quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

QUANDO “AS MÃOS PODEM FALAR MAIS DO QUE O CÉREBRO”


          Em arteterapia, podemos perceber que a bibliografia existente se baseia em sua maioria no trabalho com psicóticos, principalmente quando o embasamento teórico é a psicanálise. Além disto, outro público diretamente associado ao poder terapêutico das técnicas expressivas é o infantil.
          E eis as perguntas que sempre me vêm: e por que não com neuróticos? Por que não com adultos? Por que restringir o potencial terapêutico da arteterapia para o público A ou B?
          Recentemente li o prefácio de um livro de arteterapia escrito pelo professor Walter Boechat que aborda a questão:

“Em trabalho de consultório, também há pouco espaço para atividades expressivas, apenas em ludoterapia e análise de crianças... Mas com adultos, a interpretação verbal ainda domina.” Walter Boechat *

          Em minha prática percebo que as técnicas expressivas têm espaço e podem ser bem encaminhadas em qualquer tipo de público desde que haja disposição do paciente para experienciá-la. Cada público pode sim ter olhares e demandas específicos, mas as amplas possibilidades técnicas que a arteterapia dispõe podem responder bem à eles.
          É justamente baseado na prática (e esta é soberana) que o professor Walter afirma:

“Em nossa experiência, o uso das técnicas expressivas é fundamental não só em crianças e adolescentes mas também em diversos casos. Em certos pacientes somáticos, naturalmente nas psicoses de qualquer tipo, e em outros casos em análises nos quais as mãos podem falar mais do que o cérebro...” Walter Boechat

            Pacientes em momentos terapêuticos nos quais as mãos podem falar mais do que o cérebro. Este é o público da arteterapia que eu acredito.


* Walter Boechat: Médico, Analista Junguiano. Citações no prefácio do livro “Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens” de Maria Cristina Urrutigaray.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

"Não Palavra"



“A palavra é uma isca para pegar aquilo que é `não palavra` e, quando conseguimos, a palavra cumpriu sua missão”

Estas são palavras de alguém que tem propriedade para falar sobre o tema: Clarice Lispector. Nesta citação Clarice descreve o poder que tem a palavra, de alcançar aspectos tão profundos e intensos em cada um de nós.

Em outras palavras, esta é uma visão muito similar à de Freud, quando percebeu que ao falar de seus traumas, seus pacientes iam melhorando dos sintomas físicos. Inclusive, inicialmente, chegou a denominar sua técnica como “talking cure” ou “a cura pela fala”. A partir de seu legado, boa parte das técnicas psicoterapêuticas hoje em dia se baseia justamente ai, na palavra, na possibilidade de expressão, elaboração e cura (?) que o ato de falar proporciona aos pacientes de psicoterapia.

Porém no texto, Clarice defende que quando conseguimos que a palavra alcance o que é “não palavra” ela cumpriu a sua missão. Pois bem. E quando a palavra não consegue alcançar o que é “não palavra”? Você já sentiu algo tão profundo e intenso dentro de si que a palavra mais próxima que conseguiu achar foi talvez angústia e mesmo assim ficou com a sensação de não ter conseguido dizer exatamente o que queria? Você já recebeu um paciente que permaneceu algum tempo tentando expressar o que estava sentindo, trazendo palavras como profunda tristeza, mágoa, decepção, raiva ou até felicidade, êxtase, paz, e no final ele te dizer: “ta, mas não é bem isso que eu queria dizer..”. Eis a “não palavra”! Algo que você sente, de forma tão profunda que tem certeza que está ali dentro, mas não consegue, pelo menos a princípio, traduzir em palavras.

Este é um espaço onde a arteterapia se encaixa. A possibilidade de buscar a intensidade e expressar o que é “não palavra” em outras linguagens além da palavra. Através das linguagens da arte – imagens (pinturas, desenhos, fotos), modelagens, músicas, literaturas, expressão corporal, e tantas outras formas de expressão – o paciente tem a oportunidade de sim, falar de sua “não palavra” em outras linguagens além da verbal..

Este blog se propõe a pensar sobre a técnica da arteterapia, seus benefícios, sua eficácia, suas possibilidades e por que não seus pontos cegos e seus desafios? Aqui postarei as percepções que tenho sobre esta técnica somando o que tenho lido e o que tenho vivenciado na prática da clinica em arteterapia. Nasceu em mim o desejo de compartilhar e dialogar sobre o que tenho pensado sobre este assunto. Convido a quem se sentir tocado de alguma forma pelo tema – psicólogos, arteterapeutas, artistas e demais interessados – a participarem deste meu desejo de me aprofundar nesta técnica que me faz sentir... algo que ainda me é uma “não palavra”. 

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