segunda-feira, 28 de outubro de 2024

AS BANDEIRINHAS DE VOLPI



                                                                                Bandeirinhas


Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP

Instagram: @claudia_abe_

 

A arte não é, como dizem os metafísicos, a manifestação de uma ideia misteriosa, ou beleza, ou Deus; não é, como os esteto-fisiologistas dizem, uma forma de brincar em que o homem libera um excedente de energia estocada; não é a manifestação de emoções por meio de sinais exteriores; não é a produção de objetos agradáveis; não é, acima de tudo, o prazer; é, sim, um meio de intercâmbio humano, necessário para a vida e para o movimento em direção ao bem de cada homem e da humanidade, unindo-os em um mesmo sentimento. (TOLSTOI, 2002)

 

Quando falamos em Arteterapia, gosto de voltar meu olhar para as Artes. Neste texto, resolvi trabalhar com um artista ítalo-brasileiro – Alfredo Volpi, muito conhecido por suas “bandeirinhas”.

Volpi nasceu em Lucca, Itália, em 14 de abril de 1896. Iniciou sua pintura em 1911, executando murais decorativos e trabalhou também como pintor decorador em residências da sociedade paulista da época. Evoluiu para o abstracionismo geométrico, a exemplo a sua série de bandeirinhas e mastros de festas juninas. Recebeu o prêmio de melhor pintor nacional na 2ª. Bienal de São Paulo, em 1953. (Wikipédia) 

 


Lucca, Itália - 2024

Em 31 de janeiro de 2020, ocorreu a 74ª sessão arteterapêutica com meu pai (aos 85 anos) e minha tia materna (aos 93 anos), em domicílio.

Iniciei a escrita desta sessão no dia 23 de novembro de 2020. E ela ficou guardada na memória do computador. Hoje, 19 de outubro de 2024, ao escrever uma nova versão deste texto, meu pai já havia completado 90 anos e minha tia acabara de completar 98 anos... pasmem !!!

 


 Sessão Arteterapêutica

 

Iniciei a sessão mostrando pelo celular Alfredo Volpi e suas obras, falando da disposição das bandeirinhas e do fundo colorido que ele pintava.

Pai e tia escolheram fundo branco para trabalhar e as cores das bandeirinhas.

Fizemos algumas experiências para o corte das bandeirinhas, sem muito sucesso ao usar a guilhotina. Acabei eu mesma ajudando a cortar os papeis com a tesoura.

Essa foi uma atividade na qual utilizaram vários materiais de apoio como réguas, lápis e borracha. Minha tia usou régua para calcular e riscar linhas de apoio no papel e meu pai usou-a para ajudar no alinhamento das bandeirinhas, além da sua usual pinça. Orientei-os a usarem a cola em bastão para não enrugar o papel, apesar de o meu pai pedir a cola líquida. Segundo Carrano e Requião, a cola em bastão tem como uma de suas características, o controle total, e oferece uma série de vantagens como não causar incômodo para as pessoas que não gostam de se “sujar”, não escorre, não suja o entorno e nem sequer os outros materiais usados nas colagens.

Durante a confecção, meu pai mudou a configuração das bandeiras algumas vezes. Falei para ele que estava tudo super alinhado e perguntei se podíamos colar as peças.

Pai: Calma, não dá para colar correndo. Tem que ser simétrico. Você aprovou aqui, vou colar (e eu digo: pode colar!). Olha, eu cheguei à perfeição da divisão do espaço, da harmonia espacial. Isso significa que posso começar a colar. E então ele colou a primeira bandeirinha.

Quero que elas, minhas amigas, admirem a divisão e o espaço de montagem. Olha, estou com falta de inspiração. Continuarei amanhã porque já estou colando meio assim... Ele estava cansado. Durante a sessão perguntei se estava enxergando melhor e ele disse que não – ainda apresentava um problema na visão nesta sessão. Acabou não efetuando a colagem das bandeirinhas no papel.

