segunda-feira, 29 de março de 2021

DO FAUVISMO À ARTETERAPIA: PINTANDO COM CORES SELVAGENS

 


                                                              "Alegria de viver" Henri Matisse

Por Eliana Moraes

naopalavra@gmail.com

Instagram @naopalavra 

No percurso da pesquisa que busca articular a História da Arte com a Arteterapia em suas diversas práticas, fiz um recorte para a Arte Moderna como objeto de estudo continuado e prolongado. Ao longo deste percurso tenho o hábito de eleger algum movimento e/ou artista para passar algumas semanas ou meses dialogando com tudo o que envolveram, representaram e possam colaborar para minha escuta e manejo como arteterapeuta. 

Hoje inicio uma série de textos como registro de alguns fragmentos da pesquisa sobre o movimento fauvista, estudado no último ano e compartilhado em palestras e encontros vivenciais. 

O fauvismo 

"Restaurante em Marly-le-Roi, ca Mu" Vlaminck

O Fauvismo foi um movimento artístico que iniciou-se na França, em 1905. Seus artistas protagonistas são André Derain, Maurice Vlaminck, e Henri Matisse – este considerado um dos mais importantes artistas do século XX. Nesta ocasião, participaram de uma exposição no Salão dos Autônomos (ou Independentes), um novo salão criado em oposição à exposição anual da Academia, cada vez mais inatingível, mas parte do comitê de seleção olhou para as pinturas psicodélicas e pronunciou-se contra sua exposição pública. Mesmo assim, todas as obras foram penduradas na mesma sala, permitindo ao visitante beneficiar-se do impacto da estonteante e “violenta” paleta de cores usada pelos artistas. 

Com pinturas em cores bastante vivas e intensas, os fauvistas inauguraram “... uma nova abordagem à pintura que privilegiasse a cor e a expressão emocional em detrimento da representação literal.”  (GOMPERTZ, p 111) Ou seja, ressaltando o elemento cor e simplificando a forma, tinham a intenção de demonstrar sentimentos nos quadros. 

O influente crítico de arte Louis Vauxcelles, de gosto bastante conservador, disse de modo depreciativo que as pinturas eram o trabalho de “Les Fauves” – as feras em francês. Foi um comentário desdenhoso feito por um crítico, mas (como aconteceu com outros movimentos da Arte Moderna) dele nasceu o nome de um novo movimento. 

 

Mas cabe dizer em defesa de Vauxcelles... suas experiências os haviam levado a desenvolver uma paleta que deve ter parecido descontrolada e indomada a um crítico de arte em 1905. Seus olhos não deviam estar acostumados a ver combinações de cor conscientemente escolhidas para chocar... Para um mundo artístico que ainda estava chegando a um acordo com os impressionistas e pós-impressionistas, as cores intensificadas usadas pelos fauvistas deviam parecer vulgares e berrantes ao extremo. (GOMPERTZ, 114) 

A cor é o elemento visual protagonista para os fauvsitas por causa de seu potencial expressivo. Nas palavras de Vlaminck:

 

Intensifiquei todos os meus valores tonais e transpus para uma orquestração de cor pura cada coisa que senti. Eu era um selvagem sensível, repleto de violência. Traduzi o que via instintivamente, sem qualquer método e transmiti a verdade, não tão artisticamente quanto humanamente. Apertei, destrocei tubos e tubos de águamarinha e vermelhão. (VLAMINCK in WHITFIELD, 2000, 19) 

Ou seja:

Para ele, a tinta era o único agente expressivo... Ele encorajava o espectador a tomar consciência da tinta como parte física do quadro, de modo que essas paisagens não são meramente registros do rio... mas principalmente e acima de tudo, veículos de expressão.” (WHITFIELD, 2000, 23-24)

 

Do fauvismo à Arteterapia 


"Abrir janela em Collioure" Henri Matisse

As práticas arteterapêtuicas inspiradas nos fauvistas nos servem quando desejamos estimular o “pintar com cores selvagens”, ou seja, fazer o uso de cores de forma liberta das cores naturalistas, mas utilizando a intensidade dos sentimentos como o mobilizador para o pintar.

