segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

PARA 2018, OLHOS DE SEMENTES: DIÁLOGOS COM A ARGILA



Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com
O Cântico da Terra

“Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranquila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.
Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.”

Há algum tempo tenho investido na percepção dos fenômenos sociais da atualidade e estimulado os arteterapeutas que me cercam para que exercitem seu olhar para os movimentos coletivos de seu tempo e do seu campo de influência, e assim orientem seu trabalho e propostas em Arteterapia. Emprestar seu corpo, sensações e intuições para a captação e tradução para a esfera objetiva os movimentos da humanidade, compõe a função do artista ao longo da história. Conscientizando-se desta função, podem os arteterapeutas imbuídos desta sensibilidade, orientar suas práticas arteterapêuticas, em propostas estruturadas ou semi-estruturadas, para não oferecerem temáticas a partir de seus próprios desejos, mas oferecer os materiais e linguagens expressivas que as pessoas estão tão  carentes e nos pedem intuitivamente.
Tenho pensado que 2018 será um ano bastante desafiador para a humanidade em diversas esferas. Em nosso país especificamente, acredito que este será um ano bastante aquecido em conflitos relacionais, uma vez que será um ano de eleições no âmbito nacional e estaduais, potencializando assim os discursos polarizados, o não diálogo entre os diferentes: o chamado “clima de ódio”. 
Quem são os profissionais habilitados para lidar com as dores daqueles que não estão conseguindo se relacionar com as pessoas amadas ou que compõem sua biografia, e em última análise consigo próprio, senão nós, terapeutas? Esta é uma convocação que assumi para mim e estendo a quem possa se identificar. 
A partir destas reflexões, escolhi iniciar meus trabalhos de práticas em Arteterapia, oferecendo um material bem específico: a argila. De tudo o que já li sobre este material, uma palavra que se repete e muito me orienta quando entendo que é o momento de oferece-la é: RETORNO.  
“Segundo a Bíblia, Adão foi feito do barro, por isso nos remetemos ao começo de tudo, a origem da vida, o que pode ser extremamente mobilizante esse contato, trazendo recordações de fases muito regredidas da infância” BRASIL 

“... A argila mobiliza intensas e ativas conexões arquetípicas, e seu manuseio pode despertar energias ancestrais, extremamente mobilizadoras... Eu, particularmente... Penso que o barro ativa mais rapidamente conteúdos inconscientes, pois é um material orgânico, vivo, úmido, macio, que propicia trocas de temperatura e oferece ao toque extrema plasticidade e reversibilidade. Ela também nos remete naturalmente às associações e/ou memórias muito antigas, algumas memórias provenientes de nosso inconsciente pessoal... além de ter em sua composição muitos elementos bioquímicos presentes também no corpo humano.” PHILIPPINI

Um retorno ao corpo, à conteúdos do inconsciente pessoal e coletivo, ao primitivo, à natureza, ao começo de tudo, à origem da vida. Acredito que no momento em que o ser humano se encontra perdido de si e do outro, desconectado de sua natureza e da natureza como seu habitat, seja necessário um retorno em busca de sua essência, individual e coletiva.
O cântico da terra: uma proposta em Arteterapia



Neste ano, abri meus trabalhos em atendimentos individuais, grupos arteterapêuticos e grupos vivenciais para arteterapeutas, oferecendo a poesia de Cora Coralina que nos inspira sobre a riqueza de simbolismos que a terra nos traz.  Naturalmente, cada leitor de uma poesia capta e faz laço com algum aspecto muito singular, a partir de suas próprias projeções. 
Assim propus para começarmos o ano, um diálogo com a terra, começo de tudo. Inicialmente um diálogo sensorial, sentindo seu peso, sua textura, temperatura, maleabilidade... Em seguida estimulei que cada um ouvisse o cântico desta terra que tinham em suas mãos – este ano se desenha como uma terra pronta para o cultivo (de que?), para investirmos de nós, plantando, germinando, colhendo... Do diálogo entre as mãos de cada autor com o cântico oriundo da terra e com o auxílio de sementes, nasceria uma imagem de forma espontânea. Caberia a cada autor ouvi-la e dar voz à sua forma. Esta mostrou-se uma experiência intensa para cada um em sua singularidade. 
Das variadas imagens surgidas, uma me capturou de forma específica, pois muito me identifiquei com seu sentido. Um dos autores materializou a imagem de um homem com a expressão de preocupação e tristeza com tudo o que tem visto em seus dias e tudo o que está por vir. Porém, um detalhe me saltou pela profundidade simbólica: os olhos eram feitos de sementes. 
Tomei emprestado esta imagem para me compor neste ano. Preocupada e entristecida com o que tenho visto. Mas que eu não perca meus olhos de sementes pelas terras por onde eu passar.


Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências Bibliográficas:
BRASIL, Claudia. Cores, formas e expressão: Emoção de Lidar e Arteterapia na Clínica Junguiana
PHILIPPINI, Angela. Linguagens e Materiais Expressivos em Arteterapia: Uso indicações e propriedades

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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga. 

Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. 

Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

“PENSANDO A ARTETERAPIA” EM NOVAS SEARAS



Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com

 O pequeno período sabático que me propus nos últimos dois meses, me levou a uma viagem no tempo. Meus pensamentos passearam por momentos da minha história, desde 2013, quando intuitivamente decidi começar a escrever para registrar minhas observações e reflexões do dia a dia como arteterapeuta. Revisitei meus primeiros textos e pude reviver as sensações tão primárias de quem está aprendendo a andar. Mas revivi também as sensações de quem continua a caminhar, fortalece as pernas, os passos e enfim assume uma marcha. Hoje a escrita faz parte da minha vida e ela me compõe.

Sincronicamente, quando voltei ao consultório em meados de janeiro, uma paciente em meio às suas associações, contou que estava lendo o livro “Romancista por vocação” de Haruki Murakami. O nome daquele livro capturou minha escuta e guardei-o para que pudesse pesquisar no momento oportuno.

Foi assim que conheci Murakami, escritor japonês, considerado um dos autores mais importantes da atual literatura japonesa. Neste livro, Murakami nos conta sua história pessoal e sua percepção sobre como se tornou um romancista: 
“Afinal, nem eu mesmo entendo direito como me tornei romancista. Não decidi quando era jovem: ‘No futuro quero ser escritor’, não estudei para isso, não fiz treinamento especial, ou seja, não segui nenhum passo específico para me tornar romancista. Eu apenas estava fazendo várias coisas na vida, isso e aquilo, e, por impulso e por acaso, acabou acontecendo assim. A sorte me ajudou muito também. Lembrando disso agora acho até assustador, mas fazer o quê? Foi assim que aconteceu”. (p 63)
Sorri. Senti um calor no peito quando nesta e outras passagens do livro encontrei um eco para meus caminhos pela escrita sobre o que eu trabalho, vivo e acredito. 
Murakami relata seu processo para o desenvolvimento de um estilo próprio de escrita (vale a pena conferir os detalhes no livro) mas em suma, significou um processo de SIMPLIFICAR tudo o que era “demais”, como palavras difíceis ou belas expressões para impressionar as pessoas e tudo o mais que parecesse pesado: 
“... acredito que... para encontrar um estilo ou um discurso pessoal e original, o necessário de fato é subtrair algo. Parece que viemos acumulando muita coisa ao longo da vida. Estamos sobrecarregados de informações, bagagens... quando tentamos nos expressar, todo esse peso acaba sobrecarregando o motor. E não conseguimos mais nos mover. Nesse caso, temos que jogar fora o conteúdo desnecessário e limpar o sistema para que a nossa mente se torne mais livre e ágil...
Eliminar da mente todo conteúdo desnecessário, simplificar e reduzir fazendo a subtração, talvez não seja tão fácil de colocar em prática, apesar de parecer simples.” (p 57-58)
Essa subtração ao que há de mais simples possibilitou-o a continuar a fortalecer suas pernas, seus passos e assim assumir sua marcha. Mais uma vez me identifiquei com Murakami. Quem acompanha meu trabalho de perto sabe o quanto tenho falado sobre a beleza do retorno ao simples e quantas riquezas encontramos quando  nele investimos nossa criatividade.
