segunda-feira, 31 de agosto de 2015

A LIVRE EXPRESSÃO NO ATELIÊ TERAPÊUTICO

Por Maria Cristina Resende


Tudo começou com um teste de associação de palavras e Jung, a partir dele, desenvolve sua teoria dos complexos. Estes sendo conceituados como núcleos de energia psíquica que por sua vez se comportam como imãs atraindo mais energia psíquica e formando um grande nó, que ao ser afetado transborda e toma a consciência do individuo trazendo com ele questões dolorosas, sofrimento e também o desconhecido.



Partindo do princípio dos grandes mestres da cura como Hipócrates, Paracelso e Edward Bach, onde está a dor e a doença encontra-se também a cura, pois ela aponta o caminho para a saúde, entendendo cura e saúde como um processo de reequilíbrio.

Logo, podemos concluir que é muito importante que haja a manifestação desses complexos no setting terapêutico, pois eles vão nos apontar o caminho da dor, da ferida e também o caminho para alcançar a cura.

Mas como será que esses complexos se manifestam? Quando eu quero?

Não, eles se manifestam quando são afetados e isso pode acontecer vendo um comercial de TV ou num movimento mobilizador de um processo terapêutico. Quando não se recebe a resposta imediata do WhatsApp ou quando o chefe não reconhece o esforço do trabalho realizado. No engarrafamento da cidade ou no silencio mórbido da mesa de jantar.

Enfim, é preciso um gatilho. E é muito bom quando ele acontece dentro do vaso hermético do setting terapêutico, pois aqui, há um continente seguro que possibilita que ele se expanda sem reverberar em outrem, e o terapeuta, como um grande espelho, precisa estar confiante de sua prática para se manter nesse lugar e não ser capturado pelas imagens que transbordam do Ego.

Quando o individuo então, busca um processo terapêutico partimos do pressuposto que algo não esta bem, que há sofrimento. Logo, já há uma mobilização de um conteúdo psíquico que desestabiliza o controle egoico da consciência, muitas vezes motivado por algum gatilho, seja uma frase, um trauma ou uma perda. Sendo assim quem nos chega é alguém já em estado de tensão psíquica, mas ainda muito apropriado de seus processos de defesa, que pouco permite uma tomada de consciência mais profunda.

Podemos chamar este estado de crise, do latim Krisis, como um momento de desconstrução, de definição que gera tensão. Essa tensão e essa crise antecede um momento muito importante do processo terapêutico que é o caos, do latim Kaos, vazio, nada, de onde tudo pode vir a ser.

E é a partir desse caos que tudo nasce. Esse é o grande momento criativo cósmico, o momento da criação que sucede o vazio, o caos, o nada.


Essa breve conceituação nos permite começar a entender como se dá a evolução de um processo terapêutico, que ainda que seja chamado de processo, é desprovido de linearidade do tempo, pois estamos falando de psique, e esta é atemporal.

A Arteterapia, por sua vez, nos fornece uma grande possibilidade de acesso a esses conteúdos críticos através dos materiais plásticos e dos recursos corporais e teatrais que possui. Essas possibilidades se comportam ora como grandes gatilhos, ora como possibilidades de transformação e contingencia. O que determina é o momento em que são usados e a forma comosão usados.

Voltamos então à primeira conceituação desse ensaio, o teste de associação de palavras. Aqui observamos um elemento fundamental que possibilita a comprovação e a evocação dos complexos existentes no individuo: a espontaneidade da resposta diante do estímulo. O analista apenas fornece uma palavra e a partir dela uma sequencia de associações psíquicas são elaboradas e saem como respostas espontâneas.

Minha proposta dentro do conceito de livre expressão é buscar, a partir desse conceito junguiano, uma associação livre de materiais, onde o primeiro estímulo do terapeuta: “Como deseja trabalhar hoje? Para qual material seu desejo aponta?”, permite que seja desencadeada uma serie de associações de imagens e afetos que se manifestam nos materiais expostos no ateliê. Para que tal trabalho seja possível de ser realizado é preciso um setting adequado com diversas possibilidades de material a vista e alcançável ao paciente.