São interessantes para experienciadores que necessitem fazer contato com sentimentos através da imagem e necessitem expressar-se com toda intensidade, “violência”. Desta forma, é importante ressaltar que para pintar como os fauvistas é essencial que, de alguma maneira, o tema e/ou a imagem despertem no autor afetos, emoções. Do contrário, não haverá contato com os sentimentos, impossibilitando sua relação com as cores de forma profunda.  

Neste contexto, estamos estimulando a função sentimento de acordo com a Psicologia Analítica. Quanto aos materiais, se utilizarmos a pintura, é essencial que sejam tintas mais concentradas, com cores puras (não tão transparentes). Se utilizamos o desenho, é interessante trabalhar com o pastel oleoso por suas cores intensas, que se aproximam mais dos traços fauvistas, menos preocupados com a precisão da forma. Porém, a prática nos mostra que a pouca precisão no traço pode causar resistência no experienciador, sendo neste caso uma boa opção as canetinhas, que também oferecem as cores intensas com maior controle do traço e linhas finas.

Prática arteterapêutica: “paisagens vividas”


"Barcos no porto de Collioure" Andre Derain

Podemos nos inspirar em André Derain que pintou o porto de Collioure, sem se preocupar em ser fidedigno com as cores realistas, mas sim a partir de seus sentimentos:

Cores naturais, perspectiva, realismo, tudo isso foi dispensado em favor da apreensão do que Derain sentiu ser o caráter essencial do porto. Isso significou uma representação muito diferente da clássica praia mediterrânea... O resultado é uma pintura evocativa que não só nos mostra Collioure, como nos fazer sentir o lugar. A mensagem do artista é clara: o porto é quente, rústico, sem complicações e pitoresco. Eles estavam usando a cor como um poeta usa palavras: para revelar a essência do tema... Ele girou o botão da intensidade da cor ao máximo, transformando um ambiente tranquilo numa alucinação multicor. (GOMPERTZ, 112-113)

Podemos estimular que o criador nos conte sobre suas experiências, paisagens visitadas ou lugares que fazem parte de sua história, pintando-as não com as cores literais, mas com as cores dos seus sentimentos. Este é um processo bastante mobilizador e revelador de memórias afetivas latentes ou manifestas.

 

Trabalho arteterapêutico

Na próxima semana dedicarei um texto especial à Henri Matisse, artista tão importante e tão inspirador para a História da Arte e para Arteterapia.

 

 

Bibliografia:

GOMPERTZ, Will. Isso é arte? 150 anos de arte moderna do Impressionismo até hoje. Rio de Janeiro, Zahar, 2013.

WHITFIELD, Sarah in STANGOS, Nikos (org). Conceitos da arte moderna, Jorge Zahar Ed, RJ, 2000.

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Sobre a autora: Eliana Moraes


Arteterapeuta e Psicóloga.

Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2
Organizadora do livro "Escritos em Arteterapia - Coletivo Não Palavra" 

segunda-feira, 22 de março de 2021

AS VISTAS DO MONTE FUJI

 

As Vistas do Monte Fuji por Claudia Abe

(Baseado nas obras de Hokusai)

 

Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP

leonardo.claudia@gmail.com

O artista japonês Katsushika Hokusai fez uma serie chamada 36 vistas do Monte Fuji (na verdade é uma série de 46 gravuras em madeira, dez das quais adicionadas após a publicação).

Foi justamente me inspirando nesse artista que surgiu a ideia de fazermos mais duas vistas do monte, desta vez numa sessão arteterapêutica com meu pai (de origem japonesa) e minha tia materna, em seu domicílio.

Alguns dias antes da sessão, pensei em fazer uma “cópia” dos trabalhos de Hokusai, para que eles pudessem ver os mesmos de uma maneira mais fácil, sem ser pelo visor do celular. Confesso que adorei fazê-la, o que considerei meu primeiro trabalho com aquarela depois de muito tempo, e fiquei bastante satisfeita e orgulhosa do produto (imagem no início deste texto).

