segunda-feira, 31 de março de 2025

CINEMA E ARTETERAPIA: A JORNADA INSPIRADORA DE MAUDIE

 Por Débora de Castro

@deborarteterapia

O cinema tem o poder de transportar-nos para universos emocionais profundos e proporcionar insights significativos sobre a vida e o ser humano. O filme "Maudie" é um exemplo tocante de como a arte pode servir como uma forma poderosa de  autodescoberta. Baseado na vida da pintora canadense Maud Lewis, o filme narra a trajetória de uma mulher determinada que, apesar de enfrentar desafios físicos e emocionais, encontra na pintura uma válvula de escape e uma forma de expressão pessoal.


        

Maudie -Sua Vida e Sua Arte – Filme de 2016

Maudie, interpretada por Sally Hawkins, sofre de artrite reumatoide desde jovem, o que limita seus movimentos e causa dores constantes. No entanto, sua paixão pela arte a motiva a pintar, mesmo nas condições mais adversas. Através de suas obras vibrantes e coloridas, Maud captura a beleza simples da vida rural canadense, transformando seu pequeno mundo em uma galeria de arte viva.

O filme ilustra como a arte pode atuar como uma ferramenta terapêutica poderosa. Para Maudie, a pintura não é apenas um hobby, mas uma forma de enfrentar sua dor, solidão e desafios emocionais. Sua dedicação à arte permite que ela encontre propósito, alegria e reconhecimento, mesmo em meio a dificuldades aparentemente insuperáveis.

No livro "O Caminho do Artista", Julia Cameron afirma: "A criatividade é a chave para liberar a alma." Refletindo sobre o trabalho de Maud Lewis, essa citação ecoa profundamente no contexto da arteterapia. Maudie, ao enfrentar desafios físicos e emocionais, encontrou na pintura uma forma de libertar sua alma e expressar sua essência mais profunda. Sua arte, marcada por cores vibrantes e cenas simples da vida rural, revela como a criatividade pode ser uma poderosa ferramenta de cura e autoconhecimento.



No ambiente da arteterapia, essa abordagem inspira indivíduos a explorar suas emoções e transformar suas experiências através da arte, promovendo o bem-estar emocional e a resiliência. A jornada de Maudie ilustra perfeitamente o poder terapêutico da criatividade, mostrando como a expressão artística pode ser um caminho para a transformação e a renovação interior.

No setting arteterapêutico, o filme "Maudie" serve como uma poderosa ferramenta de inspiração e reflexão para explorar a resiliência e a autocompaixão através da arte. A história real de Maud Lewis, uma pintora canadense que superou adversidades físicas e emocionais por meio de sua criatividade, oferece um exemplo tangível de como a expressão artística pode ser uma forma de transformação pessoal. Durante sessões de arteterapia, os participantes podem assistir ao filme e discutir como a arte de Maudie refletia suas emoções e experiências de vida, incentivando-os a usar a criação artística para explorar e expressar seus próprios sentimentos.

Em um contexto de arteterapia, a jornada de Maudie serve como uma inspiração para muitos. A arteterapia utiliza a criação artística para ajudar indivíduos a explorar suas emoções, lidar com traumas e desenvolver autocompaixão. Assim como Maudie transformou sua dor em beleza, a arteterapia oferece aos pacientes uma maneira de canalizar suas experiências e emoções em formas criativas e construtivas.

A história de Maudie é um testemunho poderoso da resiliência humana e da capacidade transformadora da arte. Ela nos lembra que, independentemente das circunstâncias, sempre podemos encontrar maneiras de expressar nossas verdades internas. Seu legado artístico continua a inspirar e a tocar o coração de muitos, mostrando que a arte não apenas embeleza o mundo, mas também acalenta a alma.

Assim, o cinema, a obra de Maudie e a arteterapia se entrelaçam em uma narrativa de esperança, revelando que a arte é uma ferramenta poderosa para navegar pelas complexidades da existência humana e promover o bem-estar.

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Sobre a autora: Débora Castro




Sou Débora de Castro, educadora apaixonada pelo poder da arte e do conhecimento. Graduada em Pedagogia e Educação Artística, com pós-graduação em Psicopedagogia e Educação Especial e Inclusiva, sigo aprofundando minha jornada acadêmica como graduanda em Psicologia.

