segunda-feira, 20 de maio de 2019

SOBRE O REAPROVEITAMENTO DE MATERIAIS EM ARTETERAPIA: O ISOPOR



Por Eliana Moraes (MG) RJ
Instagram @naopalavra

Neste ano tenho me dedicado mais profundamente à reflexão e busca de possibilidades quanto ao reaproveitamento de materiais nas práticas da Arteterapia. Este tema vem me atravessando há algum tempo, porém mais assertivamente desde a publicação do texto “Hécate” de Laila Alves de Souza. CLIQUE AQUI

Desta reflexão nasceu alguns textos* e o encontro vivencial “O que é bom para lixo, é bom para poesia”, oferecido pelo Não Palavra em diversos espaços ao longo do ano. Nesta vivência, refletimos sobre o tempo de escassez ao qual estamos vivendo. Na escuta clínica, ela se apresenta com frases como “não tenho”, “não posso”, “não há mais”. Ao acreditarmos nestes imperativos limitantes, a vida vai reduzindo-se, empobrecendo-se. Mas a  pergunta que se faz é: diante de tantas impossibilidades, o que ainda é possível? Diante de tanto “não ter”, o que ainda temos? 

Esta reflexão também transborda para os materiais em Arteterapia. Não estamos em tempos de mesa farta e isto não pode ser vivido como a impossibilidade do criar. Pelo contrário, aqui nasce o convite à uma outra criatividade, aquela que se faz a partir do muito pouco ou quase nada. Este é o verdadeiro desafio de nossos tempos.  

Neste contexto tenho pensado sobre possíveis materiais aos quais inicialmente seriam descartados e por já terem cumprido sua função primordial, seriam jogados no lixo. Porém, se sairmos do movimento automático, dispensarmos um pouco de atenção e nos demorássemos a observar aquilo que em um primeiro olhar seria desinteressante e desimportante, quantas possibilidades e riquezas seriam descobertas!

Um dos materiais que mais ganho como sucata, são bandejas de isopor e suas variáveis. São aquelas bandejas que servem de suporte de mercadorias, como  pizzas, bolos, frios, carnes, frutas... Este material altamente descartável em nosso cotidiano, vale a pena ser observado. Embora o isopor seja considerado um material ecológico já que não contamina o solo, a água e o ar, na natureza ele demora 150 anos a ser degradado. Mas um ponto positivo é que este material é altamente reciclável e reaproveitável. 

Cabe aqui o discernimento entre o que é reciclar e reaproveitar materiais. A reciclagem subentende o processamento de um item com o intuito de produzir um outro produto útil, como por exemplo as garrafas pet que podem se transformar em fibras de poliéster, o chamado “tecido pet”. Já no reaproveitamento ou reutilização de materiais o item não é transformado em um novo produto, mas pode ser reaproveitado em diversas possibilidades de uso, como papéis que podem ser usados como blocos de rascunho ou garrafas que podem se tornar objetos de decoração. 

Embora o reaproveitamento de materiais não colabore diretamente na questão dos resíduos como a reciclagem, ela contribui enormemente para a gestão do lixo, reaproveitando uma matéria prima que seria facilmente descartada em lixões ou aterros. Sendo assim ela age contra a cultura do desperdício e colabora para a redução da exploração de recursos naturais para a produção de novos materiais.  

O discurso do empobrecimento dos recursos é antagônico à uma das grandes preocupações ambientais da atualidade: o elevado consumo humano de produtos que são facilmente descartados, quando poderiam ser reutilizados. No entanto, são transformados apenas em lixo e poluição para nosso planeta.

Como arteterapeutas, trabalhamos essencialmente com materiais, e assim entendo que devemos pensar sobre como estamos administrando-os. Se os utilizamos de forma sábia e sustentável ou se ainda operamos com a lógica da fartura, do consumo e do desperdício.  

Este é um terreno ainda novo para mim, mas tenho me dedicado à busca de novas alternativas e inspirações. Hoje compartilho algumas possibilidades que tenho explorado na reutilização de bandejas de isopor em minha prática arteterapêutica. 

O isopor em técnicas de Arteterapia 

Desenho


O isopor reage muito bem como um suporte para desenho quando utilizado com pastel oleoso e seco. Neste contexto ele pode substituir o uso do papel alcançando um excelente resultado. E ainda possível explorar sua forma original como superfície. Se redondo, serve como uma mandala. Em forma de bandeja é possível explorá-lo como uma superfície tridimensional: além da altura e largura, contempla a profundidade. 

Colagem



Para colagens diversas, a bandeja de isopor também pode ser utilizada como superfície análoga ao papel. Mas outra técnica interessante se dá com a possibilidade de quebrá-la em pedaços e dos fragmentos nascer uma nova forma e composição. 

Quando a questão terapêutica gira em torno da palavra “quebra” – de padrões, de pensamentos, crenças e enrijecimentos diversos – o ato de quebrar e recompor sob novas combinações mostra-se um processo bastante simbólico dentro do setting arteterapêutico. Em um segundo momento é possível explorar as cores desta nova composição, na imagem e na vida. 


 Gravura 

A gravura é uma imagem obtida através da impressão dos traços gravados em uma matriz. O material da matriz pode variar e é ela quem nomeará o tipo de gravura. Por exemplo, xilogravura é o nome que se dá para a impressão de uma imagem gravada em madeira. Litogravura, a impressão sobre pedra. 


No contexto do setting arteterapêutico é possível reproduzir esta técnica gravando traços sobre a superfície do isopor com diversos materiais de corte, como palitos variados ou pregos. Uma vez que a matriz é preservada, a impressão pode ser feita e refeita inúmeras vezes em papeis com diferentes gramaturas e cores. 

Este trabalho é interessante ao proporcionar que o autor marque na superfície os traços aos quais deseja deixar gravado, registrando ali a sua marca e desta forma poderá potencializar a manifestação daquilo que deseja transmitir para si e para "o mundo". Em um segundo momento, explorar diversas possibilidades de impressão a partir de uma mesma matriz, mostra-se como uma experiência muito rica e bastante simbólica em uma jornada de autoconhecimento.   


O exercício do olhar que reaproveita os materiais (a princípio) descartáveis enfim torna-se uma postura de vida. Ao compreendermos a profundidade deste hábito dentro do processo criativo, naturalmente conseguiremos enxergar com outros olhos tantos recursos antes negligenciados, seja na vida objetiva mas também na subjetiva. Desta forma, é possível atravessar o tempo de escassez de outra maneira, experimentando outras possibilidades.  

E você? Como reaproveita seus recursos materiais e psíquicos? 

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga. 


Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.

Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI

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