Desenho Automático, 1925 por André Aimé
René Masson (1896-1987, France)
Por Sueli Antonusso - SP
antonusso@gmail.com
De
Botton (1969), filosofo e escritor
suíço, refere-se a Arte,
Como outros instrumentos, a arte tem o poder de ampliar
nossas capacidades para além dos limites originalmente impostos pela natureza.
A arte compensa algumas de nossas fraquezas inatas, nesse caso mais mentais do
que físicas, fraquezas que podemos chamar de fragilidades psicológicas. (p. 5).
Entre a primeira e a segunda Guerras Mundiais
surgiu o movimento artístico e literário surrealista que reuniu artistas de
vanguarda e ganhou dimensão mundial. O surrealismo destacava o papel do
inconsciente na atividade criativa influenciado pelas teorias psicanalíticas de
Sigmund Freud (1856 – 1939). Alguns dos objetivos do surrealismo era produzir
uma arte autônoma, livre do pensamento lógico e da consciência cotidiana buscando
expressar o mundo inconsciente e os sonhos.
Ainda que o reconhecimento da utilização das
artes com fim terapêutico tenha surgido há bastante tempo, a estruturação de
estratégias terapêuticas que deram origem a Arteterapia são mais recentes. O
protocolo mais recente de atividades próximas a Arteterapia foi feito pelo
médico alemão Johann Christian Reil, contemporâneo de Pinel, no início do
século XIX. (SEI, 2011, p. 23).
A
Arteterapia propõe atividades artístico-expressivas com objetivo terapêutico. Materiais
e recursos provenientes das Artes em geral são utilizados para realização de
produções que ocorrem durante o processo terapêutico com a finalidade de
atender a necessidade expressiva de cada indivíduo na busca de significado e
sentido para a própria vida.
Em
Arteterapia as imagens produzidas, mediadas por recursos expressivos da Arte, podem
ser consideradas como uma forma simbólica de comunicação entre cliente e
terapeuta, “O ser humano tem a capacidade de transmitir
uma experiencia emocional através de um canal plástico como, por exemplo, a
poesia, a produção pictórica, a música, o teatro, as histórias, enfim, através
de experiencias da cultura”, segundo
Hisada (1998, p.5 apud SEI, 2001, p. 33, 34).
No
Brasil o exercício da Arteterapia fundamenta-se, de maneira mais frequente, em dois
referenciais teóricos: a Gestalt-terapia e a psicoterapia Junguiana, enquanto que
nos EUA e alguns países da Europa a psicanálise configura-se como estrutura na
qual baseia-se o setting arteterapeutico.
Para
Freud (1909), médico e psicanalista alemão, a criatividade emana do
inconsciente, de forma livre. Relacionou as imagens e sensações dos sonhos às
lembranças de um passado reprimido e retido no inconsciente. Seus conceitos
sobre arte foram extraídos do teatro grego, dos contos fantásticos alemães, de Shakespeare, entre outros artistas.
Contudo, Jung (1920), psiquiatra e analista suíço, empregava
recursos da arte como elemento do tratamento. Solicitava que seus pacientes
desenhassem seus sonhos e conflitos como atividade criativa e integradora da
personalidade no qual atribuía significados simbólicos considerando o
inconsciente pessoal e coletivo.
Em
meu trabalho como arteterapeuta e psicanalista faço uma mescla entre a teoria
psicanalítica e junguiana nos atendimentos em Arteterapia.
Ao
realizar encontros com grupos proponho atividades mais estruturadas. Utilizo
recursos como filosofia, visualizações criativas, Rodas de Conversa, Arte
Moderna, poesias, contos e mitologia para sensibilizar e estimular a
expressividade de conteúdos inconscientes favorecendo, assim, o
autoconhecimento e a ampliação do potencial criativo, a partir de um plano de
ação pré-definido.
Já,
nos atendimentos individuais, o processo criativo é deixado mais solto e
espontâneo, seguindo a proposta de Winnicott (2005 [1964 – 1968]), pediatra e
psicanalista inglês, para as primeiras entrevistas por favorecer a confiança na
relação no início do processo.
De
acordo com Winnicott (2005 [1964 – 1968]), o paciente
necessita de
um setting estritamente
profissional, no qual fique livre para explorar a oportunidade excepcional que
a consulta proporciona para a comunicação. A comunicação do paciente com o
psiquiatra referir-se-á às tendências específicas que têm forma atual e raízes
que remontam ao passado ou se entranham profundamente na estrutura da
personalidade do paciente e de sua realidade interior pessoal. (p. 230).
Winnicott
(2005[1964 – 1968]) criou o Jogo do Rabisco com a finalidade de oferecer ao
paciente um setting profissional preparado para acolher seus sentimentos e
emoções, uma forma de sustentação [holding]
capaz de surpreender, facilitar a comunicação e a expressividade.
Utilizo
o Jogo do Rabisco, desenvolvido por Winnicott, na primeira entrevista. Para
ilustrar, trago um recorte do atendimento de A, adolescente de 17 anos que foi encaminhado com diagnóstico de
gagueira grave e lggm restrita e pensamento concreto, segundo teste
psicológico.
Na
primeira entrevista A mal conseguia pronunciar
seu nome. Percebi que seria difícil manter um dialogo por meio da palavra.