Com formação em Arteterapia (AARJ/1411), atuo há mais de 28 anos na área da Educação, compartilhando saberes como professora de Artes Visuais e História da Arte. Atualmente, dedico-me à coordenação de um grupo de Arteterapia para Mulheres e à condução de oficinas arte terapêuticas, tanto no formato online quanto presencial.

segunda-feira, 24 de março de 2025

A ARTE COMO CAMINHO PARA PENSAR FORA DA CAIXA

 


Por Cris Silva – RJ

 @arteterapia_crissilva

Há anos sou acompanhada por uma camisa que traz essa frase do Ferreira Gullar estampada e há anos venho refletindo em como a arte propicia o pensar fora da caixa, nos lançando para uma jornada de liberdade criativa.

No desenho, pintura, escultura, na música, dança, na escrita, no cinema, fotografia, teatro, nos palcos do tecido áspero do cotidiano, “A ARTE EXISTE PORQUE A VIDA NÃO BASTA”, frase eternizada por Gullar, que nos ajuda a perceber a importância do quanto a humanidade necessita da arte para melhor compreender o mundo e tudo que a cerca. A arte não é apenas uma forma de expressão ou um meio de comunicação, mas sim uma necessidade humana que surge da insuficiência da vida em si mesma. Com e pela arte conseguimos processar e transformar emoções, pensamentos e experiências com nossos pares.

Para Campbell (1988, p.275), citado por Duchastel (2010, p. 9), “A arte é um caminho recomendado em direção à iluminação (...)”. Em concordância com tal pensamento, complemento que 
a arte nos tira do engessamento, nos tira daquilo que estabelece limites rígidos, porque a própria essência da arte é o pensar fora caixa. É essa capacidade que nos coloca na posição de quem pode e deve explorar novas possibilidades, experimentações, estratégias para nosso fazer artístico, aqui entendido como uma centelha criativa que permeia a vida, pois são numerosas as possibilidades para a imaginação fluir livremente e criar algo com a nossa essência e autenticidade.

Vejo como importante esse pensar fora da caixa, afinal o mundo está em constante mudança, são muitos os avanços tecnológicos e nós estamos sempre em evolução, sendo fundamental ampliarmos a nossa capacidade de adaptação, inovação, criação de estratégias novas e funcionais, além é claro, de olharmos para o que nos cerca com tom questionador para as injustiças e desigualdades sociais, sempre denunciados através de obras artísticas, o que nos possibilita a avançar com resistência e buscar a transformação social.  

Dito isso, como podemos desenvolver essa capacidade de pensar fora da caixa? Eu diria que uma das primeiras coisas é a de se autorizar como ser criativo - com arte, escrita, dança, canto, pintura, bordado, uma receita com reaproveitamento de alimentos, uma customização de roupas, aquela "gambiarra" que fez algo continuar funcionando, sabe? Só permita que a sua imaginação e criação de estratégias estejam livres de julgamentos, livres daquela autocrítica severa que acaba enrijecendo e impedindo de dar passos. Diria, ainda, para curtir o processo e começar a vislumbrar-se como protagonista nessa jornada, para explorar as possibilidades e desfrutando da caminhada sem perder a viagem.

Claro que isso não acontece assim de um dia para o outro, acontece à medida que olhamos para nós com acolhimento, permissão para ser quem somos e paciência para integrar em nós aquilo que pode desagradar num primeiro olhar. É preciso encontrar formas de mostrar ao mundo quem somos, expressando nossa individualidade e o que temos a oferecer. Então, pegue a coragem pelas ventas, pratique a criatividade e lembre-se que essa centelha criativa é uma jornada e não um destino.

Acho linda a ideia de pensar na arte como uma porta aberta para a liberdade do pensamento, como um convite que, quando aceito, nos impulsiona através de cores, texturas, formas e sons, a sair dos caminhos trilhados e a explorar novos horizontes. A arte é, portanto, uma forma de resistência, de transformação pessoal e social.

 

                                                                                                                                                       

Referências Bibliográficas:

DUCHASTEL, Alexandra. O caminho do imaginário: o processo de Arteterapia. São Paulo: Paulus, 2010.