Ao chegar na casa, deixei minha pintura com o meu pai, e este ficou por um longo tempo observando os vários desenhos nela contidos. Depois, já no início da sessão, fui mostrando cada pintura e lendo o seu respectivo nome. Começaram por experimentar o pincel, a água, as tintas, o papel próprio para aquarela.

Como a aquarela é uma tinta resultante de pigmentos de várias cores misturados geralmente com goma arábica, ela precisa ser dissolvida em água para ser utilizada. Portanto, é a quantidade de água presente no pincel que determinará a variação dos tons, dos mais suaves aos mais fortes. (URRUTIGARAY, 2011, pág 64)

Em seguida, perguntei como queriam o desenho do Monte Fuji, a posição dele, se queriam incluir rio, montanhas, árvore com flores ou só folhas etc. Meu pai pediu para fazer apenas o traço do monte no centro da folha, pois o restante ele queria criar. Minha tia colocou o monte à direita da folha com desenhos de nuvens e grama.

Começaram fazendo experimentação das cores num pedaço de papel e logo em seguida, minha tia iniciou com a cor laranja e meu pai com a cor marrom nos respectivos montes. Neste momento, eu tive uma sensação de alegria, prazer e orgulho ao ver eles pintarem.

Precisei mostrar para tia como fazer o matinho em verde utilizando um pincel mais fino. Pai foi muito criativo misturando várias cores para fazer o monte; usou bastante água, tintas e fez movimentos corridos.

Qualidade das tintas: elas são expansivas e fluidas, permitindo uma maior amplitude dos gestos e movimentos do corpo como um todo. (CARRANO e REQUIÃO, 2013, pág 140)

Pai: É bom ficar só olhando? (quando me pegou observando-o trabalhar). E novamente ele mencionou o uso das cachaças pelos pintores, ao que a minha tia respondeu: Você precisa arrumar umas cachaças para ele.

Ele continuou pintando e acabou retirando as impressões de profundidade e as misturas de cores da sua pintura. Cada vez passou mais camadas de tinta, e depois passou muitas vezes o pincel sobre a pintura somente com água e foi espalhando a tinta.

A fluidez das aguadas de tinta permite que imagens carregadas de conteúdos afetivos brotem das misturas das cores, criando formas, expressando emoções. (CARRANO E REQUIÃO, 2013, pág 140)

Pai: A parte mais difícil é escrever o título. Posso escrever Mamma Mia? Já sei que você não quer (todos os trabalhos ele quer sempre dar o título de Mamma Mia).

Compartilhamento

Pai: “Pico da Natureza”

A margem é o limite, o que é para olhar dentro do quadrado. Vou pedir um aumento de serviço. A natureza que fez/faz isso. A natureza é imprevisível (você também). Surpreendente, só. Dessa vez eu gostei de usar as três cores básicas (ele disse isso, porém usou verde, marrom, que não são cores básicas). Achei fácil.

Tia: “Vulcão, Nuvens e Plantas”

Só me lembrei de filmes que eu assisti e que apareceram um vulcão. Achei esse morro, está todo cheio de plantas. Eu acho que como o vulcão é feito de terra, devem nascer plantas, inclusive sozinhas sem ninguém plantar. (Achou fácil trabalhar com aquarela).

Palavra final

Pai: Fácil; eu queria por moleza, mas aí pega mal.

Perguntou se poderia continuar. Falou que queria colocar um cartão como moldura e listas telefônicas por cima como peso, para colar bem.

Tia: Fácil, também.

Após uma hora do término da sessão, meu pai já não se lembrava mais que havia feito esta pintura.

 

Bibliografia:

CARRANO, Eveline e REQUIÃO, Maria Helena – Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

URRUTIGARAY, Maria Cristina. Arteterapia: a transformação pessoal pelas imagens. 5. Ed. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.

