segunda-feira, 26 de novembro de 2018

TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL E ARTETERAPIA: RESSIGNIFICANDO OS SABOTADORES ATRAVÉS DOS MANDALAS

Por Juliana Mello – RJ
entrelinhas.artepsi@gmail.com

A terapia Cognitivo-Comportamental – TCC - enfatiza a ideia de que o modo como pensamos afeta nossas emoções e comportamentos. Pensamento, emoção e comportamento estão diretamente ligados, quando um não “funciona” bem, os outros também ficam disfuncionais. Nossas interpretações – pensamentos - sobre as situações têm forte influência na forma como percebemos a nós mesmos, o outro e nosso futuro.

Porém, em muitos casos, é difícil identificar o que estamos pensando ou sentindo. As palavras podem nos faltar, ou não parecerem suficientes para descrever o que nos incomoda, o que nos gera angústia. A Arteterapia nos ajuda a trazer à tona esses pensamentos e sentimentos, de forma lúdica e natural, os conteúdos que não estão conscientes. Nesta metodologia, o paciente pode experimentar-se, facilitando o desenvolvimento e as transformações internas.

Neste caso, trabalhamos a reestruturação do nosso comportamento, e assim, teremos como consequência a flexibilização dos pensamentos e emoções mais agradáveis. A ideia não é mudar o pensamento e deixar de sentir emoções desagradáveis, mas pensarmos em possibilidades funcionais, não excluindo a realidade, mesmo que esta seja desconfortável.

Os sabotadores são nossas reações disfuncionais, que foram desenvolvidos na infância. Porém, nesta fase da vida, nosso cérebro ainda se encontra em sua estrutura mais primitiva e os sabotadores eram necessários para nossa sobrevivência emocional. Ao nos desenvolvermos, eles vão deixando de ser necessários, mas com o “uso” durante muito tempo, eles passam a ser hábitos automáticos no nosso funcionamento e percepção do mundo. Quando eles não são atendidos, é acionado o Crítico Patológico, uma vozinha que fica em nossos pensamentos nos lembrando sempre de coisas desagradáveis e disfuncionais. Esses comportamentos estão quase ou totalmente fora do domínio da Consciência. Para combater o Crítico, precisamos acionar o Sábio, que tem uma estrutura mais criativa e percebe nas situações possibilidades diferentes de resoluções, enquanto o Crítico tem visão focal somente para o negativo. Todos nós possuímos o Crítico Patológico, que vem reforçado por, pelo menos, um ou dois sabotadores (existem 9).

Em meu trabalho clínico, o trabalho com Mandalas tem-se mostrado eficaz no desenvolvimento do Sábio, através das escolhas das formas, das cores, na produção e desenvolvimento de suas próprias Mandalas. Além de trabalharmos esse comportamento, o trabalho com Mandalas trazem à tona, isto é, a Consciência, pensamentos e situações que estão “esquecidas” pelo paciente e que geram sofrimento.

Caso Clínico

Paciente J, 32 anos, casada, trabalha na área de saúde, chegou ao meu consultório em março/18, com queixa de desorganização de suas tarefas diárias e com questões de emagrecimento e falta de continuidade em dietas e tempo para praticar atividades físicas. Não parecia sentir-se confortável para o diálogo, e seu discurso não parecia condizer com a queixa inicial, porém a mesma não faltava a nenhuma sessão. Após aplicar o teste dos sabotadores, o resultado passou a fazer sentido para a paciente e como, estávamos trabalhando comportamento, começamos com o uso dos Mandalas. Seus sabotadores foram: Insistente, Prestativo, Hipervigilante e Controlador. Lembrando que os sabotadores são rígidos e com visão focal. 




Iniciei o processo entregando possibilidades de Mandalas para uma ser escolhida. Nesta etapa já trabalhamos a ampliação da visão, a escolha da melhor possibilidade, o olhar para o interno, a descrição de si através das cores, os sentimentos, o fazer criativo. Neste primeiro momento foi possível perceber a diferença dentro do setting do comportamento da paciente, que pareceu mais confortável no ambiente e mais comunicativa.  

Posteriormente, o Mandala é feito no papel vegetal, acrescentando ou eliminando elementos do Mandala inicial e a realização de sua própria Mandala. 


         

Nas etapas seguintes são acrescentados Mandalas à serem coloridas com lápis de cor aquarelável, que foram trabalhados sentimentos como: frustração e perfeccionismo (muito forte) e ansiedade. 