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Sobre a autora: Cristiane da Silva



Arteterapeuta: AARJ 1125 /08. Formada em Pedagogia (UERJ/RJ), tem trinta e três anos de regência em sala de aula – da Educação Infantil à Educação de Jovens e Adultos neurodivergentes na rede pública de ensino do Rio de Janeiro. Pós-graduada em Arteterapia em Educação e Saúde (UCAM/RJ) e formada em Arteterapia pelo Atelier de Artes e Terapias Eveline Carrano. É graduanda em Psicologia (UVA/RJ). Foi voluntária por 4 anos na ONG Anjos da Tia Stellinha, atuando no projeto CONSTRUINDO A MINHA HISTÓRIA – resgate de vínculos entre mães e filhos. Realiza oficinas e vivências em Arteterapia, é mediadora de Biblioterapia e Escrita terapêutica. Acredita que as artes, as leituras, a escrita e a cooperação mudam o sentido da vida e que, sempre, abrem caminhos para o desenvolvimento pessoal e social.



segunda-feira, 17 de março de 2025

ARTETERAPIA E OS GRANDES ARTISTAS DA HISTÓRIA DA ARTE: TARSILA DO AMARAL


 


Por Isabel Pires - RJ, Paris

bel.antigin@gmail.com 


Na continuação de textos que abordam os grandes artistas da história da arte e a importância de sua biografia e suas técnicas para a Arteterapia, hoje trago a história da vida e da arte de Tarsila do Amaral, a partir de um trabalho que apresentei na Université Paris Nanterre, onde estou fazendo um mestrado em História da Arte. Além disso, em outro texto, vou falar um pouco sobre a exposição dedicada à pintora em Paris, ocorrida entre 09 de outubro de 2024 e 02 de fevereiro de 2025 no Musée du Luxembourg.

Conforme já abordei anteriormente aqui no blog, através da biografia de um grande artista, o paciente pode se identificar com algum aspecto da vida, alguma atitude, alguma mudança, algum acontecimento vivido por esse artista, o que pode lhe indicar novas possibilidades para a sua própria trajetória ou mesmo o alívio ou satisfação de se ver numa situação parecida vivida por esse personagem. Além disso, apresentar as questões emocionais e psicológicas de um grande nome da história da arte, principalmente se for alguém que o paciente admire, revelará a humanidade desse artista, desmistificando-o e, ao mesmo tempo, aproximando-o do nosso paciente.

Tarsila do Amaral nasceu em 1º de setembro de 1886, na cidade de Capivari, no interior do estado de São Paulo. Seu pai, José Estanislau do Amaral, diplomado em Direito, era um latifundiário do café, ou seja, dono de grandes terras de cultivo do café. Sua mãe era compositora e pianista autodidata. Assim, Tarsila nasce dentro da burguesia paulista da época, cuja sociedade ainda era escravagista. Por isso, como era comum na aristocracia brasileira daquele momento, recebe uma educação francesa dentro de casa, ao mesmo tempo em que vive no campo, cercada de mato e com muita liberdade.

Tarsila estuda na capital de São Paulo e, no segundo grau, em Barcelona, no Collège du Sacré-Coeur, época em que pintou, aos 16 anos, o seu primeiro quadro, chamado “Sagrado Coração de Jesus”. Sua primeira viagem a Paris foi em 1904, com sua família, e a artista se encanta com a capital francesa. Mas, no mesmo ano, retorna ao Brasil e se casa com o primo de sua mãe, André Teixeira, com quem tem a sua única filha, Dulce Pinto, nascida em 1906 e falecida em 1966. Sua neta Beatriz, nascida em 1934, morre aos quinze anos.

Em 1916, já separada, Tarsila se muda para São Paulo para estudar pintura, onde tem aulas de escultura com William Zadig e Oreste Mantovani. Em 1917, começa aulas de desenho e pintura com Pedro Alexandrino, em cujo ateliê conhece Anita Malfatti. Tarsila do Amaral abre seu ateliê na Rua Vitória e é lá que se encontram os artistas e intelectuais que farão posteriormente a Semana de Arte Moderna, em 1922. Mas, em 1920, Tarsila volta a Paris com sua filha Dulce, para frequentar a Académie Julien, o ateliê Émile Renard e o curso livre de M. Oury. Na capital francesa, ela convive com seu amigo Blaise Cendrars e outras personalidades importantes da “École de Paris”. Nessa época, também conhece vários artistas e nomes brasileiros que moram na capital francesa, como Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti, Heitor Villa-Lobos. Também se torna próxima de Bracusi, Picasso, Erik Satie e André Breton, entre outros. Essa experiência foi fundamental para sua formação como artista e para sua imersão nas tendências do cubismo, expressionismo e futurismo.