A crise psíquica evolui para o caos, o momento do vazio diante do material e este por sua vez, evolui para o processo criativo que é a retomada do fluxo da libido que pode se manifestar numa obra titânica ou olímpica, dependendo da etapa do processo terapêutico de cada um.

Neste modelo de atuação, a análise se dá em diversos níveis, tais como a resistência diante deste ou daquele material, a repetição de um material ou imagem, a imagem geral da obra, desde quando o paciente chega ao setting, até a finalização da obra.

Também é solicitado ao terapeuta um vasto conhecimento da linguagem dos materiais e do recolhimento de sua postura egoica de ser aquele que irá conduzir o paciente rumo à consciência maior. Quem faz esse percurso é a arte e suas manifestações através dos materiais. Cabe ao mesmo perceber as nuances, apontar as questões observadas e sugerir materiais que possam potencializaro processo de cada um, sem esperar alcançar nenhum objetivo pré-determinado, como a ideia linear de trabalhar sementes e assim evocar o arquétipo da grande mãe.

É possível qualquer manifestação diante de um material e essa fluidez dentro do ateliê de Arteterapia é o ponto alto da beleza de um processo de livre expressão da existência de um ser humano.

Falarei um pouco mais sobre este processo na palestra do Ciclo de Palestra do Blog Não-Palavra que este mês será realizada dia 11 de setembro, sexta-feira às 18:00h em Botafogo. 

AGENDA
Ciclo de palestras Não-Palavra: Pensando a Arteterapia
Dia 11 de setembro| SEXTA | 18h às 20h
Arteterapia e o Ateliê de livre expressão 
com Maria Cristina de Resende
Investimento: R$ 15,00 por palestra     Local: Botafogo.
VAGAS LIMITADAS. INSCRIÇÕES ANTECIPADAS  SOMENTE POR EMAIL:  naopalavra@gmail.com

terça-feira, 25 de agosto de 2015

Arteterapia pelo Mundo: Arteterapia Antroposófica Hauschka

Por: Ismael Rodriguez Fraga


O blog não-palavra recebe mais um convidado muito especial, Ismael Rodrigues Fraga, que irá compartilhar conosco um pouco da filosofia do trabalho da Arteterapia Antroposófica Hauschka, dando seguimento ao tema Arteterapia pelo Mundo e suas diversas abordagens.

Ismael Rodrigues Fraga, trabalha com Arterapía Antroposófica desde 2006, tendo realizado diversos projetos no âmbito social em várias prefeituras da Espanha. Atualmente reside no Rio de Janeiro, onde tem realizado palestras e workshops divulgando a Arteterapia Antroposófica Hauschka, pouco conhecida no circuito carioca.


“O trabalho curativo com cada indivíduo é o ponto de partida para que esta pessoa possa estender essa ação benéfica a outros aspectos de sua vida como o social e/ou laboral”, diz Ismael.


O Trabalho com Arteterapía (Antroposófica Hauschka)

Trabalhamos com a parte sã do indivíduo, a partir do método desenvolvido pela doutora Margaret Hauschka, e por isso o terapeuta tem que conhecer quais são os pontos fortes da pessoa com quem vai atuar para, então, orientá-la alimentando essas forças saudáveis, desenvolvendo-as e estimulando a atividade do Eu. Desta maneira, conseguiremos que estendam sua influência a todo o organismo. Apelamos às forças curativas, as quais o usuário irá trabalhando e elaborando, ele irá construindo, conquistando algo novo com tempo e paciência, desenvolvendo a autoconfiança, o autoconhecimento, o que o conduzirá a uma nova concepção de si mesmo.


Como terapeutas

Acompanhamos o paciente durante todo o processo, nunca podemos perder de vista a pessoa, sobretudo nas primeiras sessões, observando onde tal processo deverá ser respaldado e ativado: na maneira de enfrentar as tarefas, no uso dos materiais e até mesmo nas dificuldades que poderão surgir, pois temos consciência do potencial transformador do trabalho artístico, o que muitas vezes leva a situações de crise que se apresentam durante as sessões de arteterapía.