Propus o Jogo do Rabisco no qual fiz uma adaptação. Utilizei uma folha de papel
sulfite, em branco, no formato A4. Com um lápis grafite fiz um rabisco na folha
e sugeri que A desse continuidade
fazendo outro rabisco com seu lápis e, assim, seguimos até que a folha
estivesse preenchida. Em seguida pedi que A
colorisse os rabiscos até encontrar alguma forma que tivesse algum significado
e, assim, surgiu a imagem de um pinguim.
Li para A, usando a internet, sobre a vida dos pinguins. A mostrou-se interessado pelo fato de
os pinguins serem pássaros que não podem voar, metaforicamente traz a ideia de
que é um “ser” não convencional. Talvez, A
tenha se identificado por ser negro, gago, diferente da maioria, “não
convencional”. Além disso, tem a questão da submissão ao que é imposto
socialmente, ao que é comum, “convencional”. A,
adolescente e “diferente” sinalizou que uma das suas questões poderia estar
relacionada a ter que “submeter-se” às convenções, mesmo sendo “diferente” da
maioria.
Os pinguins são seres sociais
e comunicativos e A, apesar do largo
sorriso simpático, apresentava muita dificuldade para se comunicar por causa da
gagueira. Por serem sociáveis, os pinguins partilham a sobrevivência com o
grupo. A, por sua condição, comentou
sentir-se socialmente isolado.
A demonstrou
ter gostado bastante de saber sobre a vida dos pinguins. Seja por identificação
ou pelo estranhamento, A conseguiu contar-me
algumas questões que lhe causavam muito sofrimento.
Desde os cinco anos de idade,
toda vez que o pai chegava em casa embriagado batia nele com um pedaço de pau, sem
motivo. Atualmente, por ter crescido e estar mais forte passou a revidar as
surras. Disse sentir muito ódio do pai.
Falou sobre o bullying sofrido
na escola por ser - “não convencional”, como os pinguins. Como os pinguins, gostaria
de conviver socialmente, de ser aceito sem precisar passar por tanto preconceito.
Assim que A terminou pontuei que talvez o
desenho do pinguim tenha “facilitado” sua fala. Ele conseguiu, através do
desenho, reconstruir uma pequena parte da sua história e contado um pouco sobre
sua vida, fazendo uma pequena “pausa” em sua gagueira. Ele sorriu e concordou
balançando a cabeça.
Às
vezes, a comunicação através da linguagem ou da palavra é bloqueada por ser
angustiante. Quando a angústia provém de fases mais “arcaicas”, isto é
pré-verbal, ou através do trauma o indivíduo sente de forma mais intensa pelo
fato de não ter constituído recursos internos para lidar com sofrimentos
profundos. Nesses casos, os recursos expressivos da Arte constituem canais
criativos que facilitam a comunicação dessas experiencias de intenso
sofrimento.
Para Winnicott (2005 [1964
– 1968]),
cabe ao terapeuta proporcionar, ao paciente, um relacionamento natural e humano,
um vínculo capaz de tornar possível a integração da personalidade através do
que chamou de Holding. O Holding consiste
numa forma de “sustentação”, de disposição empática e afetiva para
perceber e atender às necessidades do paciente.
Nesse
sentido, a Arte pode configurar-se como um meio no qual, somado ao Holding fornecido pelo setting arteterapeutico “pode colaborar para a emergência do gesto
criativo e espontâneo do paciente, com a vivencia de ser alguém singular e
único a partir da própria espontaneidade.” (SEI, 2001, p. 41).
Dessa forma, acredito
que podemos pensar a Arteterapia como um espaço continente e seguro, conduzido
pelo arteterapeuta profissional que auxilia e facilita a comunicação de
questões profundas da personalidade e possibilita a expressão criativa de forma
livre e prazerosa, como num jogo ou numa brincadeira.
REFERENCIAS:
De Botton, A. e
Armstrong J. Arte como terapia; tradução Denise Bottmann. – 1. ed. – Rio de
Janeiro: Intrínseca, 2014.
Sei, M.B. Arteterapia
e psicanálise – São Paulo: Zadodoni, 2011.
Winnicott, C.
Explorações Psicanalíticas: D.W. Winnicott, Ray Shepherd & Madeleine Davis;
Trad.: José Octávio de Aguiar Abreu – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994.
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Sobre a autora: Sueli Antonusso
Arteterapeuta, com registro na
AATESP – 453/0618. Especialista em Psicanálise e Orientação Profissional e
Carreira pelo Instituto Sedes Sapientiae. Bacharel e Licenciada em Filosofia
pela PUC-SP. Idealizadora do projeto “CICLOS – que idade a idade tem?”. Atua
com atendimento clínico à jovens, adultos, idosos e grupos, com o foco voltado
para a ressignificação da história de
vida e o acolhimento de demandas em fase de finalização e/ou início de
Ciclos, como: início da idade adulta, maturidade, transição de carreira e
tantas outras que fazem parte dos Ciclos de Transição. Coordenação de oficinas de Formação e Capacitação para educadores da rede
pública. Realiza palestras e cursos destinados ao desenvolvimento
pessoal e realização do potencial criativo com o objetivo de incentivar a
exploração do novo e encorajar a autonomia.