Ao voltar ao Brasil, em 1922, pouco depois da Semana de Arte Moderna, Tarsila cria o “Grupo dos Cinco”, com Anita Malfatti, Mario de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade, com o objetivo de desenvolver uma arte moderna brasileira. Nesse mesmo ano, começa um relacionamento com Oswald de Andrade, com quem forma um casal emblemático do modernismo brasileiro. Casam-se em 1926, ano da primeira exposição individual de Tarsila, realizada em Paris, na Galerie Percier. Dois anos depois, Tarsila pinta, de presente de aniversário para o marido Oswald, o famoso quadro Abaporu, que quer dizer, em tupi-guarani, “homem que come carne humana”. Inspirado por esse quadro, o poeta Oswald de Andrade escreve o Manifesto Antropófago, que inaugura um movimento importante para a arte brasileira, pois busca “devorar” a cultura dominante ocidental, nutrir-se dela, digeri-la, para se apropriar de suas forças. Trata-se de quebrar padrões sociais já estabelecidos e o academicismo neoclássico, ao mesmo tempo em que se buscam as origens primitivas, para produzir uma arte bem brasileira que seja ao mesmo tempo moderna e cosmopolita.

Em 1929, o casal Tarsila e Oswald se separa. É um ano difícil para a artista, que perde sua fortuna familiar com a queda da Bolsa de Nova York e tem que trabalhar para a sua sobrevivência. De 1931 a 1933, a pintora mantém um relacionamento com Osório Cesar, psiquiatra brasileiro pioneiro no uso da arte com pacientes asilados. Os dois já se conheciam desde 1912, das reuniões na casa do senador Freitas Valle, patrono das artes na sociedade paulista do início do século XX. Osório Cesar também foi um dos precursores do modernismo brasileiro, pois esteve sempre junto aos idealizadores dos movimentos de vanguarda da sociedade brasileira da época. Junto com Tarsila, viajou à URSS, de onde o casal voltou encantado com o comunismo. Essa viagem foi fundamental na vida e na obra de Tarsila, que muda seu estilo de pintura e passa a pintar a classe operária.

Perseguida pelo governo ditatorial de Getúlio Vargas, presidente do Brasil entre 1930 e 1945, por ser comunista, Tarsila do Amaral começa a escrever para a imprensa e a ilustrar livros como forma de subsistência, mas continua pintando. A artista vive no ostracismo, por causa das ditaduras no Brasil, até o ano de 1964, quando seu trabalho é reconhecido na Bienal de Veneza. Em 1969, uma grande retrospectiva de Tarsila é realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. A artista Tarsila do Amaral morre em 1973, em São Paulo, aos 87 anos.



A história de vida e de trabalho de Tarsila nos faz repensar sobre o valor da nossa cultura e de nossas origens. Embora tenha sido educada nos moldes europeus e tenha morado na Espanha e, mais de uma vez, na França, Tarsila se reconheceu ainda mais brasileira quando morou no exterior. Assim como os antropófagos do movimento brasileiro de arte moderna nos anos vinte, soube assimilar as técnicas europeias e uni-las às influências e elementos da nossa cultura, para fazer uma arte única, bem nacional. Se alguém morou ou vive no estrangeiro, como é o meu caso no momento, pode-se identificar e aprender com a experiência de Tarsila do Amaral, pois a biografia da pintora Tarsila nos ensina a valorizar, ainda mais, a riqueza da cultura e da arte brasileiras.

No meu próximo texto, falarei sobre a exposição de Tarsila no Museu de Luxemburgo, em Paris.