Nosso trabalho procura equilibrar polaridades:
Há pacientes que têm a forma demasiado fixa, outros têm falta de forma e necessita mais estrutura.
Há pacientes que têm excesso de leveza e teremos que conduzi-los à maior densidade, outros, com excesso de frio, levaremos ao calor através da cor, ou ao contrário...
Sempre tentaremos guiar o usuário ao equilíbrio entre frio e calor, pesado e leve, evitando extremos.

É importante que os pacientes desenvolvam seu potencial criativo mediante o trabalho nos seguintes âmbitos: o pensar, o sentir e a vontade, e equilibrá-los e desta maneira fortalecer seu estado anímico.

Não devemos forçar nenhum processo, este não tem sentido se não partir do próprio EU do paciente.


Na terapia Hauschka, os processos são importantes, não o resultado.

Sempre partimos de onde está o paciente. Por exemplo, um depressivo tenderá a empregar cores frias e ambientes escuros, não podemos pretender que faça uma paisagem luminosa e aconchegante, este paciente não se encontra neste estado de ânimo e não entenderia isso. É como se, ao tentar animá-lo, contássemos uma piada, dessa maneira o que conseguiríamos é que ele não se sinta compreendido e nem ouvido em suas angústias.

Temos que entender em que estado emocional o paciente se encontra, nos colocarmos em seu lugar, permitindo que ele deixe sair essa obscuridade e, pouco a pouco, através da utilização da cor, irmos conduzindo-o a ambientes anímicos mais favoráveis, mais cálidos e luminoso.

O processo dependerá de cada paciente, de sua evolução. Devemos respeitar esse tempo, cada um tem seu próprio ritmo que haverá de viver e experimentar por si mesmo. Embora algumas vezes possa parecer óbvio a um profissional trabalhar de uma determinada maneira, aplicando um tal procedimento, isso não é o mais adequado, é necessário que o próprio paciente encontre seu caminho.

O ritmo é um outro aspecto muito importante a ser considerado. Devemos ter horários estáveis, rotinas, nas quais se dará especial atenção à correta respiração, que deve ser ritmada, pausada, e este ritmo vai incidir no modo de trabalhar.

O trabalho na oficina de arteterapia se desenvolve a nível individual, mas também recorremos aos exercícios em grupo quando queremos favorecer determinados aspectos sociais.

A escolha do material é um ponto crucial da terapia artística e dependerá de múltiplos fatores, mas a intuição e a capacidade de empatia do terapeuta é o principal.

Ainda ficam alguns pontos para desenvolver, creio que a partir do exposto anteriormente se pode ter uma idéia do que é a metodologia com que trabalho, como disse Eva Mess ... 

“O criar artístico sempre deve permanecer transformável, poder sempre se moldar de novo a cada situação. Dar orientação, mas não forçar. Sempre deve nos fazer avançar, nunca finalizar totalmente. Abrirá, não fechará, perguntará, não responderá. O artístico é uma questão do coração...” (facebook arteterapiabr)

para saber mais visite o site: http://ismaelrodriguez5.wix.com/arteterapiahauschka

domingo, 16 de agosto de 2015

A PRÁTICA DA ARTETERAPIA COM A TERCEIRA IDADE


Por Eliana Moraes 

Um dos projetos que tenho me dedicado no ano de 2015 é a pesquisa sobre o potencial que a arteterapia tem na atuação com o público idoso. Motivada por meu trabalho na UIP (Unidade Integrada de Prevenção) do Hospital Adventista Silvestre – RJ –, meu desejo é produzir a monografia de conclusão da pós graduação em curso neste ano de Gerontologia e Saúde do Idoso pela AVM Faculdade Integrada, com o tema “Os benefícios que a arteterapia proporciona no trabalho com idosos: aspectos psicológicos e cognitivos”.

Faz parte deste projeto, compartilhar com os amigos do blog “Não Palavra” algumas das minhas percepções sobre este tema em um grande diálogo através de textos e palestras. No dia 06 de abril apresentei a palestra “Arteterapia e Terceira Idade: aspectos psicológicos e cognitivos” e no dia 03 de agosto, falando mais especificamente sobre “A prática da arteterapia com idosos: aspectos emocionais e cognitivos.”

