abril de 2017

UM DIÁLOGO ENTRE A ARTETERAPIA E AS NEUROCIÊNCIAS

Hoje o Não Palavra abre as portas para Juliana Ohy, psicóloga e arteterapeuta da cidade de Niterói, que desenvolve um belo trabalho e pesquisa quanto ao diálogo entre a Arteterapia e as Neurociências. Eu, sempre simpática à pluralidade das referências teóricas para a Arteterapia e acreditando na possibilidade de agregar outros olhares, encontrei um enriquecimento para minha prática com idosos nos cursos de Juliana sobre o grande potencial da arte para a estimulação cognitiva. Agradeço à Juliana por tudo que aprendi com ela até aqui, e recomendo aos amigos do Não Palavra que conheçam um pouco mais do vasto campo de possibilidades que se abre quando a Arteterapia e as Neurociências dialogam.
Eliana Moraes



Por Juliana Ohy
Site: www.julianaohy.com.br
Email: julianaohy@gmail.com



Quem ouve falar da Arteterapia não imagina quão vasta ela pode ser e até onde podem alcançar seus lindos saberes!

            A Neurociência associada a Arteterapia, pode contribuir muito no prognóstico de doenças e comprometimentos que envolvam as emoções e a cognição. Entender o ser humano como um ser integral cinge também observar suas vicissitudes emocionais e cognitivas.

            Atualmente, quanto mais completa for a intervenção, maior o alcance de conseguimos resultados mais significados no tratamento ou no processo terapêutico.

            A Arteterapia, é “um método que tem a capacidade de possibilitar a exploração de problemas e de capacidades pessoais através da expressão verbal e não verbal” (MARTINIE et al, 2016). É através do afeto, da emoção e de técnicas expressivas que resultados terapêuticos e de reabilitação podem ser obtidos. 

            Pesquisas vem demonstrando uma maior comunicação e integração entre os sistemas de processos afetivos e cognitivos, especialmente em níveis corticais superiores. Ou seja, há uma integração funcional entre os dois sistemas que permite um papel modulador dos afetos na cognição. O que se percebe é que o isolamento de processos cognitivos “puros” e, de certo modo, de processos afetivos “puros” seria praticamente impossível quando se estuda a cognição (CAGNIN, 2008).

Estudos da neurociência apontam para os efeitos não apenas da arte, mas da Arteterapia no sistema nervoso e consequentemente sua influência nos sistemas orgânicos do ser humano. Ela possibilita a mobilização da plasticidade neural, assim como desencadeia neurotransmissores capazes de atuar sobre o sistema imunológico, o humor e sensações como a dor, por exemplo (FONSECA, WEDKIN, 2011).

“Experiências criativas são reconhecidas por na realidade aumentar o funcionamento e estrutura cerebrais. Exames neurológicos revelaram aumento do fluxo sanguíneo para o cérebro durante períodos de pensamento criativo. Qualquer atividade criativa, que seja prazerosa, eleva aos padrões de onda cerebral alpha típicos do estado de alerta tranquilo, o estado consciente, porém relaxado encontrado na meditação. A Serotonina, química em nossos corpos que alivia sentimentos de depressão, também aumenta durante atividade criativa. Programas de arte terapêutica em hospitais demonstraram fornecer muitos benefícios, incluindo redução do estresse, melhorando a capacidade de comunicar sentimentos sobre sintomas e melhoramento da pressão sanguínea, frequência cardíaca e respiratória através da exposição às artes” (CHOPRA, 1993, apud FONSECA, WEDKIN, 2011).

Se temos um método que trabalha diretamente com os afetos e outro com a cognição e prezamos por uma intervenção terapêutica do ser integral, por que não unirmos essas duas fantásticas áreas?



            O Instituto da Mente, localizado em Niterói (RJ), oferece oficinas de estimulação e reabilitação cognitiva para grupos de idosos. As oficinas utilizam técnicas diversas para que a atividade neural seja trabalhada da melhor forma. Uma das oficinas é a de Arteterapia e o que sempre me perguntam é se conseguimos resultados positivos no prognóstico desses clientes.

            Cabe analisarmos que, um idoso com doença neurodegenerativa, não terá melhora cognitiva, porém poderá alcançar benefícios na sua qualidade de vida.