Em muitas sessões, a paciente expressava que não tinha nada a ser falado, ao fazer as atividades, aconteciam insights e a mesma falava sobre acontecimentos agradáveis e, principalmente, desagradáveis, sendo possível realizar a reestruturação cognitiva dos mesmos. 





As próximas etapas poderão ser realizadas com pintura e colagem, porém a sequência é flexível, acontecendo de acordo com a demanda apresentada.

Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!



Bibliografia:


ROSNER, S.; HERMES, P. O ciclo da autossabotagem: por que repetimos atitudes que destroem nossos relacionamentos e nos fazem sofrer. 16ª ed. Rio de Janeiro: BestSeller, 2018.

Workshop “O uso das mandalas na prática da arteterapia” – Eliana Moraes 
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Sobre a autora: Juliana Mello


Juliana Mello
Psicóloga, Arteterapeuta e Coach
Atendimento clínico  individual e grupo om criança, adolescente, adulto e idoso.
Abordagem em Terapia Cognitivo- Comportamental e Arteterapia
Palestras e Workshop motivacionais.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

GESTALT E ARTE: AWARENESS



Por Valéria Diniz - RJ
valdiniz.td@gmail.com
Instagram @valeriadiniz50

Awareness é uma palavra de origem inglesa, proveniente de “aware” (estado de ser consciente), significando “consciência”.
Um conceito central em Gestalt-Terapia é o conceito de awareness, que se caracteriza pela consciência de si e a consciência perceptiva; é a tomada de consciência global no momento presente, a atenção ao conjunto da percepção pessoal, corporal e emocional, interior e ambiental (Ginger, 1995).
 A Gestalt-terapia acredita em mudanças naturais e espontâneas por meio do contato e da awareness que abrange aceitação, escolha e responsabilidade. Essas atitudes levam a pessoa ao crescimento. (Yontef ,1998)


Escolhi iniciar esse texto com as referências acima para explicar o conceito de awareness. Esse pilar central da Gestalt Terapia não pode ser definido apenas como ter consciência, no sentido estritamente racional. É um processo “contínuo” que envolve emoção, sensação, percepção de si e do meio. 
Para simplificar o entendimento, gosto de dizer que é um “dar-se conta com a sua totalidade: sensação, percepção, emoção, raciocínio, corpo.”
“Eu sei que estou aqui escrevendo um texto”-  Isso é Consciência
“Eu estou aqui escrevendo um texto,com um leve desconforto nos olhos e na coluna. Uma dificuldade em traduzir em palavras o significado de awareness. Percebendo que tudo flui mais leve quando escrevo referenciada em meus sentimentos e que posso me livrar desse desconforto se voltar ao meu estilo de escrita original. O que passo a fazer em seguida.” – Isso é Awareness.
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Um fragmento da História de Mary:
Ela entra no consultório e relata : “Tá tudo do mesmo jeito, não consigo fazer nada do que eu quero, nada do que desejo fazer. Sei que quero sair, ter vida social, passear com amigos,ir ao cinema... Mas não consigo fazer. Não faço porque tenho medo dos julgamentos ,do que vão pensar”.  Esse é um relato consciente de seus desejos e de seus impedimentos. Apenas um relato.
Como terapeuta, minha tarefa é convidar a ir mais além. Buscar os elementos que facilitam a awareness. Minha proposta é que ela faça contato com o que sente e reproduza em forma de cores.
Marrom para angústia e vermelho para raiva.
“Vejo que está tudo misturado”.  ( Vê nas cores e dentro de si)
“Esse marrom da angústia... angústia é quando não expresso minha raiva. Fica tudo preso aqui dentro de mim. Eu engulo e fica apertado no peito.”  (Percebe seu corpo e nomeia as emoções.)
Um choro contido. Escolho não interferir. Aguardo porque sei o poder que as cores têm quando se está em contato com elas.
Essa raiva... essa raiva... Me lembro de uma vez quando eu era bem pequena e minha mãe achou que era melhor eu repetir o ano... nem sei se isso tem a ver.. mas me lembrei agora”. (Traz uma gestalt inacabada, uma situação que precisa ser fechada)
Mais choro genuíno e potente.
“Eu fiquei com muita raiva porque ela não tinha esse direito... todos os meus amiguinhos ficaram rindo de mim... só eu ia ficar para trás... era muito pequena para dizer algo, eu engoli. E fiquei com muita vergonha dos outros... acho que tenho essa vergonha ainda hoje”.
Agora sim temos uma awareness. Uma compreensão mais inteira de si mesma. E uma possibilidade de atualização. Consciente dos processos e sentimentos que emergiram através da AÇÃO de pintar, escolher as cores, selecionar pincéis, material bloqueado por anos surge com potência numa tela e podem finalmente ser compreendidos e ressignificados. 