Acredito ser essencial para o arteterapeuta se instrumentalizar teoricamente sobre as especificidades de cada público a que se propõe a trabalhar. A formação de arteterapia (como qualquer formação profissional) se dá de forma geral e cabe ao profissional se aprofundar em seus estudos para caminho específico que deseja trilhar. Sendo assim, por exemplo, o arteterapeuta que se propõe a trabalhar com crianças deve buscar estudar sobre o desenvolvimento infantil,  aqueles que trabalham com grupos terapêuticos, sobre os fenômenos de grupo e seu manejo, etc.

No trabalho com idosos não é diferente, havendo especificidades biopsicossociais a serem estudadas, e podemos perceber que um dos pontos de maior atenção no cuidado com idosos é o aspecto cognitivo. Compreendendo que:

“Cognição refere-se a um conjunto de habilidades cerebrais/mentais necessárias para a obtenção de conhecimento sobre o mundo. Tais habilidades envolvem pensamento, raciocínio, abstração, linguagem, memória, atenção, criatividade, capacidade de resolução de problemas, entre outras funções.”

Durante o processo de envelhecimento o cérebro vai sofrendo mudanças estruturais importantes, sendo natural algum declínio  nas funções cognitivas. Este declínio pode tornar-se patológico, culminando em uma demência. Desta forma, é imperativa a estimulação cognitiva, seja para a prevenção ou para a “redução de danos” deste processo.

Vejo a Arteterapia como uma técnica completa em sua atuação com o idoso. Pois por definição em uma sessão, enquanto trabalha as questões terapêuticas pertinentes ao paciente ou grupo, simultaneamente, a cada proposta de trabalho o profissional poderá manejar a estimulação das mais variadas funções cognitivas como Linguagem, Atenção,  Concentração, Memória, Percepção,  Abstração,  Funções Executivas, Praxia, Criatividade, etc.

Neste contexto o arteterapeuta deverá se instrumentalizar teoricamente para e desenvolver seu olhar para cada um destes pontos no momento de compor a sessão de arteterapia como um todo, e em seguida atuará como um grande maestro de uma orquestra numerosa de instrumentos.



Fonte:https://cienciadocerebro.wordpress.com/2012/09/05/o-que-e-desenvolvimento-cognitivo/

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Para quem desejar conhecer mais sobre o potencial da arte para a estimulação cognitiva recomendo os cursos de Juliana Ohy aos quais cursei e ampliaram minha visão e minha forma de trabalhar.




segunda-feira, 10 de agosto de 2015

RENNÉ MAGRITTE EM ARTETERAPIA – Uma experiência pessoal e profissional (Parte II)


Por Eliana Moraes


Em um texto anterior deste blog dei início a uma série de textos que compartilham meu diálogo com um artista surrealista que têm me atravessado em minhas reflexões pessoais e na prática como arteterapeuta: Renné Magritte. A pintura deste artista instigante:

... não oferece um meio de identificação, como uma fotografia de passaporte; a sua intenção é chamar a atenção, não para a realidade exterior como tal, mas para o insondável mistério por trás desta realidade. Na produção de Magritte, a imagem pintada é sempre a imagem de um pensamento e, como tal, o pintor exige que se reflita a sua condição inerente, como imagem. (PAQUET, 2000. p 67)

Na ocasião do texto anterior, defendi que a obra de Magritte, característica por suas “imagens poéticas”, são potentes estímulos projetivos, pois:

percebemos que não raramente as questões terapêuticas, fontes de angústia relatadas... pelo paciente, são traduzidas pelo artista em imagens... não literais, ricas em simbolismos, metáforas, paradoxos, características tão presentes e ao mesmo tempo tão desestabilizadoras da vida. Propor ao cliente/paciente de arteterapia um diálogo com grandes artistas, e neste contexto específico com Magritte e suas imagens provocativas, mostra-se uma experiência riquíssima e eficaz na prática da arteterapia.

Das imagens do artista que tenho utilizado em minha clínica, talvez a que se faz mais presente é a que ilustra este texto. Uma imagem que demanda um olhar curioso e uma atitude reflexiva para se compreender a profundidade de seu simbolismo. Magritte retrata um dilema tão profundamente humano, que nos faltam palavras para alcançá-lo.

