Por Eliana Moraes
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No percurso da pesquisa que busca articular a História da Arte com a Arteterapia em suas diversas práticas, fiz um recorte para a Arte Moderna como objeto de estudo continuado e prolongado. Ao longo deste percurso tenho o hábito de eleger algum movimento e/ou artista para passar algumas semanas ou meses dialogando com tudo o que envolveram, representaram e possam colaborar para minha escuta e manejo como arteterapeuta.
Hoje inicio uma série de textos como registro de alguns fragmentos da pesquisa sobre o movimento fauvista, estudado no último ano e compartilhado em palestras e encontros vivenciais.
O fauvismo
O Fauvismo foi um movimento artístico que iniciou-se na França, em 1905. Seus artistas protagonistas são André Derain, Maurice Vlaminck, e Henri Matisse – este considerado um dos mais importantes artistas do século XX. Nesta ocasião, participaram de uma exposição no Salão dos Autônomos (ou Independentes), um novo salão criado em oposição à exposição anual da Academia, cada vez mais inatingível, mas parte do comitê de seleção olhou para as pinturas psicodélicas e pronunciou-se contra sua exposição pública. Mesmo assim, todas as obras foram penduradas na mesma sala, permitindo ao visitante beneficiar-se do impacto da estonteante e “violenta” paleta de cores usada pelos artistas.
Com pinturas em cores bastante vivas e intensas, os fauvistas inauguraram “... uma nova abordagem à pintura que privilegiasse a cor e a expressão emocional em detrimento da representação literal.” (GOMPERTZ, p 111) Ou seja, ressaltando o elemento cor e simplificando a forma, tinham a intenção de demonstrar sentimentos nos quadros.
O influente crítico de arte Louis Vauxcelles, de gosto bastante conservador, disse de modo depreciativo que as pinturas eram o trabalho de “Les Fauves” – as feras em francês. Foi um comentário desdenhoso feito por um crítico, mas (como aconteceu com outros movimentos da Arte Moderna) dele nasceu o nome de um novo movimento.
Mas cabe dizer em defesa de Vauxcelles... suas experiências os haviam levado a desenvolver uma paleta que deve ter parecido descontrolada e indomada a um crítico de arte em 1905. Seus olhos não deviam estar acostumados a ver combinações de cor conscientemente escolhidas para chocar... Para um mundo artístico que ainda estava chegando a um acordo com os impressionistas e pós-impressionistas, as cores intensificadas usadas pelos fauvistas deviam parecer vulgares e berrantes ao extremo. (GOMPERTZ, 114)
A cor é o elemento visual protagonista para os fauvsitas por causa de seu potencial expressivo. Nas palavras de Vlaminck:
Intensifiquei todos os meus valores tonais e transpus para uma orquestração de cor pura cada coisa que senti. Eu era um selvagem sensível, repleto de violência. Traduzi o que via instintivamente, sem qualquer método e transmiti a verdade, não tão artisticamente quanto humanamente. Apertei, destrocei tubos e tubos de águamarinha e vermelhão. (VLAMINCK in WHITFIELD, 2000, 19)
Ou seja:
Para ele, a tinta era o único agente expressivo... Ele encorajava o espectador a tomar consciência da tinta como parte física do quadro, de modo que essas paisagens não são meramente registros do rio... mas principalmente e acima de tudo, veículos de expressão.” (WHITFIELD, 2000, 23-24)
Do fauvismo à Arteterapia
As práticas arteterapêtuicas inspiradas nos fauvistas nos
servem quando desejamos estimular o “pintar com cores selvagens”, ou seja,
fazer o uso de cores de forma liberta das cores naturalistas, mas utilizando a
intensidade dos sentimentos como o mobilizador para o pintar.
São interessantes para experienciadores que necessitem fazer
contato com sentimentos através da imagem e necessitem expressar-se com toda
intensidade, “violência”. Desta forma, é importante ressaltar que para pintar
como os fauvistas é essencial que, de alguma maneira, o tema e/ou a imagem
despertem no autor afetos, emoções. Do contrário, não haverá contato com os
sentimentos, impossibilitando sua relação com as cores de forma profunda.
Neste contexto, estamos estimulando a função sentimento de
acordo com a Psicologia Analítica. Quanto aos materiais, se utilizarmos a
pintura, é essencial que sejam tintas mais concentradas, com cores puras (não
tão transparentes). Se utilizamos o desenho, é interessante trabalhar com o pastel
oleoso por suas cores intensas, que se aproximam mais dos traços fauvistas,
menos preocupados com a precisão da forma. Porém, a prática nos mostra que a pouca
precisão no traço pode causar resistência no experienciador, sendo neste caso
uma boa opção as canetinhas, que também oferecem as cores intensas com maior
controle do traço e linhas finas.
Prática arteterapêutica: “paisagens vividas”
Podemos nos inspirar em André Derain que pintou o porto de
Collioure, sem se preocupar em ser fidedigno com as cores realistas, mas sim a
partir de seus sentimentos:
Cores naturais, perspectiva,
realismo, tudo isso foi dispensado em favor da apreensão do que Derain sentiu
ser o caráter essencial do porto. Isso significou uma representação muito
diferente da clássica praia mediterrânea... O resultado é uma pintura evocativa
que não só nos mostra Collioure, como nos fazer sentir o lugar. A
mensagem do artista é clara: o porto é quente, rústico, sem complicações e
pitoresco. Eles estavam usando a cor como um poeta usa palavras: para revelar a
essência do tema... Ele girou o botão da intensidade da cor ao máximo,
transformando um ambiente tranquilo numa alucinação multicor. (GOMPERTZ,
112-113)
Podemos
estimular que o criador nos conte sobre suas experiências, paisagens visitadas
ou lugares que fazem parte de sua história, pintando-as não com as cores
literais, mas com as cores dos seus sentimentos. Este é um processo bastante
mobilizador e revelador de memórias afetivas latentes ou manifestas.
Na próxima semana dedicarei um texto especial à Henri
Matisse, artista tão importante e tão inspirador para a História da Arte e para
Arteterapia.
Bibliografia:
GOMPERTZ,
Will. Isso é arte? 150 anos de arte moderna do Impressionismo até hoje. Rio de
Janeiro, Zahar, 2013.
WHITFIELD,
Sarah in STANGOS, Nikos (org). Conceitos da arte moderna, Jorge Zahar
Ed, RJ, 2000.
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Sobre a autora: Eliana Moraes