Fragmento da história de Lucy:

“Tô bem ansiosa... tudo me deixa nervosa... difícil esse mundo... cansada de gente... e ainda dizem que eu é que sou difícil!” 
- Como é sua ansiedade?
- Ansiedade é ansiedade ué... você é a doutora aqui...
- Não sei como é a sua ansiedade Lucy, mas posso sentir a sua agressividade.
Silêncio...
Convido a fechar os olhos e imaginar quais as cores da sua ansiedade e agressividade. Gosto de trabalhar com cores pela facilidade imaginativa, pela fluidez no contato com emoções e mais ainda, pela potência que carregam em si mesmas.
O amarelo é escolhido. Apenas uma cor.
“Queria que as crianças fossem mais organizadas... chego do trabalho e ainda tenho que arrumar tudo sozinha... sabe que esse amarelo me dá um nervoso só de olhar?!... Sei lá... esse amarelo parece eu... Acho que devo ser assim né?” 
O contato com a cor trouxe uma nova percepção a respeito de si mesma. A projeção de sua ansiedade sobre terceiros é assumida como sua responsabilidade.
“Sou esse amarelo que deixa todo mundo nervoso... deixa meus filhos e meu marido nervosos... não quero ser assim... tadinha das crianças.”
Com sua nova percepção pode ampliar sua awareness a respeito de seu modo de funcionar. E poderá aprender formas mais saudáveis de existir.
Ahhh... e a cor da agressividade? Trabalhamos em sessão posterior.
Ela escolheu um azul. Azul para agressividade? Surpresa minha também. Mas, como eu sei a potência das cores ela explica:
“...é porque fico aborrecida com você... igual eu faço com as crianças... eu achava que ia chegar aqui e você ia me entender... me dar razão... e depois daquela pintura amarela o ‘eu amarelo’, eu entendi que o problema é esse: querer ser a dona da razão...(risos) então a minha agressividade hoje é azul porque estou em paz.”
Ela adquiriu uma nova forma de compreensão e ainda está experimentando novos jeitos de funcionar com mais leveza, menos cobrança e mais paz.


Para finalizar os exemplos, escolhi uma criança de 9 anos.
Fragmento da História de Lily:
Minha proposta é deixar que ela escolha os materiais livremente. É uma forma de estimular sua criatividade e aceitar suas escolhas, algo pertinente a sua história pessoal. Uma criança que, como tantas outras, fica presa em jogos virtuais e está com sobrepeso.
Carimbos figurativos foram escolhidos. E posteriormente propus que ela mesma confeccionasse seus próprios carimbos esculpindo em isopor.¹
- Como sou burra... eu não prestei atenção que ia ficar ao contrário!” (Exigência e julgamento consigo mesma)
- Eu também não. (Algumas atividades fazemos juntas).
- Mas não dava para saber... você não tinha feito antes!”. (Compreensão e aceitação comigo)
- E você também não.
- Acho que vivo fazendo isso... tô sempre  desculpando meu irmãozinho porque ele é o caçula e eu a mais velha... E minha mãe briga e sempre fala: Lily, ele é pequeno... você já é grande.... eu ainda sou pequena... só tenho 9 anos...”
- E também pode errar.
- A gente pode errar sempre... até quando tá grande... até você errou... e minha mãe também erra... ninguém faz tudo sempre certo...

A visualização de um “erro” numa atividade potencializou seus conflitos internos. Uma awareness surge e sua exigência “introjetada” pode ser percebida e reconfigurada. De um  modo saudável e simples inerente ao processo de desenvolvimento infantil. 
Hora de finalizar. Foi difícil escolher quais exemplos usar no texto. Então fiquei com aqueles que livremente surgiram. 
As técnicas expressivas são potentes “facilitadoras” do processo de awareness. Técnicas e materiais, por si só ajudam no difícil  e envolvente caminho de conhecer a si próprio. E escolhi fazer esse caminho com uma clínica mais leve e criativa, como pode ser na vida, para mim e meus clientes.