 

Se você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:

É Pitanga! – 07/12/20

O que é que a Baiana tem? – 26/10/20

Escrita prá lá de criativa – 27/09/20

Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20

Tempo de Corona Vírus, Tempo de se Reinventar – 13/04/20

Minha Origem: Itália e Japão – 17/02/20

Salvador Dali e “As Minhas Gavetas Internas” - 11/11/19

“’O olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19

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Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe


Arteterapeuta – atuei em instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.

Autora do texto “Salvador Dalí e as minhas gavetas internas”, publicado no livro Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra – organizado por Eliana Moraes, 2020, Semente Editorial.

Atendo em domicílio e on line.

segunda-feira, 15 de março de 2021

O CUIDAR


Por Vera de Freitas – RJ

verafguimaraes@gmail.com 

            Depois de ler e me encantar com o livro “Saber cuidar” de Leonardo Boff, (Editora Vozes – 20ª.Edição - 2017) definindo com cuidado o que é cuidar, resolvi escrever sobre esse tema que tanto me afeta, no sentido de ser afetuoso e admirável, mas também pelo fato de me pertencer e me tocar. Devo dizer que neste meu livro tenho uma significativa dedicatória: “Vera: Viva o cuidado que salva a vida.” 

            Logo no início Leonardo Boff diz:        

       “O cuidado entra na natureza e na constituição do ser humano. O modo-de-ser cuidado revela de maneira concreta como é o ser humano.

       Sem o cuidado, ele deixa de ser humano...” (BOFF, 2017, p.38/39)

            E assim ele diz que “o cuidado há de estar presente em tudo.” (BOFF, 2017, p.39) 

            Cuidar significa atender, tratar, ter atenção, curar, olhar, encarregar-se, interessar-se, preocupar-se, tomar conta, zelar. O cuidado deriva do latim cura, como uma relação de amor e amizade. Significa cogitar, pensar, colocar atenção, mostrar interesse. Cuidar representa uma atitude de preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro. 

            É com o cuidado que identificamos alguns dos princípios, valores e atitudes que constroem a vida e estruturam a forma e as ações de como viver melhor. O cuidado é importante e essencial para a vida humana, para a preservação de todo o tipo de vida e para a conexão com o todo, com a família humana, com o universo e também com a espiritualidade. O cuidado surge quando a existência do outro é realmente importante. E jamais pode ser suprimido. 

            É um modo de ser, uma forma como a pessoa humana se estrutura e se realiza no mundo com os outros. Uma forma de existir, de estar presente com relação a todas as coisas do mundo. E assim, nessas relações o ser humano vai se formando, se autoconhecendo, construindo seu próprio ser e sua identidade. 

            O mundo é construído a partir de laços afetivos, sentimentos que tornam as coisas importantes para cada um de nós. Esse sentimento é chamado de cuidado. Temos que ter cuidado com a vida, com o nosso planeta, construindo uma sociedade sustentável, respeitando todos os seres vivos, melhorando a qualidade da vida humana e olhando para os outros. 

            O cuidado é também o suporte da criatividade, da liberdade e da inteligência e há de estar presente em tudo, como uma característica do ser. Do ser- humano. 

O cuidar e o arteterapeuta 


            É função do arteterapeuta, como agente de saúde e mudanças, acompanhar a caminhada e as transformações do ser humano. Ou seja, zelar, colocar atenção, interessar-se, cuidar do outro, através dos estímulos criativos, do fazer arte. E para isso é fundamental o autocuidado deste terapeuta que cuida, que também deverá usar das mesmas ferramentas para fazer suas experimentações, suas criações, suas expressões, e com isso estar bem com suas questões internas a ponto de poder olhar, numa relação de afeto e cuidado para o outro.

 

       “... Cuidar é muito mais que um ato; é uma atitude. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo com o outro.” (BOFF, 2017, p.37)

             Assim o Arteterapeuta deve sempre investir no autocuidado, olhando para si, prestando atenção, tratando-se bem, criando, interessando-se por algo que lhe encante, preocupando-se com a vida, zelando pelo que é importante, usando sempre e em tudo, o seu afeto. Cuidando de si para melhor cuidar do outro.