Colar é um percurso, um processo, um ato criativo que deve ser estimulado e acompanhado pelo arteterapeuta. O resultado, a forma, a imagem e a composição devem ser valorizados, e o paciente convidado a “dialogar” com a sua produção, dando novos significados para a mesma. Percebendo-se como ser criativo, melhorando a sua autoestima por meio do fazer e do lidar com o resultado da sua criação, que, se produzida durante o processo arteterápico, vai favorecer o seu autoconhecimento. (CARRANO E REQUIÃO, 2013)

 

Compartilhamento

 


 Pai: “Losango muito harmônico”

Palavra final: Adorei

Pai: “Losango é um dos traços mais harmônicos da arte do desenho”.

 

 


Tia: “Bandeirinhas Coloridas”

Palavra final: Fácil

Tia: “São bandeirinhas multicores. Não (não se lembra de nada). Não (não quer falar nada). Não estou inspirada”.

 

Esta atividade acabou por me trazer memórias afetivas: quando eu era criança, me lembro de produzir vários cordões de bandeirinhas para enfeitar a casa na época das festas juninas. Sob o comando do meu pai, eu e meus irmãos produzíamos em série. Sim, como se fosse uma produção em larga escala, cortávamos os papéis de seda em formato de bandeirinhas, depois dobrávamos a parte superior, passávamos a cola branca para unir bandeiras ao longo do barbante, com a atenção para intercalar as cores dos papeis e na sequência, finalizando com as dobras do cordão pronto para deixar tudo organizado. “Eita tempo bão”.

 

Nota 1: Meu pai colocou um detalhe no centro do trabalho e disse que parecia a bandeira do Brasil (foto inicial).

Nota 2: deixo aqui uma homenagem a minha tia materna Luciana Orfei, protagonista deste texto e aniversariante !

 

 

Bibliografia:

CARRANO, Eveline e REQUIÃO, Maria Helena – Materiais de arte: sua linguagem subjetiva para o trabalho terapêutico e pedagógico. – Rio de Janeiro: Wak Editora, 2013.

TOLSTOI, Leon. O que é arte? A polêmica visão do autor de Guerra e Paz /Leon Tolstoi; tradução Bete Torii – São Paulo: Ediouro, 2002 – (Clássicos de Ouro Ilustrados).

Internet:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alfredo_Volpi Acessada em 15/10/2024. Alfredo Volpi.

 

Se você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:

22- Café com Arte – A Arte do Encontro – 13/05/2024

21- Vivência: Uma Experiência de Encantamento – 06/11/2023

20- O Uso do Giz Pastel Seco na Art Nouveau de Mucha – 26/09/22

19- Tô Vivo! – 22/08/22

18- A Massa Caseira como Recurso Arteterapêutico – 18/07/22

17- As Bailarinas de Degas – 16/05/22

16- Degas e as Mulheres – 21/03/22

15- Ah, o Tempo... – 14/02/22

14- As Cores em Marilyn Monroe – 13/12/21

13- Um Desafio – 11/10/21

12- O Branco no Branco – 23/08/21

11- Tudo Começa em Pizza – 28/06/21

10- Um Material Inusitado – O Carimbo de Placenta – 10/05/21

9- As Vistas do Monte Fuji – 22/03/21

8- É Pitanga! – 07/12/20

7- O que é que a Baiana tem? – 26/10/20

6- Escrita prá lá de criativa – 27/09/20

5- Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20

4- Tempo de Corona Vírus, Tempo de se reinventar – 13/04/20

3- Minha Origem: Itália e Japão – 17/02/20

2- Salvador Dalí e “As Minhas Gavetas Internas” – 11/11/19

1- “’O olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19


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Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe


 
 

Arteterapeuta e Farmacêutica-Bioquímica

Adoro a Itália, sempre jogo uma moedinha na Fontana di Trevi, em Roma, assim, sempre retorno! Estive em Lucca, a cidade das torres, apelidada de “a cidade das cem igrejas”. Fiquei muito emocionada quando conheci Perugia, cidade do meu nonno e da minha nonna e que produz o famoso chocolate Baci Perugina! Mamma Mia!!