Agradecimentos as pessoas que carinhosamente me convidaram a fazer parte de suas histórias e que se permitiram como exemplos para esse texto, sem os quais a construção seria teórica e rasa.


¹ Técnica que aprendi na Oficina de Monotipia: Gravando emoções com Liane Esteves (arteterapeuta no Rio de Janeiro)
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Sobre a autora: Valéria Diniz



Psicóloga 

Gestalt terapeuta

Mestra em Saúde Mental
Atendimento individual e casal .
Oficinas de Técnicas Expressivas em Gestalt 

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

SÉRIE CORES: COR/LUZ = EMOÇÃO/ENERGIA PSÍQUICA


Por Eliana Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com
Instagram @naopalavra


Fazer uso das cores em produções é facilitar a passagem da mensagem feita pelo canal do inconsciente à consciência, dos afetos reprimidos, esquecidos ou ainda imaturos para o alcance da mesma.” (URRUTIGARAY, 2011, pag 212)
No último mês compartilhei no blog Não Palavra fragmentos de minha pesquisa e estudo sobre as cores e suas aplicabilidades no setting arteterapêutico. Até aqui trouxe referências a partir das teorias da arte, Wassily Kandinsky CLIQUE AQUI e Fayga Ostrower CLIQUE AQUI. Hoje teremos como referência teórica a Arteterapia propriamente dita, com o livro "Arteterapia: A transformação pessoal pelas imagens" de Maria Cristina Urrutigaray que no capítulo 4 aborda o "Emprego da Cor na Arteterapia". 
Conforme dito anteriormente, meu percurso com as cores iniciou-se com a busca de estímulos de fácil acesso, compreensão e potencial projetivo, visando a pluralidade de pacientes/clientes recebidos pela Arteterapia em suas diversas modalidades e campos de trabalho, contemplando principalmente aqueles que chamo de “pacientes leigos”: que não possuem qualquer histórico com a Arteterapia, técnicas expressivas e materiais. Segundo Maria Cristina, fazer uso das cores é facilitar a passagem de conteúdos inconscientes para a consciência. Creio que essa facilidade advém da “simplicidade” do estímulo, e na mesma proporção da simplicidade se faz o imenso potencial projetivo e simbólico, basta sabermos investir neste diálogo e projeção.
Em seu texto, Maria Cristina nos apresenta uma relação muito interessante entre a cor e a luz, a emoção e a energia psíquica: 
“Assim como as cores são uma variedade de ondulações da luz e provocam a sensação cromática, as emoções, do mesmo modo, também variam de acordo com a cor ou com a intensidade da energia psíquica. Poderíamos, então, por analogia, atribuir que a variação da intensidade ondulatória da luz assemelha-se ao movimento da energia psíquica e, portanto, poderíamos associar o elemento cor com a emoção de acordo com a seguinte comparação: COR/LUZ = EMOÇÃO/ENERGIA PSÍQUICA” (URRUTIGARAY, 2011, pag 121)
“Sabemos que onde há cor, há uma onda eletromagnética. Assim, do mesmo modo, onde há emoção, há energia psíquica em ativação. Desta forma, podemos vincular à presença de cores nas expressões criativas como representação de nossos afetos. (URRUTIGARAY, 2011, 127)  
Neste contexto, entendemos que o uso de cores como estímulos pode ser acionado pelo arteterapeuta, quando entende que é necessário trabalhar-se com emoções. Seja para expressar aquelas já se encontram manifestas no sujeito e necessitam de escuta e elaboração ou aquelas que se mostram latentes, adormecidas, mas buscam um caminho para a expressão e consciência:
“As cores possuem fortes propriedades expressivas e estão relacionadas aos estados emocionais... As cores por meio das emoções, são despertadas pelas estimulações sensoriais ou pela recordação de algum fato, ou de algum tipo de experiência, seja ela boa ou má, que ficou armazenada durante um tempo.” (URRUTIGARAY, 2011, pag 132) 
A prática mostra o quão interessante é quando o paciente/cliente de Arteterapia é estimulado a ter um encontro íntimo com cada cor, percebendo qual é a vibração e o impacto causado de forma singular e pessoal. Desta forma ele poderá inclusive desconstruir algumas falas do senso comum como “verde é esperança”, “preto é luto”... O mergulho e a experiência pessoal com cada cor promove a criação de um (outro) vocabulário próprio e individual para as expressões imagéticas que estão a caminho no processo arteterapêutico: 
“A intensidade da cor, de acordo com critérios de tonalidade, claridade e saturação imprime a vibração ou a frequência natural dos nossos estados psíquicos....
Por meio dessa percepção visual, conhecemos e identificamos  a cor, mas o que visualizamos como sendo cor não é tudo sobre ela, pois a sensação por ela produzida no nosso corpo é sentida em nível psicológico como sentimento, seja de amor, ódio, calor, repulsa, prazer ou desprazer.” (URRUTIGARAY, 2011, 127)  
Para esta experiência é necessário um “demorar-se” em cada cor. É necessário um tempo de mergulho, percepção, escuta e elaboração daquela vibração. Um caminho interessante é proporcionar ao paciente/cliente de Arteterapia a oportunidade de produzir as cores, ao invés de recebe-las prontas em potes de tintas. Pois segundo Maria Cristina:

