Caixas
de pizza e folhas naturais secas
Por Claudia Maria Orfei Abe
- São Paulo/SP
Instagram: @claudia_abe_
Estava no shopping center.
Resolvi comprar duas pizzas individuais e levar para viagem, ou seja, para o
jantar meu e do meu marido. Até que a pizza estava gostosa. Na hora de jogar
fora a embalagem... hum, essas caixas são ótimas para a arteterapia !
Uma vez ouvi a arteterapeuta
Renata Freitas de Almeida falar: “Existe uma linha muito tênue entre o
arteterapeuta e o acumulador”. Maridos que o digam!
Quando cheguei à casa de meu
pai, num outro dia, rapidamente olhei para uma planta no jardim com suas folhas
secas, e tive uma ideia. Porque não usar essas folhas secas juntamente com as
caixas de pizza?
Vamos fazer uma colagem de
folhas nas caixas!
As
atividades desenvolvidas com flores, folhas e gravetos proporcionam a
formulação de variados trabalhos, todos dotados de uma certa magia e
encantamento, com profunda expressão. Para muitos, lidar com as flores e folhas
é muito prazeroso, está ligado à terra e à natureza. Apela aos sentidos
remetendo a lembranças de infância, aos sonhos da adolescência, à beleza da
maturidade, à suavidade da idade madura. (CARRANO E REQUIÃO, 2013, pág. 204)
Esta foi a 48ª sessão
arteterapêutica, com meu pai aos 84 anos e minha tia materna aos 92 anos, em
01/agosto/2019. Trabalhamos estimulação cognitiva em domicílio.
Fui ao jardim, colhi alguns
ramos e coloquei sobre a mesa. Pedi para que retirassem as folhas secas do ramo.
Minha tia retirou as folhas uma a uma. Meu pai retirou todas de uma vez,
passando os dedos pelo ramo rapidamente.
Só falei para fazerem uma
colagem das folhas na caixa de pizza.
Observei que meu pai
prontamente iniciou a colocação das folhas sobre sua caixa e fez a colagem, ao
invés de minha tia que foi separando as folhas, organizando-as sobre a caixa,
mas sem colar ainda.
As
técnicas desenvolvidas tanto na educação quanto na saúde com estes materiais
permitem trabalhar a fragilidade versos a firmeza; a mobilidade, a organização,
a estruturação e a resistência ao tempo, isto é, caminhamos da cor e da forma
até a ação do tempo trazendo o envelhecimento e o desfazer da forma. (CARRANO E
REQUIÃO, 2013, pág. 204)
Meu pai aceitou uma pinça para
trabalhar e minha tia utilizou giz de cera para completar seu trabalho.
Pai: “Mamma mia, que porcaria, porca miséria, mamma mia, que droga,
vecchiaria”. (Lembrando que ele é descendente de japonês, mas conviveu com
o sogro italiano). É a segunda vez que percebo uma depreciação de sua obra, em
sua fala.
Compartilhamento
Tia:
“Folhas Secas”
Tia:
Não tem nem o que falar. São folhas secas... o próprio está dizendo. Achei
fácil fazer isso. (Não se lembrou de nada ao fazer o trabalho).
Pai: (pergunta para tia) Você usou régua? Estão alinhadas, nada fora de linha. Põe aí: Perfil perfeito! (Ao que minha tia responde): Estão parecendo chocolate.
Pai:
“Mama mia – Arigatô”
Pai:
As folhas ficaram, passou a velhice. Amadureceu (as folhas). Não lembrei nada. Na
verdade, ele nem consegue se lembrar de que foi ele mesmo quem as plantou no
jardim.
(Escreveu errado “Mama” Mia em seu trabalho, disse que iria consertar). Japonês não sabe escrever italiano...
Folha
em pé ao centro
Reparei que a colagem de meu pai tinha a cara de uma
mandala e a última folhinha que foi colocada, com o auxílio da pinça, estava no
centro e em pé !!!
Uma
das formas de eternizá-lo é por meio da reprodução, da foto ou, até mesmo, da filmagem.
Já quando trabalhamos com elas secas, o trabalho se torna mais resistente ao
tempo e aos seus efeitos. (CARRANO E REQUIÃO, 2013, pág. 204)
Dias depois, a gatinha Fufu passeou pelo trabalho e pelo
visto mordiscou algumas folhinhas...