            O que percebemos com os idosos do Instituto da Mente, é que com a prática da Arteterapia, muitos deles conseguem se organizar melhor, ter mais controle percepto-motor, a funcionalidade nas atividades de vida diária melhora, além do humor mais equilibrado.

            Assim, a resposta que posso dar é que a Arteterapia não pode intervir diretamente no impedimento da morte dos neurônios de uma doença neurodegenerativa, mas indiretamente, atuando no emocional desses idosos, uma estabilização e melhora da qualidade de vida são certamente alcançadas.

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!

Referências Bibliográficas:

CAGNIN, Simone. Algumas contribuições das neurociências para o estudo da relação entre o afeto e a cognição. Estud. pesqui. psicol.,  Rio de Janeiro,  v.8, n.2, ago. 2008. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812008000200023&lng=pt&nrm=iso.

FONSECA, Rafael Ayrton Lucena; WEDEKIN, Luana Maribele. 4-O USO DA ARTETERAPIA SOMÁTICA EM CASOS DE DOR CRÔNICA NO CONTEXTO NATUROLÓGICO. Ano 7-Volume 13-Número 13-Julho–Dezembro-2011 Revista Científica de Arteterapia Cores da Vida, p. 38.

MARTINIE, Josy Mariane Thaler; JUNQUEIRA CARVALHO FILHA, Maria Tereza; MENTA, Sandra Aiache. Arteterapia: recurso terapêutico ocupacional na terceira idade. Multitemas, [S.l.], maio 2016. ISSN 2447-9276. Disponível em: <http://www.multitemas.ucdb.br/article/view/843.

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Sobre a autora:
Juliana Ohy



Psicóloga, Arteterapeuta, Psicopedagoga, Especializada em Psicogeriatria e Mestre em Saúde Mental

Área de atuação/projetos/trabalhos:

Sócia-diretora do Instituto da Mente, Pesquisadora do núcleo de Depressão em idosos da UFRJ, Professora dos cursos Arte e Cognição: Estimulando o cérebro através da arte e Jogos Cognitivos, Membro da equipe e professora do curso Neurociências da Educação do CBI of Miami e Palestrante na área de Neurociências, Gerontologia e Arteterapia.