Agraciados somos, quando podemos desfrutar de um encontro com poetas – artistas, seres humanos sensíveis às questões humanas e que possuem uma intimidade singular com as palavras. Não raramente, em um momento vivido por nós como “não palavra”, eles nos estendem a mão. E assim, refletindo sobre a imagem de Magritte, pude encontrar eco nas palavras de Dostoievski em "Os irmãos Karamazov", que parecem ter sido escritas em um diálogo perfeito com Magrite, um diálogo entre imagem e texto, pintura e poesia:

Somos assim. Sonhamos o voo, mas tememos as alturas. Para voar é preciso amar o vazio. Porque o voo só acontece se houver o vazio. O vazio é o espaço da liberdade, a ausência de certezas. Os homens querem voar, mas temem o vazio. Não podem viver sem certezas. Por isso trocam o voo por gaiolas. As gaiolas são o lugar onde as certezas moram.

É um engano pensar que os homens seriam livres se pudessem, que eles não são livres porque um estranho os engaiolou, que se as portas das gaiolas estivessem abertas eles voariam. A verdade é o oposto. Os homens preferem as gaiolas ao voo. São eles mesmos que constroem as gaiolas onde passarão as suas vidas
.


Experiência marcante é quando um paciente se depara com a chance de reconhecer e nomear as suas gaiolas. E admitir que não apenas elas o pertencem, mas que ele é a própria gaiola. Neste momento de tomada de consciência, há um convite ao responsabilizar-se e a pergunta se apresenta: “qual é o meu desejo? Voar um salto para a liberdade, mas me expondo ao desconhecido ou manter-me no lugar restrito porém seguro?” Esta é uma resposta absolutamente individual e somente cada sujeito poderá dizer qual é o seu caminho possível.

Um último impacto que experimentei com esta obra se deu quando soube seu nome: “O terapeuta”. Magritte sempre fez questão de não fazer qualquer descrição ou identificação de suas obras nos títulos, porém neste caso ele nos provoca uma interrogação.

Após (me) pensar, imagino que o segredo esteja na capa vermelha que o sujeito da imagem carrega. Pois, terapeutas são aqueles que têm a vocação e a técnica para estar ao lado dos que estão reconhecendo, nomeando e se responsabilizando por suas gaiolas. E neste momento, precisa lançar mão de uma “capa protetora” de si  para desempenhar seu ofício de tamanha responsabilidade. Entretanto, também faz parte do ofício do bom terapeuta reconhecer que quando ele encerra seu trabalho, é necessário abrir (mão de) “sua capa”, admitir sua humanidade e que ele também precisa encarar de frente suas próprias gaiolas.



PAQUET, Marcel. Magritte. Paris: Taschen, 2000.

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Arteterapia pelo Mundo: uma experiência canadense.

Por: Maria Cristina Resende

Seguindo a temática Arteterapia e Idosos, proposta por Eliana Moraes, trago para o publico leitor do Blog Não-Palavra, uma oportunidade de ler o que outros países pensam e fazem com a Arteterapia, neste caso, com idosos.

O reconhecimento da profissão, as metodologias aplicadas e as bases teóricas que fundamentam a prática nesses lugares. O primeiro texto da sequencia, "Arteterapia pelo mundo", mostra o trabalho publicado pelo Hospital Saint Michael, no Canadá.
Com tradução livre, o texto traz o hiperlink para quem quiser dar uma conferida no texto original e de lá desdobrar em novas pesquisas.

Arteterapia e Demência: Como a criatividade ajuda a destrancar pensamentos e medos de pacientes com Alzheimer


Tradução livre da autora do artigo: Art Therapy And Dementia: How Creativity Helps Unlock Alzheimer’s Patients’ Thoughts And Fears. Publicado pelo jornal Canadense sobre o trabalho realizado no Hospital Saint Michael, Toronto, Canadá.


Entre várias faculdades preciosas que a demência rouba de uma pessoa, as habilidades artísticas não parecem ser uma delas, é o que estudos recentes descobriram. E enquanto os idosos avançam na velhice, a expressão criativa pode ser a chave que abre, o que a doença mental mantem tão dolorosamente inacessível.