Bibliografia:
CARRANO, Eveline e REQUIÃO,
Maria Helena – Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o
trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.
Se você quiser ler meus
textos anteriores neste blog, são eles:
Um Material Inusitado – O
Carimbo de Placenta – 10/05/21
As Vistas do Monte Fuji –
22/03/21
É Pitanga! – 07/12/20
O que é que a Baiana tem? –
26/10/20
Escrita prá lá de criativa –
27/09/20
Fazer o Máximo com o Mínimo
– 01/06/20
Tempo de Corona Vírus, Tempo
de se Reinventar – 13/04/20
Minha Origem: Itália e Japão
– 17/02/20
Salvador Dali e “As Minhas
Gavetas Internas” – 11/11/19
“’O olhar que não se
perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19
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Sobre a autora: Claudia
Maria Orfei Abe
Arteterapeuta – atuei em
instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e
acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência
para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.
Voluntária com o projeto on
line “Cuidando do Cuidador”, para cuidadores familiares de pessoas com a Doença
de Alzheimer.
Autora do texto “Salvador
Dalí e as minhas gavetas internas”, publicado no livro Escritos em Arteterapia:
Coletivo Não Palavra – organizado por Eliana Moraes, 2020, Semente Editorial.
Atendo em domicílio e on line.
Gostei dos dois trabalhos, um mais ordeiro e outro, mais criativo- uma mandala foliar-; o importante é que fazem arte livre e bonita. Parabéns para seu pai e sua tia!!!😘❤️
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho e dedicação para com os dois. Dois trabalhos lindos e bem executados.
ResponderExcluirTrabalhos lindos, cheios de significados, conduzidos por alguém que sabe o que faz e transmite confiança aos seus pacientes. Parabéns!
ResponderExcluirOlá!
ResponderExcluirRelatos sempre emocionantes!!!!
Tenho a sensação de participar da sessão....muitos detalhes....
E as folhas secas são o testemunho da resistência ao tempo...
Trabalhos fantásticos!!!!
Sigam em frente!
Parabéns!
Beijos!!!!
Parabéns pelo trabalho!!!
ResponderExcluirParabéns pelo trabalho bonito com as folhas, tanto o do pai quanto ao da tia, Cláudia!! Ficaram bem interessantes... Beth Piovezan
ResponderExcluirQue trabalhos lindos, cada um com significados diferentes, trabalho para a terapeuta interpretar. Parabéns Claudia, seus trabalho é produtivo.
ResponderExcluirParabéns aos dois que transformaram uma caixa de pizza num lindo trabalho!
ResponderExcluirA criatividade da Arteterapêuta Cláudia M.Orfei Abe, segue tecendo uma longa história de amor familiar. Os vínculos se ressignificam, se entrelaçam,se fortalecem e transcendem o aqui e agora: retomam a história de vida de cada um. Através da convivência artística e da execução da própria obra, o Inconsciente de todos os envolvidos: transcreve-se; incluindo o da Arteterapêuta, com as escolhas dos materiais e das atividades. O trabalho desempenha a sua função holística, trazendo estímulo e cura ao corpo, à mente e ao espírito. A cura: talvez a resignação dos limites da vida, perpassa todo o Processo. Folhas secas são lembranças de vida. MEMÓRIAS SÃO ETERNAS. Nem tudo "acaba em pizza". Com carinho e admiração da amiga Lis.q
ResponderExcluirOlá, Cláudia!
ResponderExcluirLer as sessões de arteterapia desse trio é uma grande pluralidade de conexões sempre.
Mais um texto espetacular da Cláudia. Sempre com uma linguagem direta, clara, envolvente e perspicaz.
Sim, eu diria até que há uma linha muito tênue não somente entre arteterapeuta e acumulador , mas entre muitos artistas e acumuladores.
Os trabalhos com folhas secas na moldura já instigante em forma de octógono da caixa de pizza são... obras de arte. Simples assim. Sem filosofias a mais ou a menos. A delicadeza dos arranjos e o caráter despretensioso dos dois participantes, os tornam artistas verdadeiros.