segunda-feira, 17 de abril de 2017

SÉRIE A CLÍNICA DA ARTETERAPIA: Primeiras observações sobre a depressão



Por Eliana Moraes
naopalavra@gmail.com

Em 2017 caminho para meu décimo ano em prática clínica, que iniciou-se em psicoterapia com eventual uso das técnicas expressivas até migrar gradualmente para a clínica da Arteterapia propriamente dita. De fato este foi um percurso gradual, que demandou (e sempre demandará) muito estudo para minha instrumentalização, mas sobretudo uma sensibilidade para que efetivamente a clínica – ou seja, os próprios pacientes – fosse construindo meu estilo e manejo.
Para tanto, tomo como referência os textos freudianos, aos quais tenho me dedicado ao estudo de forma mais sistemática neste ano. Durante sua leitura, fica claro que tudo o que Freud escrevia havia sido despertado a partir de sua clínica. Ele observava, pensava, escrevia, compartilhava com seus pares e assim avançava em suas construções teóricas.   Os passos de Freud me inspiram em meu caminho de clínica da Arteterapia, e cada vez mais nela eu acredito.
A Arteterapia e a Depressão
O processo de elaboração deste texto se estende há alguns meses (e ainda está em aberto) desde que recebi na clínica um(a) paciente com o quadro depressivo mais grave que já tive a oportunidade de testemunhar. Um membro da família assistiu o filme da Nise da Silveira e intuitivamente compreendeu que a arte poderia contribuir de alguma forma para alguém já no limite de seu sofrimento. Assim, me procurou como arteterapeuta e desde então venho me dedicado à este atendimento de forma a oferecer a arte como um vetor de saúde para esta pessoa e em paralelo aguçando minha escuta e observação para singularidades em que a Arteterapia a partir de suas propriedades pode contribuir para alguém com quadro depressivo grave. Neste texto, algumas considerações às quais pensei até aqui.
Para me orientar e instrumentalizar para a escuta e manejo neste atendimento, busquei o texto “Luto e Melancolia” ao qual Freud diferencia aqueles momentos em que a tristeza e os sintomas depressivos aparecem como uma reação natural e humana diante das perdas da vida, e momentos em que estas manifestações se tornam patológicas:
“O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade ou o ideal de alguém e assim por diante. Em algumas pessoas, as mesmas influências produzem melancolia em vez de luto; por conseguinte, suspeitamos de que essas pessoas possuem uma disposição patológica. Também vale a pena notar, que, embora o luto envolva graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, jamais ocorre considerá-lo como sendo uma condição patológica...
Os traços mentais distintivos da melancolia são um desânimo profundamente penoso, a cessação de interesse pelo mundo externo, a perda da capacidade de amar, a inibição de toda e qualquer atividade, e uma diminuição dos sentimentos de autoestima a ponto de encontrar expressão em autorrecriminação e autoenvilecimento, culminando numa expectativa delirante de punição.” (FREUD 1915-1917)
Diante desta perspectiva, tenho pensado sobre algumas propriedades da Arteterapia ao qual podem agir diretamente em traços característicos do quadro depressivo:
Sobre o esvaziamento
Pacientes com este perfil se apresentam na clínica com um esvaziamento extraordinário. Empobrecido em suas palavras, movimentos e interação:
“... a inibição do melancólico nos parece enigmática porque não podemos ver o que é que o está absorvendo tão completamente. O melancólico exibe ainda uma outra coisa que está ausente no luto – uma diminuição extraordinária de sua autoestima, um empobrecimento de seu ego em grande escala. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego. O paciente representa seu ego para nós como sendo desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e moralmente desprezível.” (FREUD 1915-1917)
Naturalmente este esvaziamento e sensação de incapacidade de qualquer realização se constelarão nas imagens produzidas e no processo criativo do paciente. É essencial que o arteterapeuta desenvolva sua escuta para esta manifestação que se apresenta como uma mensagem do paciente quanto àquilo que lhe é possível. As imagens empobrecidas e o processo criativo (desatentamente) lido como “rápido”, não podem assustar ao arteterapeuta e nem acessar sua ansiedade em estimular que o paciente explore outros materiais, outros espaços, outras possibilidades.
Cada trabalho produzido é efetivamente “um trabalho” para aquele sujeito com investimento de energia tão reduzida para os objetos. Aquele resultado demandou grande esforço e é este movimento que merece nossa escuta.
A arte como um caminho possível
Outra manifestação comum neste quadro se dá na baixa autoestima exacerbada, em que há uma constância em comentários autodepreciativos, autorrecriminadores, e extrema desvalorização de si e de tudo que lhe pertence. Este de fato é um grande desafio para o terapeuta, pois uma escuta desatenta pode despertar desconforto, incômodo ou até mesmo irritação diante da “monotonia” deste discurso.
A teoria nos mostra e a prática me confirma que ceder “ao diálogo” com este sujeito sobre “suas percepções equivocadas” e tentar persuadi-lo a enxergar outras perspectivas, é inócuo e um desserviço para o processo terapêutico:
“Seria igualmente infrutífero, de um ponto de vista científico e terapêutico, contradizer um paciente que faz tais acusações contra seu ego. Certamente, de alguma forma ele deve estar com a razão, e descreve algo que é como lhe parece ser... Ele se encontra, de fato, tão desinteressado e tão incapaz de amor e de realização quanto afirma... trata-se do efeito do trabalho interno que lhe consome o ego...
O ponto essencial, portanto, não consiste em saber se a autodifamação aflitiva do melancólico é correta, no sentido de que sua autocrítica esteja de acordo com a opinião de outras pessoas. O ponto consiste, antes em saber se ele está apresentando uma descrição correta de sua situação psicológica. Ele perdeu seu amor próprio...” (FREUD 1915-1917)
Assim, o convite à arte se mostra um recurso eficaz para o deslocamento do olhar para o terapeuta por parte do paciente. Aqui o arteterapeuta pode explorar a outra via de transferência característica do setting arteterapêutico: aquela que se direciona ao material. A partir dela o paciente terá a oportunidade e será convocado a  se (re)ver através do espelhamento que todo o processo criativo e a imagem proporcionam.
O criar como causador de desejo
O convite ao criar se apresenta como um vetor de saúde para pacientes tão embotados e empobrecidos em seus investimentos e desejo. Ele movimenta, faz com que o paciente se esforce para romper a inércia, o lugar conhecido.  
            Ele amplia o olhar viciado e reduzido quando apresenta novas possibilidades. Produz inquietude, desperta curiosidade e desafia o paciente. Estimula que ele exercite sua mente, se esforce e busque soluções, fazendo com que amplie seu repertório. Ao se ver capaz de dar forma e transformar seus conteúdos em cores, formas e imagens o paciente acessa sua autoestima. Todo este processo produz algum prazer e estimula ao paciente a resgatar seus desejos de vida!