“... o cliente ao fabricar cores pode ir se exercitando no controle e na adequação de sua emoção, pois, assim como dar mais luz à cor significa adicionar mais branco, para diminuir a intensidade da luminosidade, basta colocar mais preto.” (URRUTIGARAY, 2011, pag 131) 
“Poesias e Cores”: Aplicabilidades para a Arteterapia



“então o amor é verde...
ou é o elo do mais puro acaso, que só é do azul com amarelo para rimar com elo...
ou o elo da liberdade azul e da riqueza amarela...

enfim, não importa o que seja, importa que se trata de um haikai, de um verso que começa, verso que parte (definição de hokku e, posteriormente, haikai). E parte para terminar na nossa boca, seja como for, basta que ele apenas parta para chegar em nós... a mim ele chegou.”
 

Paulo Leminski


No ciclo “Poesias e Cores”, percurso experienciado por grupos arteterapêuticos que coordeno, em um dado momento tomamos como referência as palavras de Maria Cristina: "o cliente ao fabricar cores pode ir se exercitando...". Foi proposto que a cada dia os participantes criassem com as próprias mãos as cores secundárias. Ao dialogarmos as cores primárias, amarelo e azul, fomos presenteados pela poesia de Paulo Leminsky, que com o gracejo de um haikai, registrou sua experiência ao fazer o elo entre estas duas cores e dali nascer o verde que lhe despertou o amor. 


A partir de uma proposta aparentemente tão simples, quanta profundidade podemos experimentar e agir sobre: a partir das polaridades cromáticas (e da vida) fazer nascer um terceiro, a partir de uma mistura. A disponibilidade em fazer elos entre partes que parecem não dialogar, mas ao se encontrarem nasce um novo. O investimento de energia psíquica para o criar e dar forma à estas cores e comtemplar a beleza de sua integração. 

Para Leminsky, “o amor é verde” pois nasce do elo entre o azul e o amarelo.
E para você? 

Por hora, concluo esta série sobre cores, ciente que este caminho continua. Tanto teoricamente, pois outras referências ainda pretendo buscar, quanto em experiência, pois a prática sempre nos surpreende. A motivação que mantém a chama aquecida está na constatação do quão potente é o mergulho nas cores em vivências arteterapêuticas. 


 Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências Bibliográficas: 
URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: A transformação pessoal pelas imagens. Editora Wak, RJ. 2011. 
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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga. 


Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte. 


Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".


Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 


Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia.Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI

segunda-feira, 5 de novembro de 2018

O PROCESSO DE CRIAÇÃO




Laila Alves de Souza - Curitiba/Rio de Janeiro
lai_ajt@hotmail.com

“A criatividade é a capacidade de ser sensível a tudo que nos cerca, a escolher em meio às centenas de possibilidades de pensamento, sentimento, ação e reação, e a reunir tudo isso numa mensagem, expressão ou reação inigualável que transmite ímpeto, paixão e determinação.
Clarissa Pinkola Estés