 Referência:

BOFF, Leonardo,  Saber cuidar,  Rio de  Janeiro - 2017

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Sobre a autora: Vera de Freitas



Advogada, Fomação e Pós Graduação em Arteterapia (POMAR)

Cursando Pós Graduação Envelhecimento Ativo (POMAR)

Administradora do Instituto VENHA CONOSCO - Tijuca, RJ

Professora de Iniciação Artística - Instituto ZECA PAGODINHO

Facilitadora de Grupo de Arteterapia  para adultos, atendimento individual e Grupo de Desenho Livre.

Ateliê  de PAPEL MACHÊ

segunda-feira, 8 de março de 2021

O CORPO EM ARTETERAPIA: Diálogos com o Yoga e a Psicologia Reichiana

 


Por Vera Lúcia Gavazza – ES

gavazzavera@gmail.com

 

Em Arteterapia não analisamos o objeto expresso, é o sujeito quem fala de seu objeto, mas é este quem faz falar o primeiro, o símbolo estrategicamente provocando o verbo. A dialética entre o sujeito e o objeto é também dialógica, a medida que outros “eus” são revelados e convidados vir a cena, provocando as lutas internas do sujeito.

A arteterapia lida com o processo criativo, onde possibilita expressar a existência e as emoções humanas mais profundas, não tendo que se preocupar com técnica e estética, favorecendo as tomadas de consciência dos padrões de comportamentos inconscientes (VASCONCELLOS, 2010).

Identifiquei-me com a Terapia Reichiana e suas couraças, essa identificação foi ainda maior quando comecei a estudar na Pós de Yoga sobre os chakras e toda essa energia vital, trazida da filosofia hindu.

Observando a Couraça Caracterológica, Reich sentia que o caráter se forma como uma defesa contra a ansiedade criada pelos intensos sentimentos sexuais da criança e o consequente medo da punição. A primeira defesa contra este medo é a repressão, que refreia os impulsos sexuais por algum tempo. A medida que as defesas do ego se tornam cronicamente ativas e automáticas, elas evoluem para traços ou couraças caracterológica. Os principais segmentos da couraça estão centrados nos olhos, boca, pescoço, tórax, diafragma, abdome e pélvis. A proposta de Reich é quebrar essas energias acumuladas em cada couraça para assim trazer uma nova energia.

Falarei sobre os chakras de forma simples para que você leitor entenda e interaja com o processo desta pesquisa de forma harmônica sem prejuízo ao entendimento deste trabalho.

Os Chakras, no contexto do yoga, essa palavra se refere a centros de energia que se encontram em pontos específicos do corpo, os localizados ao longo da coluna são tidos como os mais importantes e consequentemente também são os mais conhecidos, são eles: múládhára, swádhisthána, manipura, anáhata, vishuddha, ájña e sahásrara.

O homem como um reflexo do macrocosmo possui a mesma estrutura e nosso processo de formação é análogo. O sistema cerebroespinhal é a primeira parte do organismo a ser desenvolvido durante a gestação e a partir dele materializam-se todas as formas corporais. Isso é representado nos chakras através dos elementos a eles associados, do topo da cabeça à base da coluna, temos o caminho da manifestação cósmica na qual eles se apresentam do estado mais sutil ao mais denso: consciência, mente, espaço, ar, fogo, água e por fim, terra.

 


Esse projeto foi feito com um grupo de 8 mulheres, todos numa faixa etária entre 40 e 50 anos de idade. Aqui apresento a experiencia que tivemos com o chakra Swadhisana e a couraça pélvica.

A proposta de Reich é quebrar essas energias acumuladas em cada couraça para assim trazer uma nova energia para que o ser flui na energia vital.

A proposta do yoga é alinhar as energias dos chakras, assim energizamos nossa energia vital (prana) para que ela volte a circular.