Além disto, no decorrer do processo criativo, o paciente se depara com "micro" oportunidades de elaborações e retificações que aparentemente podem soar “pequenas”, mas absolutamente não são, pois dele demanda um grande esforço.
Lembro aqui um fragmento da poesia de H. Heine, citado por Freud:
“Foi a doença que causou
meu ímpeto para criação;
e criando pude ficar são,
e criar foi que me salvou.”
(FREUD, 1914)
O estímulo ao ser humano integral
 “O complexo de melancolia se comporta como uma ferida aberta, atraindo para si as energias catexiais... provenientes de todas as direções, e esvaziando o ego até este ficar totalmente empobrecido.” (FREUD, 1915-1917)
A experiência criativa nos ‘transpassa’ e permite que ‘transbordemos’ e atravessemos limites e interdições, resgatando ‘notícias de nós mesmos’ nem sempre claras e acessíveis...” (PHILIPPINI)
Considero que uma das belezas da Arteterapia se dá pelo fato de ser um procedimento terapêutico que por definição acessa o ser humano de forma integral. Quando nos deparamos com um paciente com o ego tão esvaziado e empobrecido, o exercício da Arteterapia naturalmente o estimulará em seus aspectos:
- Psíquico
Por meio do criar e amparado pela transferência com o arteterapeuta, aquele sujeito terá a oportunidade de se revisitar e se rever, fazer movimentos de reinvestimento, enfrentamento e tomadas de decisão, acessando seu desejo. Este processo coopera para que ele se responsabilize  por si como autor e protagonista da sua obra/biografia.
- Cognitivo
Durante a execução de um trabalho em Arteterapia, o paciente naturalmente é estimulado a manter-se atento e concentrado, analisando, planejando, buscando estratégias e soluções criativas para a materialização daquilo que tem em mente.  Muitas vezes estes pacientes podem apresentar prejuízos cognitivos devido aos sintomas depressivos ou até mesmo pela medicação ou efeitos colaterais do tratamento.  Assim, a Arteterapia também coopera para estimulação de diversas funções cognitivas, como atenção, concentração, memória, linguagem, percepção e sensação, abstração, criatividade, funções executivas, praxia, etc.
- Físico
O processo criativo no setting arteterapêutico inclui o corpo como expressão. Estimula um corpo catatônico ao movimento e à ação. Convoca um corpo enfraquecido ao esforço de manipular um pelo de argila ou à força para abrir a tampa de um pote de tinta.
- Espiritual
Por fim, um estímulo espiritual, e aqui me lembro de Kandinsky que através da arte propõe uma “mudança de rumo espiritual”:
“Quem quer que mergulhe nas profundezas de sua arte, em busca de tesouros invisíveis, trabalha para erguer essa pirâmide espiritual que chegará ao céu”. KANDINSKY


Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
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Referências Bibliográficas:
FREUD, Sigmund. A guisa de Introdução ao Narcisismo. Obras Completas. 1914
______________  Luto e Melancolia. Obras Completas. 1915-1917.
KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na Arte
PHILIPPINI, Ângela. Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso, indicações e propriedades

segunda-feira, 10 de abril de 2017

ENTRE NÓS: Um diálogo entre a Transpsicomotricidade e a Arte


Por Amanda Machado

“Não devemos ter medo de inventar seja o que for. Tudo o que existe em nós existe também na natureza, pois fazemos parte dela.” Pablo Picasso 