Ops, eu sou ítalo-brasileira com essa cara de japa...kkkkk

Meu contato pelo Instagram: @claudia_abe_

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

MEMÓRIAS OLFATIVAS: CHEIROS QUE CONTAM HISTÓRIAS



Por Jeany Amorim - RJ

@jeanysamorim.arteterapia

Tem cheiros que acalentam a alma, que aquecem o coração...outros que simplesmente apetecem, que agradam ou deixam o estômago embrulhado. Você já parou para pensar quais são os “cheiros” da sua vida? O que estava presente na infância, o que marcou a adolescência, o que traz aconchego...ou aquele cheiro que anunciava a presença de alguém especial? O que os cheiros têm a ver com as nossas construções afetivas? O que eles podem contar?

A casa vizinha ao setting arteterapêutico estava limpando a fossa séptica. Por mais que as janelas estivessem vedadas, o cheiro – mesmo que leve – se fazia presente. Me desculpei. Ela imediatamente disse: não me incomoda. E, acreditem, a limpeza da fossa séptica foi o disparador da sessão. Do cheiro da fossa, partimos para as memórias da infância, onde uma vala poluída era parte do cenário da casa da avó, seu lugar de predileção: “preciso contar isso a alguém...mas amo sentir o cheiro do lixo queimado! Essa era a forma de descarte na casa da vó Maria, meu lugar mágico!”

Os cheiros penetram lugares de memórias, afetos e sensações com muita fluidez. E existe uma explicação científica para o despertar dessas memórias provocadas pelos aromas, que está diretamente ligada ao bulbo olfativo (decodificação dos odores), à amígdala (processamento da emoção) e o hipocampo (memória e cognição) – vasto campo para nossa atuação, como Arteterapeutas!

Não existe idade para trabalhar com as memórias olfativas. Claro que as crianças ainda as estão construindo, mas a potência imaginativa e criativa dos pequenos acessa as emoções - e dão formas - através dos cheiros, com muita facilidade. Já os adolescentes e adultos trazem um baú de memórias, pronto para ser acessado, degustado e (re)vivido com o cuidado que toda “volta ao passado” merece.

Quando trabalho presencialmente, escolho entre ervas, alimentos e aromas geralmente agradáveis: hortelã, pipoca, bolo, chocolate, alecrim, lavanda, tangerina, café... Esses cheiros são escolhidos e sentidos às cegas – já que a visão seria um entrave à livre associação. É delicioso acompanhar o desvelar das memórias! Em seguida, vêm as cores e as formas, dando início a um oráculo de afetos. Claro que temos o momento degustação, afinal, celebrar os afetos que nos constituem e ressignificar os que nos encontram em nossa vulnerabilidade, também faz parte do processo!

E você? Tem algum cheiro “estranho” que te desperta aconchego ou alegria? Que histórias ele conta? Que cores e formas ele tem?

Termino compartilhando o meu: cheiro de gasolina! Ele tem a cor creme, a forma de uma brasília, carrega sorrisos de crianças e cantigas e celebra férias em família!   

Obs: Imagens advindas do setting arteterapêutico com autorização dos participantes. 

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Sobre a autora: Jeany Amorim




Jeany Amorim é Arteterapeuta, Psicopedagoga, professora de Arte na Rede Estadual de Educação do Rio de Janeiro, Mediadora de Conflitos - e de pessoas! - ilustradora de livros infantis, contadora de histórias e de estrelas. Mora em meio a Mata Atlântica, na região serrana do Rio, e vem se dedicando ao estudo "das coisas naturais", trazendo ao setting - e expandindo - o ser orgânico e a natureza que somos.

segunda-feira, 14 de outubro de 2024

SEMPRE É TEMPO DE SE DESPERTAR

 

Por Débora de Castro - AARJ/1411

@deborarteterapia

Quanto tempo o tempo tem? Por que não falar do tempo numa sessão de Arteterapia? Tudo que vivenciamos na nossa vida é importante para nosso processo de autoconhecimento, portanto, tudo se conecta também com o tempo.