Quando montei este projeto fiz na intuição, pois segui principalmente os estudos de Reich e não me prendi aos chakras. Por ser praticante de yoga, usei uma linguagem corporal de meu maior domínio, os exercícios de posturas (asanas) e técnicas respiratórias (pranayamas) e de relaxamento corporal (Yoga Nidra) para auxiliar no desbloqueio das couraças e comecei os desbloqueios de baixo para cima como no yoga faz no alinhamento dos chakras. Também por intuição, me pareceu correto não começar pelo chakra que é apontado como pélvico, pois para Reich a couraça pélvica fica na direção logo acima do órgão sexual, e o chakra pélvico é apontado no sacro (entre o órgão sexual e o anus). Então o chakra Swadhisana que é apontado na mesma direção da couraça pélvica, ficou como referência para a couraça pélvica. O chakra diafragmático com a couraça do diafragma, foram os mesmos, o chakra cardíaco e a couraça do tórax os mesmos. Porém a couraça do pescoço e da boca foram um só chakra, o laríngeo, onde é tratado com o mesmo aspecto tanto de relaxamento do pescoço externo como das cordas vocais internas, com a fala e a expressão oral. A couraça dos olhos teve como referência o chakra Ajina (fica entre os olhos) por se tratar dos olhos e outras partes mais sutis como o cérebro e glândulas pituitárias.

Não tive nenhuma pretensão aqui de despertar a Kundalini, pois é outro tipo de trabalho, e também não foram trabalhados o primeiro chakra e nem o último chakra, aspecto necessário para despertar a kundalini.

Parece-me, pelo que tenho conhecimento do Yoga e que li em Reich que, apesar de serem numa abordagem prática completamente diferentes nos desbloqueios, eles auxiliam bastantes uns aos outros neste processo.

Couraça Pélvica / Chakra Swadhisana

1º momento

Começamos com respirações conscientes inflando o diafragma, inspirando e expirando pelo nariz. Fizemos umas posturas de yoga relacionada ao chakra Swadhisana e finalizamos com relaxamento (alinhamento das energias).

Logo após foi o desbloqueio da couraça pélvica. onde fizemos amarrando as pernas e debatendo com a pélvis no chão (quebra da energia). A seguir foi proposto uma expressão com tinta xadrez equilibrando em papel A3. Cada participante narrou uma fala com sua pintura individual para expressar sua vivência com acouraça pélvica. Foi proposto que cada uma aproveitasse a forma abstrata que saiu ao manusear a tinta, e formasse uma imagem, conversando com esta imagem de forma fluida e ágil. O estímulo ao pensamento fluido e ágil é um dos principais modelos de ativador criativo. As ideias desencadeadas com rapidez ajudam a distanciar-se do pensamento mecânico e lógico. Com este ativador procuramos tirar o fluxo das ideais da redoma do pensamento concreto e repetitivo. Uma palavra vai fluidamente gerando a outra, mais outra e assim sucessivamente.

2º Momento - expressão corporal

Foi proposta que cada uma trouxesse uma música de sua preferencia para compartilhar na roda. O compartilhar da vivência da dança foi muito significativo para todas de um modo particular no ato de dançar e se soltar, numa proposta de dança circular numa visão arteterapêutica.

Nesta vivência, quando se refere a dança e a expressão com os quadris notamos que o imaginário é circundado por memórias da juventude e vivencias da vida adulta. Na juventude existia a liberdade e uma série de memórias revigorantes. No entanto na vida adulta é percebida como o período de temor e vergonha muito significativo. Circunda aqui um imaginário criativo que veio a tona em todas elas, nesta couraça.

O despertar do envolvimento da dança com a procura da música, do passo, do ritmo, onde se deu conta que os compromissos, casamento, filhos, trabalho levou ao abandono no significado desse embalo.

Foi relatado pelo grupo sobre as sensações, o despertar corporal a energia e a alegria agregadora que levaram todas a fazerem uma “festa” partilhando da alegria de cada dança proposta pela colega. A música, a dança atraiu durante o processo aquelas que não tinham expectativas de vivenciar o momento, de uma forma sutil, o próprio experienciar individual convidou partilhar os movimentos que a magia da música, trouxe e de forma natural a participação de todas.