Sou formada em Transpsicomotricidade Educacional, uma das linhas da psicomotricidade que  vem aceitar o desafio da Complexidade e transcender à questão do dualismo corpo-mente, realizando uma ampliação poliocular nas leituras psicomotoras existentes, incluindo o ecológico, o espiritual, o artístico, além de outros múltiplos fatores que compõem a 'unitas multiplex', que é o ser humano ( Costa 2011). Como Transpsicomotricista Ed., articulo minha prática em escolas e espaços de interesse, com os mais diferentes saberes que possam ajudar a religar o sujeito com ele mesmo, com o outro, com o planeta. 
Em todo trabalho Transpsicomotor que realizamos podemos aliar as artes e demais influências que levem o sujeito a pensar sobre si e sua relação com o mundo, tendo o corpo como ponto de partida, de modo que “sempre deve haver a integração de si mesmo, o auto-exame e a possibilidade de fazer a auto-crítica. Integrar qualquer conhecimento é uma necessidade epistemológica fundamental” (Morin, 2000 p.53) e que tornamos presente nos “settings” que seguem. Num primeiro momento, o corpo é experienciado, vivido na relação consigo, com o material simbólico e com o outro. Então trazemos a arte como possível fonte organizadora, onde o sujeito possa se expressar e elaborar o vivido.
Nossos encontros têm como base teórica o pensamento complexo (Morin) e os princípios Transpsicomotores foram construídos com base nos “sete saberes necessários para educação do futuro” (Morin, 2011), premissas para uma educação mais solidária e cooperativa. Quando abordamos princípio da Identidade Terrena, pretendemos desenvolver e ampliar o olhar para nossa identidade planetária, então trazemos raízes, folhas, frutos, sementes, ventos e tudo mais para o centro das atividades, elementos que nos possibilitam sentir a terra em nossas mãos, que nos fazem sentir vivos, como parte de um rizoma que fortalece nossos vínculos e que desperta nosso espírito criativo mais primitivo, pois “somos, a um só tempo, seres cósmicos e terrestres” (Morin, 2011 p. 45).
 Em jogo, o sujeito explora, cria e abre seus sentidos para sentir a beleza que sua natureza é capaz de produzir – e tem algo mais terapêutico?- o Homem como agente de sua produção, convidado a expandir em toda sua livre criação, transforma em gozo estético o que outrora veria como lixo orgânico. É a partir do reconhecimento da necessidade de harmonização com equilíbrio ecológico, que possibilitamos um encontro consigo mesmo, deixando de lado todos os tabus e paradigmas aos quais nos submetemos diariamente e assim, nos sujamos, lameamos e enfrentamos todas as incertezas que o vazio momentâneo pode oferecer. Ao sentir o poder dessa entrega, toda energia passa a circular dentro de nós e parece que se esvai por entre os dedos que se misturam ao barro, as folhas, as sementes... já não é possível experimentar só com o toque, é preciso lançar mão de todos os sentidos e, entregues, enfeitamos nossos corpos como tela plástica que exprime sentimentos e desejos.

Homem e Natureza. Entre Nós há tanto o que viver, experimentar e criar que precisamos, urgentemente, legitimar cada vez mais espaços para que essa  religação aconteça e, somente uma educação voltada para nossa essência, poderá possibilitar a interlocução de nossas culturas e biodiversidades. Espaços para se envolver e sentir toda mágica poética que se desenrola no contato com a natureza e seus elementos.
Corpo e arte, peças fundamentais que se encontram no fazer artístico, vivenciados na potência possível daquele momento. Porém, muitas vezes, também observamos sujeitos que se privam desses encontros e se mantém em suas conchas experimentando o isolamento, postura de conforto frente ao “vazio” que se apresenta com aqueles materiais, sem normas ou regras didáticas. Esse encontro parece paralisar as possíveis formas de expressar seus sentimentos, há um medo inconsciente que não permite viver a expansão, a liberdade de criação, onde não existe certo ou errado, apenas o belo criado de forma autonoma e independente. Hoje em dia, estamos acostumados a modelos prontos, a ter tudo bem dito e produzido para que possamos usufruir intensamente e, deixar-se levar pelas sensações é quase, ou completamente, angustiante para aquele que está no encontro. Nesses casos, “é preciso respeitar o tempo, até que o sujeito emprega um significado próprio e dá lugar a representação” (Rodrigues, 2011 p.194).  Ao contemplar sua obra, ele se assegura de um lugar, de pertencer a si e se sente parte de um todo maior.
É como Transpsicomotrista Educacional que tenho visto, sentido e vivenciado toda beleza que a arte pode possibilitar à compreensão do sujeito, a esse estado poético de contemplação do belo, que por nós é produzido após encontros, onde o corpo é palco de expressões simbólicas. Como educadora, acredito que os envolvidos na “tarefa de cultivar a poesia têm de poder viver sua complexidade à flor da pele, [e precisam] pulsar o máximo possível, contagiando outros com seu ruído” (Costa, 2013 p.139). É nessa religação que encontramos a arte de viver, aqui expressa por nossa identidade terrena, que nos liga com o cosmos, com o planeta e as grandes e pequenas felicidades.