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Sobre a autora: Isabel Pires



ü  Arteterapeuta e psicóloga

ü  Mestranda em História da Arte na Université Paris Nanterre

ü  Autora do texto: “Vygotsky e a arte”, no livro Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra

ü  Autora do artigo: “Havia uma menopausa no meio do caminho: a arteterapia na metanoia da mulher de meia idade”, publicado na Revista da AATESP, v. 13, n.02, 2022, que foi tema de palestra homônima ministrada no 24º Congresso Português de Arte-Terapia “Arte, Saúde e Educação”, em outubro de 2023, em Lisboa, Portugal.

ü  Nascida no Rio de Janeiro, atualmente vive em Paris e realiza atendimentos clínicos online em Arteterapia e psicoterapia.

segunda-feira, 10 de março de 2025

MÓBILE: MOVIMENTANDO NOSSA VONTADE INTERNA

 


Por Nanda Paggioli - SP

@habitarte.atelier (Instagram)


Bem vindo 2025! Um ano novinho para nós caminharmos juntos. Pensei nesta potência que é o momento da chegada de um novo ano, um novo ciclo que se revela para nós. Um convite para o vislumbre de nossas vontades no horizonte, o nosso vir a ser e fazer neste 2025.  Quantas energias são mobilizadas, ideias e sentimentos pulsam em nossos corações e pensamentos. E pensando nas infinitas possibilidades de abordar este início de ciclo e trazer a nossa autorresponsabilidade sobre um universo inteirinho a ser desvelado, chega de forma espontânea, a imagem de uma criança em seu berço observando um mobile com curiosidade e atenção. Fui capturada pela imagem.

Em Arteterapia, sermos capturados por uma imagem, é um processo comum e muito potente. Decidi ampliar este diálogo, e algumas perguntas norteadoras chegaram em minha mente: Quais os benefícios de usarmos um mobile? Existem diferentes tipos de mobile? O ato de contemplar o movimento do mobile mobiliza quais forças psíquicas? Acolhi estas indagações e resolvi pesquisar este assunto com uma visão terapêutica e artística.

O mobile é muito mais do que apenas um objeto decorativo, ele é algo que estimula o desenvolvimento cognitivo da criança, pois estimula a visão, tato e a audição. E em cada fase, sua forma, tipo de materiais e o uso das cores, nos mobiles tem sua função para o desenvolvimento cognitivo e psicomotor (1). Pensando no setting arteterapêutico, podemos ampliar este diálogo sobre a percepção dos nossos sentidos, usando diferentes tipos de materiais na confecção dos mobiles, que trará diferentes percepções do sujeito no ato de produzir o seu móbile, bem como o de contemplá-lo.

A citação de Carrano, complementa este diálogo: “A arte é sensorial, pois no ato da criação, ela conecta o homem com seus sentidos, ao se relacionar com o material. E é nessa manipulação que a percepção se manifesta agindo por meio do tato, da visão, da audição; despertando a imaginação, que é esculpida, lapidada e incentivada a cada momento (2).

Na arte visual, o termo "mobile" é usado para nomear esculturas compostas por materiais leves, suspensos no espaço por meio de fios. Essas peças são movimentadas pelo ar e se caracterizam pelo equilíbrio, leveza e harmonia. Existem diferentes materiais utilizados para fazer um mobile. Quando falamos de mobiles no meio artístico, destaca-se o artista Alexander Calder, que é considerado um precursor deste tipo de estrutura na arte. Eliana MoraEs, nos traz informações valiosas deste artista em seus estudos publicados no blog Não Palavras (3). Em seu texto, ela também relata duas propostas arteterapêuticas muito interessante com o uso dos móbiles e dos stábiles como proposta de trabalho no setting terapêutico.

Tania Salete, também traz sua experiência ao trabalhar com a fluidez delicada e flexível do mobile durante um processo de ressignificação da dor. (4)

Prática Arteterapêutica

Inspirada na imagem recebida e nos trabalhos de minhas colegas arteterapeutas, a proposta foi trabalhar inicialmente com algo simples mas que trouxesse a energia do novo porvir, de um novo ciclo. Por isso a proposta foi trabalhar com a construção de um mobile de papel em forma de uma espiral, para mobilizar primeiro a leveza, o contraste visual (pelas cores e linhas), e o movimento que esta forma espiralada nos remete sobre as vontades e expectativas desejadas para este novo ano.