Em um dos encontros que atendo como Arteterapeuta com um grupo de mulheres, na modalidade continuada, o tema abordado foi sobre o  TEMPO  elemento importante que faz parte da nossa jornada. O tempo pode ser visto como um grande Despertador dos Sentidos e das nossas  transformações.

 


O tempo é precioso, portanto, ele precisa ser refletido como:

Tempo de Suavidade
Tempo de Descoberta
Tempo de Construção e reconstrução
Tempo de coragem
Tempo de renovação
Tempo de ressignificar nossa história.

O tempo é algo curioso de se olhar, tanto pra frente, quanto para trás. O tempo revela história, memória e carrega muita ancestralidade. O tempo é uma variável preciosa na vida de um indivíduo. É singular, constante, perecível. É também intransferível não temos como “emprestar” parte do nosso dia para um amigo ou familiar é insubstituível tempo perdido, não se recupera.

Vivemos um tempo diferente. Parece que o relógio acelera, tudo passa rápido aos nossos olhos. É urgente a necessidade de refletirmos sobre o tempo presente, o Aqui e o Agora... Precisamos exercitar a pausa, o respirar com significado, com leveza, para que possamos expandir o nosso olhar e dar mais sentido a tudo aquilo que buscamos para nos transformarmos e vivermos uma vida mais leve.

Durante o encontro Arteterapêutico, fizemos algumas reflexões sobre a importância de nutrir bons momentos, sozinho ou ao lado de alguém especial, também é uma boa forma de lidar com a passagem do tempo. Dessa forma, torna-se possível criar memórias e momentos de qualidade.  Depois de algumas reflexões sobre o Tempo, perguntei ao grupo:

·         Que direção o ponteiro do seu relógio está apontando?

·         Como você tem aproveitado seu tempo?

A sessão foi bastante profunda, as participantes, perceberam o quanto precisam olhar e valorizar mais o tempo presente, viver e sentir com mais leveza cada experiência. Foi bastante interessante que ao iniciar a plástica, o grupo materializou simbolicamente TEMPO, o  material expressivo foi livre, e todas conseguiram na sua individualidade expressar o significado do Tempo trazendo suas reflexões e questionamento sobre como encaram a passagem do Tempo.

A paciente H, relatou na escrita criativa:  O meu relógio viaja no tempo do meu EU interior, onde passado e futuro se conversam e resgatam momentos adormecidos. Resgatar esses momentos no tempo de hoje ressalta ainda mais a potência que tenho no meu novo EU. Perguntas surgem no meio das dúvidas já vividas nesse tempo que não volta. Meu passado caminha e meu futuro floresce cada vez mais. Obrigado tempo, sem você eu não estaria aqui hoje."

 


Plástica – participante H

Falar do tempo numa sessão de Arteterapia é muito potente, tempo é o senhor da experiência, o catalisador da impressão sensorialÉ ele que determina os acontecimentos de nossa existência. Se não administramos nosso tempo, ele pode se tornar nosso maior inimigo. Precisamos expandir o nosso olhar e aprender a pausar, respirar e entender que cada segundo, minuto da nossa vida é importante.

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Sobre a autora: Débora Castro



Sou Débora de Castro, graduada em Pedagogia, Educação Artística, com pós-graduação em Psicopedagogia e Pós-Graduação em Educação Especial e Inclusiva. Com formação em Arteterapia. Atuo na área de Educação há mais de 28 anos, como professora de Artes Visuais e História da Arte. Atualmente coordeno um grupo de Arteterapia para Mulheres e ministro oficinas Arte terapêuticas no online e presencial.