Acredito que todo o ser humano carrega uma capacidade que, na maioria das vezes, não tem consciência ou não tem força para desenvolver tal capacidade. A capacidade de criar. Ter uma vida criativa é pegar a rotina e o sentido de sobrevivência e transformá-los em algo a mais, colocar alma, colocar sabor. Percebemos que a criatividade pode aparecer em momentos oportunos e instantâneos, são aqueles momentos pontuais que chamamos de inspiração. É como se a ideia viesse do nada e iluminasse a consciência. A sensação é tão gostosa que podemos afirmar que entramos em contato com outras camadas, o que, na psicologia junguiana, designamos de conexão do eixo ego-Self (arquétipo da totalidade). Contudo, essa inspiração pode aparecer num lampejo e sumir logo em seguida, sem que possamos alimentar todo o processo da criação. Desse modo, toda a potência emergida e a sensação que se traz disso se perdem no nada e a pessoa volta para o mesmo, ou pior, retorna para o empobrecimento de ideias e/ou para o tédio.    
A vida criativa nos apresenta de forma cíclica. Por mais que sempre queiramos estar na ativa e criando, ela, como qualquer condição da natureza e psíquica, tem seus momentos de incubação e baixa. Respeitar isso é essencial para a saúde psíquica. Vemos, hoje em dia, uma dificuldade na aceitação desses pontos baixos. Como diz HILLMAN, no ego heroico há uma exaltação da atividade (HILLMAN, 2013). Essa exaltação, ou melhor, forçar constantemente essa atividade, nos cansa tanto que chegamos a largar a mão de todo o processo. 
São alguns desses aspectos que acabam por minar a nossa vida criativa, tornando-a estéril. Clarissa Pinkola Estés, no livro Mulheres que correm com os lobos, menciona, em um dos capítulos sobre a vida criativa, cinco fases da criação.  São fases que, além da inspiração, nos ajudam a materializar as ideias e nos manter ativos no processo de criar.  A autora não desenvolve profundamente cada fase, abordando outros pontos pertinentes, mas esse texto vem com a tentativa de refletir sobre possíveis desdobramentos que cada fase pode ter.
São essas as fases: a inspiração, a concentração, a organização, a implementação e a manutenção.
Antes de começar a descrever cada fase é importante citar Henri Matisse: “a criatividade exige coragem”.  Assim, de acordo com essa citação, observamos que por mais que a inspiração para um projeto possa surgir, como de uma intuição que vem do nada, o que promove o ato de criatividade é toda a energia, tempo e confiança que é investido no ato de criar. E é aí que começamos a nos defrontar com as dificuldades, e disso começamos a acumular diversos projetos inacabados e ou até mesmo nem começamos a planejá-lo. É um trabalho, uma opus alquímica, que exige toda uma elaboração e demanda tempo, por isso concordo com que Matisse diz.
A fase de inspiração é algo delicado de descrever. Como já foi dito acima, às vezes, pode surgir de um lampejo proveniente de outras camadas, sem qualquer conhecimento ou autorização da consciência. Porém, lembro de assistir uma palestra em que o palestrante jogava a pergunta: “De onde nasce a ideia?” E respondia: “Ora, como qualquer outro nascimento, de uma ideia mãe e uma ideia pai.” Desse modo, podemos acessar muitas ideias que já passaram por nossas mentes e juntar com outras novas e assim podemos desencadear inúmeras possibilidades. Isso é criatividade! A criatividade é a capacidade de ser sensível a tudo que nos cerca, a escolher em meio às centenas de possibilidades de pensamento, sentimento(...)” (ESTÉS, 1994, p. 395) 