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!



Referências Bibliográficas:
COSTA, Eduardo e LOVISARO, Martha. Tranpsicomotricidade. Psicomotricidade com base no pensamento complexo. Rj: Ed.WAK, 2013.

MORIN, Edgar. Saberes globais e saberes locais: o olhar transdisciplinar. Rio de janeiro: Garamond, 2000.
___________ Os sete saberes necessários a educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2011.
RODRIGUES, Helio. Vertigens do vazio. Rio de janeiro: Livre Expressão, 2011.

Sobre a autora:


Amanda Machado é Transpsicomotricista, Pedagoga e apaixonada pela vida. Atua como monitora na formação em Transpsicomotricidade/Rio, Coordenadora na Creche Curiosa Idade, Transpsicomotricista no Núcleo de desenvolvimento infantil Transbrincantes e está disponível para levar essa prática para os grupos que se interessarem.



segunda-feira, 3 de abril de 2017

SÉRIE ARTETERAPIA COM IDOSOS: Sobre os benefícios cognitivos



Por Eliana Moraes

Concluindo a série de textos sobre a Arteterapia com idosos (ver textos anteriores), o terceiro texto abordará alguns dos benefícios cognitivos que o procedimento terapêutico da Arteterapia em suas propriedades pode estimular. 


Durante o processo de envelhecimento o cérebro vai sofrendo mudanças estruturais importantes, sendo natural algum declínio nas funções cognitivas. Este declínio pode tornar-se patológico, culminando em algum tipo de demência, a mais conhecida o Alzhimer. Desta forma, é imperativa a estimulação cognitiva, seja para a prevenção ou para a “redução de danos” deste processo.

A estimulação cognitiva:

“... engloba diversas formas de exposição do indivíduo a diferentes aspectos do ambiente, tendo como resultado a manutenção ou o aprimoramento de seu desempenho cognitivo. Essa exposição pode ser a estímulos específicos ou a situações sociais complexas. ” (CONSENZA, 2013, 342)

A Arteterapia em sua riqueza de possibilidades e materiais se apresenta como um rico instrumento para a estimulação cognitiva de pacientes idosos. O processo criativo em Arteterapia propõe ao paciente a autonomia na medida em que o indivíduo se torna independente do terapeuta no fazer, mantendo-se ativo enquanto cria. Ela é eficaz também no trabalho com pacientes já com declínio cognitivo:

"Em pacientes demenciados, o uso de recursos expressivos alternativos [promove] o reforço de todas as capacidades funcionais restantes, por meio da identificação dos potenciais disponíveis." (OHY. 2013 p 143)

"O caminho da arte pode amenizar, ultrapassar ou transformar algumas destas limitações. Para tanto, o arteterapeuta precisará fazer as necessárias adaptações, escolhendo a melhor estratégia, na infinidade de diferentes modalidades expressivas possíveis e úteis, para serem utilizados com este público. Naturalmente é importante ressaltar que haverá um número significativo de idosos que não apresentará grandes limitações, podendo beneficiar-se do trabalho criativo de forma mais livre e fluente." (PHILIPPINI, 2015, 49)

