"A redenção das irmãs da cinderela"
janainaservulo@gmail.com
“Há um significado mais profundo nos contos de
fada que me contaram na infância do que na verdade que a vida ensina.” (Schiller,
poeta alemão)
“Contar histórias é um
jeito de amparar as crianças em suas angústias e ajudá-las a nomear o que não
pode ser dito. A ficção acaba sendo uma saída para que certas verdades se
imponham.” (CORSO, 2006, p.18)
Os
primeiros contos de fada escritos datam do século XVII, na França, são atribuídos
a Charles Perrault e estão presentes na coletânea: “Contos da Mamãe Ganso”. Criados
inicialmente para entreter adultos, com o passar do tempo, os contos de fada foram
transformados e adequados à linguagem infantil.
Além
dessa função de entretenimento, ouvir e narrar histórias pode ser um
instrumento terapêutico na medida em que nos possibilita lidar com os conflitos
internos e buscar soluções, assim como fazem os personagens fictícios. Nos
contos, os locais mais estranhos e distantes são, ao mesmo tempo, familiares e
nos levam para dentro de nós mesmos, suscitando questões existenciais
importantes, como: o amor pela vida, o medo da morte, a inveja ou a necessidade
de ser amado. Através deles, podemos experimentar os sentimentos de
compreensão, esperança ou angústia, sem que tenham sido explorados
racionalmente. Caminhando pela narrativa, percebemos que bruxas e monstros
representam nossos próprios temores e dificuldades. O herói, muitas vezes
frágil no início, deve passar por provas e desafios e enfrentar o mundo, assim
como o ego necessita de várias experiências para integrar a personalidade.
As
histórias desenvolvem o potencial criativo e estimulam a solução de problemas,
uma vez que os heróis sofrem, lutam e triunfam, passando a mensagem que qualquer
pessoa pode alcançar seu objetivo. Através da identificação com os personagens,
é possível se reconhecer, ao mesmo tempo, pequeno e indefeso, mas também
corajoso e destemido, pronto para superar os obstáculos e perdas da vida. Por
isso, os contos antigos, sem autor determinado e que não especificam
diretamente qual o tempo, o lugar ou quem são os personagens devem ser
preferidos em relação aos que apresentam detalhes excessivos: “Era uma vez, num
reino muito distante, uma princesa que tinha um segredo...”. A ausência de
detalhes específicos abre espaço para a subjetividade de quem escuta a
história. Cada um vai imaginar os detalhes e preenchê-la com características e
angústias próprias, permitindo que questões pessoais sejam trabalhadas.
"Encenando o personagem favorito"
Na
prática, podemos utilizar os contos de fada de maneiras diversas: apresentando vários
contos e pedindo à pessoa que escolha aquele com o qual se identifica, ou
trabalhando o conto preferido da infância, por exemplo. Outra alternativa seria
observar o conflito que a pessoa esteja vivenciando e sugerir um conto cujo
personagem esteja passando por conflito semelhante. A partir da história,
propõe-se uma forma de expressão que seja adequada para trabalhar o conflito
identificado. Isso pode ser feito através de desenho, pintura, modelagem,
dramatização, entre outras: por exemplo, desenhar o personagem com que mais se
identificou. Desta forma, é possível observar como a pessoa se sente na própria
história: como o vilão que é temido por todos, a princesa indefesa que aguarda
a chegada do príncipe ou o herói destemido, que sai do isolamento para
enfrentar seus obstáculos? Podemos também sugerir que seja representada uma
cena marcante da história a qual, muitas vezes, tende a ser semelhante ao
conflito vivenciado pela pessoa no momento. No conto “O Patinho Feio”, por
exemplo, é possível trabalhar sentimentos de inadequação e abandono e promover
o resgate da autoestima. No conto “Cinderela”, pode-se observar questões
relacionadas à rivalidade fraterna, ao rompimento com a mãe para vivenciar seu
processo de individuação, e à transcendência, a partir da autoaceitação.
Certa
vez, atendi um garotinho que sofria com a separação dos pais e demonstrava um profundo
sentimento de abandono, que procurava negar. Através do conto “João e Maria”,
experimentou a sensação de ser deixado para trás, entrou em contato com as
diferenças percebidas entre os pais (um mais permissivo e o outro mais
exigente) e pôde experimentar seu lado herói, na medida em que precisava encontrar
uma saída para fugir da “casa da bruxa”. Sugeri que, a partir desse conto, ele
pudesse construir sua própria casa e depois confeccionar fantoches para
representar sua família. Assim, ele pôde experimentar o sentimento de abandono,
num ambiente protegido e seguro, e reconstruir-se no símbolo da casa,
trabalhando a segurança e a confiança que seriam necessárias para seguir em
frente. Ao representar sua família e, posteriormente, dramatizar cenas
cotidianas a partir das emoções suscitadas pelo conto, ele pode ressignificar e
elaborar questões que, até então, só conseguia negar.
"A casa de João e Maria"
Isso
tudo é possível porque os contos nos auxiliam a resgatar nossa própria
história. Nós, como terapeutas, escutamos muitas histórias... E, à medida que
apresentamos outras, com as quais as pessoas possam se identificar,
possibilitamos a elas que se observem pela perspectiva dos personagens
escolhidos e vivenciem o conflito de outra forma, conseguindo assim narrar suas
próprias dores...
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
Referências
Bibliográficas
CORSO,
Diana Lichtenstein. Fadas no divã:
psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.
SOUZA,
Suzana Maria Ortiz de. Os Contos de
fadas e o processo de individuação nas crianças. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: http://www.arteterapia.org.br/pdfs/oscontosdefadaseoprocessodeindividuacao.pdf
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Sobre a autora: Janaína de Almeida Sérvulo
Graduada em Psicologia pela UFMG, com especialização em Arteterapia pela FAVI, em convênio com o INTEGRARTE.
Atua como psicóloga e arteterapeuta em clínica particular em Belo Horizonte-MG e na rede pública da região metropolitana. Experiência de mais de 15 anos com atendimento individual e em grupo a crianças, adolescentes e adultos.
Para conhecer mais sobre seu trabalho, visite a página do facebook: @artisticamente7
Este é o quarto texto de Janaína para o blog Não Palavra.
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