O temor de se expor foi quebrado com a intimidade coesa do grupo como proposto no trabalho, o racional da mente que levou algumas ao desconforto de preparar uma “apresentação” individual se quebrou com a interação do grupo quando se deu a sincronia de uma dança conjunta de cada uma ao seu modo, com liberdade e desprendimento.

Nas palavras de Cavalcante, “A água simboliza o ventre materno como um espaço onde se realizam os grandes nascimentos e as grandes mudanças; por isso foi comparada pelos alquimistas a um laboratório, a um lugar de transformação (1977,p.162). O imaginário da boas pistas de que se está começando a explorar um fértil território de mudanças.

Tiveram muito relatos interessantes de percepção de suas condutas internas. As vezes somos o que somos sem nos perceber, aqui esses processos se tornam conscientes.

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Sobre a autora: Vera Lúcia Gavazza


Formação: Pedagoga, Pós graduação em Tecnologia da Educação (IFES), Arteterapia e Yoga (Instituto Fênix) Área de atuação/projetos/trabalhos: Trabalho na Aposvale( terceira idade) desde 2016 como professora de Yoga, no início de 2018 atuei como Arteterapeuta com grupo de mulheres também na Aposvale até o final de 2019. Trabalhei 6 meses com Arteterapia e yoga no Crevida ( Centro de recuperação de dependentes químicos). Faço atendimento no meu espaço particular.

segunda-feira, 1 de março de 2021

ESCREVER X DIGITAR: POR QUE O CÉREBRO TEM RESPOSTAS MAIS EFICAZES NO PAPEL?


Por Juliana Mello – RJ

entrelinhas.artepsi@gmail.com 


“Posso escrever no bloco de notas do celular?”

Essa é uma das perguntas que mais escuto em meus atendimentos. E é muito importante acompanhar a evolução digital que, neste cenário atual de COVID-19, ficou ainda mais presente no dia a dia. Trabalhos, estudos, encontros entre amigos e familiares, todos online. Então, como fugir da comunicação digital? Não tem como, não é mesmo?!

Porém, a escrita ainda é o meio mais eficaz na promoção da saúde e bem-estar. Isso porque, ao escrever, temos uma maior atenção ao conteúdo, retendo melhor os detalhes do que está sendo escrito. O ato de escrever auxilia no desenvolvimento do cérebro, ativando regiões responsáveis pela coordenação motora fina (uso de músculos pequenos, como mãos e pés), memória, aprendizado, raciocínio, orientação espacial, entre outras, através de processos cognitivos, linguístico e motores. O cérebro é estimulado de forma visual, auditiva e/ou cognitiva (lembranças, ideias, percepções, reflexões) produzindo palavras escritas variadas, já conhecidas (memória de longo prazo ortográficas) ou aprendidas, armazenadas no chamado “Léxico mental”. O cérebro também é estimulado, pois ao escrever se realiza o processo de leitura que, de o acordo com artigo da revista Neuropsicologia LatinoAmericana:

“tanto a escrita quanto a leitura requerem vários mecanismos de memória de longo prazo e memória de trabalho que atuam em letras e grafias de palavras, sendo responsáveis pela conversão entre letras e palavras e seus sons correspondentes (conversão fonema-grafema)”.

Ainda sobre a função da escrita em nosso cérebro, José e Camila, doutores em linguística, ressaltam:

“Nossa atividade cerebral para o manuscrito é diferente daquela para o digital. A produção escrita manual e a visão do papel grafado (não digitado) não podem ser consideradas atividades menores, mas tarefas valiosas a serem incentivadas”.

Á nível físico, Kadine, mestranda em letras, e Rosângela, doutora em letras/linguística,  apontam que “ao escrever à mão, o corpo precisa fazer um movimento específico para desenhar os traços de cada uma das letras, os quais são diferentes de acordo com a letra que se quer escrever”.