“Comecei usando esse estilo simples, bem ventilado... e a cada obra que produzia, fui aos poucos acrescentando conteúdos, à minha maneira, em um processo bastante demorado. A estrutura foi se tornando tridimensional e multifacetada e a armação foi ficando cada vez mais espessa, ou seja, fui criando condições para depositar aí uma narrativa maior e mais complexa... o processo de desenvolvimento da minha escrita foi natural, não intencional. Só fui perceber isso mais tarde.” (p58)
Eu seguia minha leitura em um profundo diálogo com o autor, com direito a respostas em voz alta: “Sim Murakami, a gente só percebe mais tarde.” 
Sorri mais uma vez quando o autor contou sobre o movimento de se deslocar dos enquadramentos racionais e acessar outras instâncias mais sensitivas e intuitivas no ato de escrever: 
“A sensação que eu tinha enquanto escrevia era mais próxima de tocar um instrumento musical do que à de escrever. Até hoje guardo essa sensação na mente, com cuidado. Resumindo, talvez eu utilize mais as sensações corporais e não a cabeça para escrever: garantir o ritmo, encontrar um belo acorde e acreditar no poder da improvisação.” (p 30)
Se eu fosse resumir tudo o que li de Murakami em uma palavra, eu diria LIBERDADE. E foi exatamente isto que ele se propôs: 
“... escrever livremente o que eu sentir, o que vier à minha cabeça, abandonar ideias preconcebidas de que romance tem que ser assim, de que literatura tem que ser assim... 
Se existe algo de original nos romances que escrevo, acredito que seja o fato de eu ser livre...
Penso que na base dos romances que escrevo existe essa sensação de liberdade e espontaneidade... Isso é a minha força motriz.” (p. 27/58-59) 

“Pensando a Arteterapia”: meu primeiro livro 
Toda esta jornada interior aconteceu porque, em paralelo às minhas memórias e à leitura de Murakami, eu estava em diálogo com a Larissa da Editora Semente, para a construção do meu primeiro livro “Pensando a Arteterapia” - sua capa ilustra este texto. O livro, com lançamento previsto para o mês de abril deste ano,  será a compilação dos textos de minha autoria publicados no blog “Não Palavra” desde sua criação em 2013 até o início de 2017.  
Receber cada etapa de edição em meu email fazia com que meu coração batesse mais forte, ainda não acreditando que meu caminho com a escrita estava alcançando novas searas. 
Meu desejo é que ele sirva como material de estudo para aqueles que desejam atuar na Arteterapia, mas também como provocador de diálogos – inclusive por meio de discordâncias – pois acredito que é dessa forma que construímos um saber, conscientes de que esse nunca se esgotará. 
Assim começa 2018 e quis abrir os trabalhos do blog com esta novidade. Neste ano o blog segue seu ritmo semanal de produção de textos. Mas este espaço só se sustenta com a participação daqueles que se “atrevem” à escrita. O blog segue recebendo textos, mantendo-se como um espaço colaborativo. 
Minha intenção hoje é incentivar que os leitores do blog “Não Palavra” escrevam (para o blog e tantos outros espaços) pois eu posso afirmar: vale a pena. 
E faço minhas as palavras de Murakami. Escrever: 
“... é uma sensação incrível. Ela é revigorante, como se surgisse mais um dia dentro do dia de hoje. 
E desejo que, se possível, meus leitores sintam a mesma coisa. Quero abrir uma nova janela na parede do seu coração e levar um ar novo até ele. É o que eu penso e desejo, sempre que estou escrevendo. Do fundo do coração, de forma bem simples.” (p 61)

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga. 
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. 
Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.