Tomando-se em conta o lado de condutora da Cláudia como arteterapeuta, ela também age como autêntica e genuína professora de arte, onde o professor não é aquele que ensina coisas, mas sim aquele que conduz para a efetivação da arte que é absolutamente natural ao artista enquanto indivíduo único. Arteterapeuta e professor estão nas palavras e condução de todo o processo por parte de Cláudia. E isso é simplesmente espetacular.
Folhas secas , folhas novas... metáforas sobre envelhecimento... mas o pai e a tia, ali no momento da produção, parecem crianças absolutamente encantadas com o novo de tudo que Cláudia trás a eles. Isso é ... arteterapia, encontrar-se com a Vida.
Talvez sejamos velhos se pensamos que estamos com 88 anos, mas tudo é relativo ao tempo que se projeta. Para mais uma semana de vida... a segunda-feira é um autêntico despertar de uma nova vida que vai até a sexta-feira, ou o domingo, ou, quem diria, para mais uma segunda e assim por diante.
Somos sempre muito novos para o dia de amanhã.
Obrigado, Cláudia!
Assinado: Arthur Blade
Muito linda arte deles, refinamento. Parabéns pelo lindo e consistente trabalho
ResponderExcluirClaudia,uma coisa muito bacana é está sua inspiração!!Em tudo vê uma oportunidade de desenvolver algum trabalho com eles! E como ficaram bonitos!!! Parabéns mais uma vez!!
ResponderExcluirParabéns.
ResponderExcluirCláudia, sempre aprendo com a tua partilha. Muito obrjgada!
ResponderExcluirBonito trabalho, sempre, Claudia ! A sua imaginação na procura de novos trabalhos, para sua Tia e seu Pai, é fantástica. E, uma vez mais, aparece um bonito trabalho de cada um, bem diferente um do outro.Gosto sempre,de ver os trabalhos e a sua fabulosa Arterapia.Peço-lhe que assim continue. Beijo💖
ResponderExcluirCláudia, eis que navegando no Instagram encontrei seu trabalho! Cuidadoso! Sutil e ao mesmo intenso! Cada vez que você traz conteúdo vivo de suas sessões a sensação é que também eu estava ali! Parabéns viu?
ResponderExcluirParabéns pela sua criatividade
ResponderExcluirQue maravilhoso ler esse conto-texto-relato!
ResponderExcluirSempre um deleite dar uma espiadinha nos trabalhos desse trio incrível. Ri como seu pai praguejou depois de terminar a obra hahaha e achei demais a obra final.
Isso de artista-acumulador/a... Me tranquilizou, me vejo muito nisso rsrs.
Abraço e parabéns pela delicadeza, imaginação e perspicácia!
Claudia, muito boa ideia, fazer um trabalho numa caixa de pizza. Adorei o trabalho dos dois. Muito bem organizado, mostrando percepção de distância, espaço. Mas o que amei foi a folhinha no meio em pé, dando um toque de um verdadeiro artista. Muito bom !! Parabéns aos dois, nem parecem que tem alguma restrição. E aplausos à vc que tem desenvolvido atividades para melhorar ou desacelerar distúrbios e outras enfermidades.
ResponderExcluirCecilia Massuyama
Cláudia, parabéns pela sua ação na arte terapia... A criatividade sempre como a essência terapêutica neste campo magnífico de atuação profissional... Ela faz efeito quando está acesa trilhando caminhos. Beijos!
ResponderExcluirSolange Cabral de Deus.
Oi Claudia!!!
ResponderExcluirMuito interessante o trabalho.
Folhas secas e embalagens descartáveis que num primeiro olhar não teriam mais serventia.
Aí acontece a magia da transformação, vinda de mãos que trabalharam e transformaram muitas coisas durante os longos anos de vida.
Através da orientação seu pai e sua tia mostraram que existe beleza em coisas que para muitos não teriam mais utilidade.
As folhas secas já foram verdes e a caixa que seria descartada já teve a sua utilidade.
Coisas e pessoas...
Transformadas pelo tempo, mas que carregam dentro de si uma história que nunca deveria ser esquecida.
Maria Casagrande
São duas sensibilidades diferentes, a tia desenha uma arquitetura urbana com as casas alinhadinhas e rodeadas de jardim. O pai tem, quanto a mim, uma noção de estética mais apurada e "pinta" um quadro a cheirar a outono com a flor rodeada de folhas secas.
ResponderExcluirUm abraço, Álvaro (Porto, Portugal)