Ao escrever é possível perceber o movimento mais lento e colocar mais energia no processo, podendo ampliar a percepção dos acontecimentos. É como caminhar e observar os detalhes, o que está em volta. É sair do automático e se conectar com o interno na busca do autoconhecimento. Digitar seria como estar dentro de um carro: é possível observar o que está em volta, mas não é possível contemplar os detalhes.

Em terapia, escrever concretiza aquilo que foi pensado, trazendo para a Consciência clareza dos pensamentos e sentimentos, permitindo insights sobre os elementos internos, como um mergulho dentro de si. É liberdade de expressão no caminho do autoconhecimento, não se mostrando relevante a gramática, a ortografia, a sequência de fatos. O importante é a expressão de questões internas. Além de auxiliar como um mapa pessoal de evolução dentro do processo terapêutico.

A escrita permite o contato com as emoções, bem como, com eventos traumáticos e estressantes, permitindo uma melhor elaboração do conteúdo escrito, facilitando seu ressignificar. Também permite que o indivíduo que não se sente confortável em falar possa, ainda assim, elaborar seus conteúdos terapêuticos. Segundo Leahy e colaboradores, no processo de regulação emocional, em vários transtornos, para redução de sintomas desagradáveis,

“a expressão das emoções foi relacionada à melhora do estresse psicológico, fazendo acreditar que escrever sobre as emoções durante um período faz mais sentido, talvez ajudando-os a processar melhor a experiência e a emoção”.

 Em TCC, escrever nos permite sair do mundo das ideias e materializar os pensamentos, a fim de ressignificar o que está disfuncional, através da análise das evidências. Com a ferramenta chamada RPD (Registro de Pensamento Disfuncional) é possível identificar padrões de funcionamento e as consequências que estes geram no alcance de objetivos e de bem-estar.  Também é possível analisar os prós e contras ao fazer escolhas, ampliando as possibilidades. Facilita a visualização dos objetivos e as estratégias possíveis para alcançá-los, verificando os resultados.  Para a psicóloga Gabriele Ribas a escrita nos permite visitar o passado e ressignificá-lo. Viver o presente aqui e agora. E planejar o futuro, registrando objetivos, sonhos e desejos. Como efeito terapêutico, também pontua: “Eu escrevo para transformar meu caos em ordem”.

Em psicologia positiva, pode ser utilizada para identificar e trabalhar as forças pessoais. Promove, prolonga e intensifica experiencias positivas, ativando as memórias positivas e ressignificando as desagradáveis.

Alguns benefícios da escrita:

·         Aumenta a capacidade de pensar;

·         Aumenta a capacidade de concentração;

·         Favorece o processo de aprendizagem;

·         Melhora o humor;

·         Diminui os níveis de estresse e sintomas depressivos;

·         Potencializa o processo de autoconhecimento;

·         Possibilita examinar experiências a partir de vários ângulos;

·         Melhora o sistema imunológico;

·         Melhora a memória e o sono;

·         Favorece a criatividade;

·         Melhora a comunicação consigo e com o outro;

·         Fusão do pensamento com a ação;

·         Aumenta a capacidade de síntese de ideias;

·         É uma ferramenta prática e acessível.

 

Retornando a pergunta no início deste texto, minha resposta sempre é: “pode, mas se for possível escreva no papel ou, assim que possível, passe as informações para ele”.

“Às vezes escrever uma só linha basta para salvar o próprio coração”.

(Clarice Lispector)

 

Bibliografia:

BENETTI, Idonézia C.; OLIVEIRA, Walter F. O PODER TERAPEUTICO DA ESCRITA: QUANDO O SILENCIO FALA ALTO. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/cbsm/article/view/69050 Acesso em: 14/02/2021.

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Sobre a autora: Juliana Mello


Psicóloga, Arteterapeuta e Coach
Atendimento clínico  individual e grupo om criança, adolescente, adulto e idoso.
Abordagem em Terapia Cognitivo- Comportamental e Arteterapia
Palestras e Workshop motivacionais.