"... é inegável o benefício que as estratégias expressivas podem oferecer. A ativação da sensorialidade é extremamente benéfica para auxiliar na recuperação de capacidades cognitivas perdidas, no desbloqueio de potencialidades e na ampliação da comunicação... E o fazer arteterapêutico dispõe destas estratégias estimuladoras apresentadas de muitas formas, linguagens e técnicas. As novas experimentações plásticas ativam sinapses e conexões neuronais, cujo bom funcionamento é decisivo para que pessoas mantenham ou recuperem a memória." (PHILIPPINI, 2015, p 66-67)

Durante a execução de um trabalho em Arteterapia, o paciente mantém-se atento e concentrado, analisando, planejando, buscando estratégias e soluções criativas para a materialização daquilo que tem em mente. Durante este processo, naturalmente ocorre a estimulação de diversas funções cognitivas. Aqui serão abordadas as seguintes funções: sensação e percepção, linguagem, memória, funções executivas e praxia. 

1) Sensação e Percepção

A sensação é o primeiro contato com os estímulos e ela se dá através dos órgãos dos sentidos: visão, paladar, audição, olfato e tato. Já a percepção consiste na aquisição, interpretação, seleção, e a organização das informações obtidas pelos sentidos, ou seja, é o processo de organização da informação sensorial. Assim, a percepção é a função do cérebro que atribui significado aos estímulos sensoriais a partir do histórico de vivências do indivíduo.

Através da Arteterapia:

"A experimentação de diversos materiais auxilia o desenvolvimento da sensorialidade, da sensibilidade e da percepção..." (OHY. 2013. 146)

"As experiências sinestésicas reunindo em uma só atividade expressiva a estimulação múltipla e ativação simultânea de vários canais sensoriais, que podem ser muito benéficas para ativar o processo arteterapêutico." (PHILIPPINI, 2015, 62)

Vale ressaltar que através do estímulo das sensações e percepções, o arteterapeuta poderá trabalhar também as questões subjetivas, emocionais e sociais, do cotidiano e da história do indivíduo.

2) Linguagem

A linguagem se apresenta como uma importantíssima função cognitiva pois dela depende comunicação interpessoal, o suporte do pensamento, a constituição do eu e a expressão. Quando falamos em linguagem, naturalmente pensamos na forma verbal. Entretanto, não podemos negligenciar a linguagem não verbal que tanto compõe a comunicação humana, como a expressão corporal e gestos, as expressões faciais, os sons e as entonações vocais, além da imagem como um todo.

Através das técnicas expressivas em Arteterapia abrimos canais de comunicação para além da expressão verbal. Através da arte, fazemos um convite especial para as linguagens não verbais em suas variadas apresentações estimulando e apurando suas expressões e escutas.

A alteração ou a perda da linguagem se configura uma grande preocupação quanto à saúde cognitiva do idoso. E através dos seus estímulos, a Arteterapia coopera para a capacidade de expressão e compreensão oral, escrita e corporal, além da capacidade de interação social, autogestão e autonomia do indivíduo.

3) Memória

Ao longo da vida cada ser humano vai construindo seu acervo de memórias. E sendo ele único e pessoal, é o que o converte em um “indivíduo”. A memória é um processo complexo que começa na captação de informações pelos sentidos e a partir daí envolve diferentes habilidades e estágios.

Assim, a memória é uma faculdade cognitiva extremamente importante sendo a base de todas as outras funções psíquicas e cognitivas. Os distúrbios a ela acometidos levam à progressiva perda da identidade, prejuízo na capacidade de interagir e de gerenciar a própria vida até o adoecimento físico e emocional.

A cada proposta reflexiva em Arteterapia e o contato com a diversidade de materiais, naturalmente o indivíduo é estimulado a resgatar suas memórias pessoais como suas experiências e biografia. Em paralelo:

"Ao trabalharmos a singularidade de cada material expressivo, possibilitamos o despertar de habilidades esquecidas, “adormecidas”, por meio das propriedades terapêuticas destes materiais." (OHY. 2013. 146)

4) Funções executivas e praxia

Sendo a Arteterapia por definição um convite ao criar, naturalmente implica em um convite ao fazer. Neste contexto é feita a estimulação das funções executivas e da praxia, tão importante no olhar para a saúde do idoso.