Uma das dificuldades que é possível já na fase da inspiração é que as pessoas possuem a crença de que elas não têm ideias boas. Inventamos qualquer tipo de desculpa para confirmar que nós não somos criativos e que esse empreendimento se restringe aos artistas. As nossas são ideias ridículas ou não tão boas. Para essa questão recomendo a leitura do capítulo 10 do livro Mulheres que correm com os lobos, em que a escritora discorre sobre as desculpas que nos damos.
Contudo, a inspiração permanece num campo sem profundidade. Muitas pessoas abandonam justamente nesse ponto. Elas se empolgam com suas ideias, mas não sabem o que fazer com elas, ou seja, elas têm dificuldades de passar a ideia do mundo invisível para o mundo físico. Para dar profundidade ao ato de criar, seguimos para a próxima fase, a concentração. A ideia ou a intuição podem até vir com a ajuda da fonte inconsciente, mas essa fase seguinte requer a capacidade exclusiva da consciência do ego.
Na concentração elementos práticos são essenciais. Tempo, espaço, energia são pilares para essa fase. O tempo, por exemplo, é um forte aliado no processo de criação. Diz ESTÉS: “É uma enorme crueldade regá-los (os projetos) apenas uma vez por semana, uma vez por mês, ou menos uma vez por ano” (ESTÉS, 1994, p. 397). Para que possamos realizar nossa criatividade é preciso investir tempo, como qualquer outra coisa que está sob os nossos cuidados. Além do que, para fazer arte é necessário disciplina e para a disciplina ficar leve é necessário fazer as coisas com arte, e toda essa dinâmica só dá certo com uma boa relação com o tempo. 
Encontrar um lugar propício para desenvolver a criação é de suma importância. O espaço favorece a concentração. Dessa forma, se o ambiente for promissor, é possível empregar uma energia ativa no processo de criação. Tais questões parecem ser óbvias, mas podemos perguntar: “Quantas pessoas que conhecemos (ou até nós mesmos) que desistem de dar forma às suas ideias porque não levam a sério esses três pilares?” 
Antes de passar para a próxima fase, em que parte para a ação, é essencial dar ênfase a essa fase da concentração. Essa fase significa um preparo, um momento em que se assenta, que respira, que se conecta para a próxima fase. Na nossa percepção de “ego heroico” como Hillman designou, temos uma forte ânsia de colocar rapidamente a ideia em prática para não deixar escapar, e na ansiedade acabamos, muitas vezes, por queimar a largada. A energia que podia ser conscientemente empreendida, sem a concentração, pode ser facilmente desperdiçada. Esse momento de preparação é como uma iniciação ou um aquecimento, no intuito de conectar com aquilo que está borbulhando no mundo das ideias. Em qualquer atividade hindu ou budista, seja ela uma vivência ou até uma palestra, a atividade é iniciada por um mantra. Uma das funções do mantra é se conectar e fazer com que a pessoa se concentre para a etapa que está por vir, ou seja, sair do mundo lá de fora e entrar para o mundo aqui de dentro.       
Seguindo de fase, já preparado e aquecido, entramos efetivamente na ação. Aqui entra a organização. A ideia, que ainda se encontra no mundo invisível, se encontra em um formato fantasioso e absolutamente abstrata. É necessário a organização para ela ir adentrando ao mundo físico e material. Como já mencionado anteriormente, a sensação de ser inspirado é uma sensação gostosa e muitas vezes quando chegamos à fase de organizar deparamos com um outro tipo de sensação. Muitas pessoas acham chato organizar e por esse motivo largam o processo de criação porque já não sentem o mesmo prazer da fase da inspiração.  Outro ponto que surge é a consciência de que a imagem que pertencia ao mundo da fantasia não será a mesma que se apresentará na realidade, e é aqui que os perfeccionistas caem em uma armadilha muito perigosa. A fantasia toma proporções que nos distraem na hora de agir. 