Abrindo a mente com a arte

Comunicação é uma das primeiras perdas das pessoas que lutam contra a demência. Enquanto um indivíduo pode pensar os mesmos pensamentos e carregar os mesmos medos, a habilidade de transmitir esses pensamentos e sentimentos diminui enquanto a doença piora. Um estudo do Hospital Saint Michael, em Toronto, apresentou resultados promissores com pacientes com demência cuja habilidade artística tem permitidos a eles se comunicarem com os entes queridos e a equipe do hospital.
Publicado no Jornal das Ciências Neurológicas, do Canadá, o estudo foi focado na renomada escultora internacional Mary Hecht antes de sua morte em abril de 2013. As habilidades artísticas de Hecht eram, sem dúvidas, anteriores à sua batalha contra a demência, mas o que os médicos acharam fascinante foi a sua propensão a fazer desenhos e retratos detalhados, tudo de memória nos anos que antecederam sua morte. Isso tudo apesar do caso severo de demência vascular, um tipo de doença mental similar ao Alzheimer, que é marcado pelo declínio severo das habilidades cognitivas além da redução de fluxo sanguíneo para o cérebro.
“A arte abre a mente”, afirma autor do estudo Dr. Luis Fornazzari, especialista em neurologia na clínica de memória do Hospital Saint Michael. “Mary Hecht foi um exemplo notável de como as habilidades artísticas são preservadas, apesar da degeneração do cérebro e da perda das funções e da memória mais quotidiana.”
Devido ao acidente vascular que teve anteriormente, Hecht ficou presa em uma cadeira de rodas. As habilidades cognitivas ficaram tão debilitadas que ela não conseguia reproduzir as horas corretamente num simples desenho de um relógio; ela também não podia se lembrar de nenhuma das palavras que fora pedido para se lembrar ou o nome de animais comuns. Mesmo assim, ela conseguia reproduzir de memória um desenho que fez a mão livre momentos antes. Também desenhou um retrato detalhado da assistente de pesquisa da Clinica da Mémoria do Hospital.
 “Esta é o exemplo mais excepcional do grau de preservação das habilidades artísticas que vimos na nossa clinica”, disse o Dr. Corinne Fischer, diretor da Clínica da Memória e um dos autores da pesquisa. “A maioria dos estudos que tem sido feito nessa área focaram em outros tipos de demência, como o Alzheimer e a demência temporal frontal, enquanto que este é um caso de restrição cognitiva em uma paciente com uma avançada demência vascular”.

Comunicando o que palavras não podem mais



Muitos casos similares aos de Hecht existem nos hospitais que praticam a arteterapia. E enquanto a prática tem comprovados benefícios paliativos, médicos permanecem inseguros sobre como a expressão pode ter efeitos tão profundos.
“Arteterapia ajuda muito pacientes com demência e Alzheimer”, diz Dr. Daniel Potts, neurologista e especialista em Alzheimer no Alabama, “porque habilita o indivíduo que está tendo problemas com a comunicação a passar por esses problemas de linguagem, se comunicando e se expressando de um jeito diferente”.
Cientistas não sabem o que causa a doença de Alzheimer, que é a forma mais comum de demência, e resulta do acúmulo da proteína beta-amilóide nas células nervosas do cérebro. Essas placas se espalham pelo córtex enquanto a doença avança, diminuindo as funções mentais e inibindo os processos neurológicos associados com a memória e a cognição. Arteterapia parece “redirecionar” a comunicação para caminhos diferentes dos meios tradicionais.
 “Há algo na produção da arte que permite ignorar alguns dos problemas da demência”, diz Potts. “Arte e música parecem derivar-se de diferentes regiões do cérebro”.
Enquanto essas formas de terapia podem não curar a demência de um indivíduo, elas podem oferecer uma substancial recompensa da qual ela poderia não receber nesse estado.
 “Ela dá uma sensação individual de realização”, adiciona Potts. “Elas estão perdendo sua cognição, mas a arteterapia dá um caminho para criar e ter alguma satisfação. Isso permite a eles explorarem seu verdadeiro eu, que de outras formas não poderiam”.

Fonte: Fornazzari L, Ringer T, Ringer L, Fischer C. Preserved Drawing in a Sculptor with Dementia. Canadian Journal of Neurological Sciences. 2013.