As funções executivas são responsáveis por planejamentos, controle inibitório, tomada de decisões, flexibilidade cognitiva, memória operacional, atenção, categorização, fluência e criatividade.

Já a praxia caracteriza-se como uma função complexa que corresponde aos movimentos em função de um resultado, é a capacidade de executar os movimentos ou gestos de maneira precisa de forma intencional com um fim. Ou seja, é a capacidade de realizar atos voluntários no plano prático.

No ato de criar, são acessadas as habilidades para formular objetivos e estratégias, planejar e organizar ações, resolver problemas e buscar soluções, inibir ou iniciar comportamentos apropriados ao contexto e tomar decisões, comparar os planos com as possibilidades de sucesso na execução e corrigir quando necessário. Assim, através do criar são estimulados os pensamentos complexos e o pensamento abstrato além dos movimentos precisos para sua execução.

O estímulo das funções executivas e da praxia é primordial devido à recorrência do comprometimento funcional e sócio-ocupacional, o que acarreta problemas significativos para a adaptação social, a organização das atividades da vida diária e também a saúde emocional.

Através do estímulo ao criar/fazer, a Arteterapia coopera para a preservação da autonomia do indivíduo e adiar o declínio nas atividades do cotidiano. Ao ser estimulado frequentemente ao criar, buscar novas estratégias, soluções, práticas e habilidades, o indivíduo será convidado a uma postura proativa e criativa que certamente refletirá em sua atitude perante a vida.

Assim concluímos que:

"... o fazer arteterapêutico dispõe destas estratégias estimuladoras apresentadas de muitas formas, linguagens e técnicas.

Os desafios da criação artística suprem de forma adequada exercícios de ativação neuronal, chamados genericamente de oficina de memória, e que, às vezes, constituem de práticas muito repetitivas. Já os exercícios de estimulação sensorial no contexto arteterapêutico podem ser simples e produtivos, mas muito diversos entre si, criando um contexto sensorial gerador, ativador e fortalecedor da saúde do cérebro, sendo que um dos correlatos fisiológicos mais importantes é cooperar na ativação do sistema imunológico, já que tendem a retirar os participantes de estados de humor depressivo." (PHILIPPINI, 2015 66-67)

SERIE ARTETERAPIA COM IDOSOS: CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, conclui-se que a Arteterapia traz em essência um olhar integral para o ser humano, considerando sua saúde física, psíquica, cognitiva, social e espiritual. Na atuação com idosos especificamente, apresenta-se como um instrumento abrangente e bastante potente pois por definição contempla dois aspectos que demandam a atenção no cuidado com este público: os aspectos psíquico e cognitivo. Em uma sessão de Arteterapia, enquanto trabalha-se questões terapêuticas pertinentes ao paciente ou grupo, simultaneamente, estimula-se as mais variadas funções cognitivas. A participação continuada desta proposta naturalmente contribuirá para a evolução de um processo de envelhecimento com qualidade de vida, dentro da perspectiva da promoção da saúde integral e prevenção de doenças.

Neste contexto o arteterapeuta engajado no trabalho com idosos deverá se instrumentalizar teoricamente sobre os diversos potenciais que possui em suas mãos através da Arteterapia, desenvolvendo seu olhar para cada um dos aspectos aqui abordados e outros, no momento de compor a sessão de Arteterapia. As técnicas, matérias e propostas escolhidas não são feitas de forma aleatória, mas cuidadosamente pensadas em seus variados potenciais e em seguida ele atuará como um grande maestro de uma orquestra numerosa de instrumentos.

Referências Bibliográficas:
COSENZA, Ramon M. et al. Declínio cognitivo, plasticidade cerebral e o papel da estimulação cognitiva na maturidade. In: Neuropsicologia do Envelhecimento: Uma abordagem multidimensional. Ed Artmed. Porto Alegre, RS. 2013.

OHY, Juliana. A doença de Alzheimer e a Arteterapia: benefícios terapêuticos trazidos pelo grupo e a experimentação de recursos plástico. In: Estudos em Arteterapia: A arte e a criatividade promovendo saúde. Ed Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2013.

PHILIPPINI, Ângela. Caminho da Arte: Construindo um envelhecimento ativo. Ed Wak. Rio de Janeiro, RJ. 2015.

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Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.


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