A organização é começar colocar na concretude, aquilo que na alquimia se refere ao processo de coagulatio. Diz EDINGER:
 “Em termos essenciais, a coagulatio é o processo que transforma as coisas em terra. ‘Terra’ é, por conseguinte, um dos sinônimos de coagulatio. Pesada e permanente, a terra tem forma e posições fixas. (...) Sua forma e localização são fixas; assim, para um conteúdo psíquico, tornar-se terra significa concretizar-se numa forma localizada particular (...).” (EDINGER, 2006, p. 101)
Para se efetivar uma opus alquímica tem que existir a parte “densa” dessa operação. Na prática consiste em colocar no papel, dar voz, procurar contatos, fazer o balanço financeiro, administrar o tempo e metas. Estes são modos de coagular e, por isso, é a parte do processo que fica denso. Porém, nos tratados alquímicos vemos alguns pontos que mantinham os alquimistas persistindo em sua Arte. Os alquimistas entregavam sua alma para o trabalho e esta, por sua vez, era transformada pelo processo. Isso gerava ingredientes como alegria e êxtase. Segue um trecho do tratado de Lambspring: “O tempo e o esforço devem ser oferecidos com ‘alegria’ e não como sacrifício(...)” e “Por conseguinte, esteja seguro do seu coração.” (LAMBSPRING apud FIERZ, 1997, p. 336- 337). São esses ingredientes que podem nos segurar no momento denso da criação.
A próxima fase é a de implementação. Se o processo não teve um adequado investimento de energia na fase da organização, se torna muito difícil e pesado ir para essa fase. É o momento da ação plena do processo. Talvez não seja tão chata como a anterior, mas é a mais trabalhosa. É onde se focaliza a atenção e a disciplina. É o pôr as mãos à obra. No entanto, alguns pontos têm que ser levados em consideração. Existe uma ânsia de que nossa atenção e disciplina tenha que se manter constante, mas não é o que ocorre muitas vezes. Existem, por exemplo, os ciclos internos, externos, os imprevistos, o cansaço, etc... De certa forma, aqui temos que despertar uma certa disciplina, como um chefe interno, porém, temos que ter um chefe que também desenvolva paciência e cuidado com nós próprios. Um chefe interno tirânico que cobra a atenção constante, e que nos culpa de não termos energia naquele momento específico, faz com que a nossa vontade de abandonar a criação seja maior. Um chefe bondoso, por sua vez, que mantém o incentivo do fazer e respeita o ritmo próprio, faz com que, pacientemente, nós consigamos seguir passo a passo, dia após dia, no processo de criação. Em outro tratado alquímico citado por EDINGER diz: “Todos os que buscamos seguir essa Arte não podemos atingir resultados úteis senão com uma alma paciente, laboriosa e solícita, com uma coragem perseverante e com uma dedicação contínua.” (EDINGER, 2006, p. 25).
A coragem e a confiança são aspectos nossos que temos que acessar para colocarmos as duas últimas fases em prática. Clarissa Pinkola Estés, no capítulo já sugerido acima, debruça sobre esses aspectos. Muitos são os projetos que, for falta de confiança, por medo ou por complexos negativos são deixados de lado. Temos inúmeras justificativas, mas por trás delas estão estes complexos e medos que nos paralisam.
Depois de implementar, ainda temos que ter uma energia guardada para a manutenção. É preciso cuidar do que foi gerido, senão todo esforço é em vão.  
A empreitada de criar não é tarefa fácil. Mas como citado anteriormente, os alquimistas, em seus tratados, sempre transcreviam essa empreitada com muito amor e cuidado, tanto que eles chamavam a obra de Arte (com A maiúsculo). A vida criativa vale a pena e depois que se pega o jeito fica mais fácil de realizar o processo, mas claro, respeitando os momentos de baixa do ciclo criativo.
Existe um ingrediente, no entanto, que parece manchar toda a nossa empolgação e impulso de criar, que é o fracasso. Às vezes, o medo de fracassar é tão grande que nem começamos nossos projetos para não vivenciá-lo. Diz ESTÉS: “Não é o fracasso que nos detém, mas é a relutância em recomeçar que nos faz estagnar.” (ESTÉS, 1994, p. 396).  Para se ter uma vida criativa, no entanto, é preciso suportar os muitos recomeços. Além do mais, é através dos recomeços que podemos costurar uma vida mais criativa.
Sobre o fracasso CAROTENUTO afirma: "Quando nos sentimos 'aniquilados' por um fracasso, quer dizer que nos identificamos completamente com aquele empenho determinado e prefixado, descuidando o fato de que a nossa existência é muito mais rica do que os atos realizados ou realizáveis." (CAROTENUTO, 1994, p.197)
O medo e a dúvida sempre vão permear cada etapa do processo de criação. Nunca teremos certeza se essa ideia ou projeto dará certo. Esse mesmo autor fala: “As nossas histórias podemos construir, mas somente no início, e não poderemos jamais saber como iremos terminar.” (CAROTENUTO, 1994, p. 130) Dessa forma, criar uma obra, seja ela grande ou pequena, é um trabalho de fazer alma.
Coragem e mãos à obra!   
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Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.

A Equipe Não Palavra te aguarda!

Referências Bibliográficas:

CAROTENUTO, Aldo. Eros e Pathos: amor e sofrimento. São Paulo: Paulus, 1994.
EDINGER, Edward. Anatomia da Psique. SP: Cultrix, 2006.
ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos. Rio de Janeiro, Rocco, 1994.
FIERZ, K. Heinrich. Psiquiatria Junguiana. São Paulo: Paulus, 1997.
HILLMAN, J. O sonho e o mundo das trevas. Petrópolis. RJ: Vozes, 2013 
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Sobre a Autora: Laila Alves de Souza
Psicóloga

Pós- graduada em psicologia clínica na abordagem da Psicologia Analítica.
Atendimentos clínicos pela abordagem da Psicologia Analítica no Rio de Janeiro.
Atualmente compõe a Equipe Não Palavra na gestão dos projetos.