A proposta foi realizada em quatro etapas. Na primeira, cortamos o papel A4 branco no formato de um círculo. E então é feito o convite para expressar suas vontades intencionados para este ano, na forma de imagens (abstratas ou figurativas) ou palavras utilizando o riscante pastel oleoso neste círculo.  Em uma segunda etapa, no verso do papel, o convite é expressar simbolicamente com cores que representassem a “força” complementar a ser trabalhada, que traz o apoio para as vontades conseguirem nascer no mundo.



             Frente




Verso

 Na terceira etapa, com auxílio de uma tesoura, recortar o círculo no formato de uma espiral. Suspendemos esta espiral, com um fita de cetim. A espiral que antes estava no plano bidimensional ganha volume e vai para o tridimensional.

A ideia de usarmos a forma espiralada é para trazer um movimento natural e delicado dos ciclos da vida.

“A espiral é um símbolo de evolução e de movimento ascendente e progressivo, normalmente positivo, auspicioso e construtivo, sobretudo na sua forma. Enquanto plana, a espiral pode ter associado o movimento de evolução e de involução. O psiquiatra e psicanalista suíço Carl Jung escreveu que a espiral significa que, quando você faz uma espiral, você passa sempre pelo mesmo ponto em que esteve antes, mas nunca exatamente o mesmo verticalmente (5).”

Na última etapa, a espiral pode então ser contemplada, e o movimento espiralado que surge pode vir da corrente de ar do ambiente ou do sopro dos nossos pulmões.

Quando a espiral sai do plano bi para o tridimensional, um convite visual é feito para o participante refletir, sobre um aspecto de verticalização que realizamos na vida, perante o nosso processo de individuação, trazendo forças estruturantes, que no futuro podem ser usadas para trazer equilíbrio e harmonia em nosso fazer na vida. Por hora, a proposta é de nos conectarmos com a energia da presença, leveza, concretude, movimento e subjetividade para esta escultura flutuante criada.  A escolha de onde iremos dependurar o móbile, também pode entrar no processo de diálogo arteterapêutico, sobre o ritmo que queremos dar a este movimento espiralado em nossas vidas.

Conclusão:

Este trabalho arteterapêutico, intenciona no fazer artístico sensorial e contemplativo do móbile, trazer a mobilização de força motivacional e de esperança na realização de nossas vontades no mundo. Um diálogo com as forças de apoio e de sustentação que precisamos trabalhar em nós para trazermos os enfrentamentos de novos ciclos, e vislumbrar um horizonte com mais firmeza de proposito.

Referências Bibliográficas:

(1) Móbiles de berço: como usá-los para beneficiar o desenvolvimento dos bebês. https://www.reab.me/mobiles-de-berco-entenda-porque-e-como-usa-los-para-beneficiar-o-desenvolvimento-dos-bebes/

(2) CARRANO, Eveline, REQUIÃO, Maria Helena. Materiais de Arte – Sua linguagem subjetiva para o trabalho terapêutico e pedagógico. WAK Editora, Rio de Janeiro, 2013. 

(3) Eliane Moraes: GRANDES ARTISTAS NAS PRÁTICAS DA ARTETERAPIA: ALEXANDER CALDER, blog Não Palavras. (https://nao-palavra.blogspot.com/2021/08/grandes-artistas-nas-praticas-da.html)

 (4) Tania Salete: ENTRE OS MÓBILES E STÁBILES DE CALDER – LIDANDO COM A DOR NA ARTETERAPIA, blog Não Palavras. (https://nao-palavra.blogspot.com/2021/08/entre-os-mobiles-e-stabiles-de-calder.html)

(5)https://www.google.com/search?q=espiral+e+seu+significado&rlz=1C1GCEA_enBR1124BR1124&oq=espiral+e+seu+&gs_lcrp=EgZjaHJvbWUqBwgBECEYoAEyBggAEEUYOTIHCAEQIRigATIHCAIQIRigATIHCAMQIRigAdIBCjE3OTU3ajBqMTWoAgiwAgHxBQg5WE3LioMW&sourceid=chrome&ie=UTF-8

 

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Sobre a autora: Nanda Paggioli

 


Graduação em Química, Mestrado em Agroquímica.  Especialização em Arteterapia pela Nape, São Paulo. Atendimentos individuais e grupais em Arteterapia online e presencial sediada em Americana, SP.