Por Valéria Diniz - RJ
valdiniz.td@gmail.com
Instagram @valeriadiniz50
O que é necessário pra ser uma
boa psicóloga?
Essa era minha indagação e
inquietude nos primeiros anos de trajetória profissional. Tudo era
encantadoramente assustador.
Procurava em curso, workshops,
terapia pessoal, leitura e mais leitura. Queria chegar naquele nível de meus
mestres .Pessoas que me inspiravam na vida e na carreira. Queria ser tão boa
como eles!
Algum dia, eu, de fato,
poderia ajudar alguém? Como apurar a escuta? Como entender o que não é possível
ser falado? Como ouvir o que não pode ser dito?
Meu primeiro supervisor e
mestre para a vida me convidava a “desenvolver
a percepção”.
Gente, como se faz isso?
Ele me chamava carinhosamente
de “garotinha”. Aborrecia-me, mas, no fundo estava certo.
Era apenas o começo, o
primeiro estágio no SPA (Serviço de Psicologia Aplicada). Tinha muito ainda que
caminhar!
“Tá
tudo bem, ainda vou fazer a especialização!”. Era um jeito de
diminuir minha cobrança.
Escolhi fazer a formação em Gestalt
por ser uma abordagem criativa. Meus supervisores na formação me estimulavam
através de vivências e experimentos a desenvolver a percepção através do
sentir, de estar em contato.
Isso não facilitava, era mais
difícil!
"Como saber qual técnica, qual
experimento usar? E quando, e como, e
para quê?"
Por que não desisti?
Porque desde menina sempre
gostei de estórias. E ser psicóloga é ter o privilégio de acompanhar histórias
únicas. Conhecer bem de perto seu autor, e, talvez, contribuir um pouquinho para
esse enredo que se constrói diante de mim.
Logo nos primeiros anos da minha caminhada conheci as histórias de
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e violência doméstica no
serviço público.
Chorei com muitas mães.
Sim, chorei.
Mas, psicólogos não choram em
seus atendimentos. E a postura profissional? E a escuta técnica? Leve suas dores para sua terapia.
Mais uma pós para, quem sabe,
virar um boa profissional. E mais uma sensação de impotência diante de bebês
agredidos. Meninas e meninos violados.
Noites em claro debruçada
sobre livros.
Na clínica surgiam as
compulsões, as tentativas de suicídio, as perdas, as dores¸ a psicopatia. A
vida humana com suas histórias de beleza e horror. Preciso de mais uma pós. E
de mais noites em claro.
Melhor, vou fazer um mestrado
e estudar a “loucura”. Deve ser o que preciso para “virar fera”. E, no hospital
psiquiátrico me deparo com oficinas em técnicas expressivas. Pintura, colagem,
argila, música, teatro.
“Onde
estava tudo isso por favor???” Agora a inquietude dá lugar a indignação e
revolta. “Por que não aprendi isso
antes?”
Minha adolescente interior
mostra a cara. Julgando o mundo acadêmico, o projeto pedagógico, as faculdades,
os professores, a formação, a psicologia, o CRP (Conselho Regional de
Psicologia) e o mundo ao meu redor.
Posso lembrar agora enquanto
escrevo esse texto de uma voz firme e suave que dizia: “O artista aprende muito mais do íntimo do outro que um médico (ou
psicólogo).”
Meu primeiro contato com a
arte e sua potência terapêutica foi iluminada pela genialidade, criatividade, garra
e força de Nise da SiIveira. Mestra querida!
De lá até aqui já se vão
alguns anos.
Viajei por outras estradas. Conheci
outras áreas da psicologia: Educação, Empresarial. Mas, ainda carregava a
indignação do “tempo perdido”. Minha adolescente ainda gritava. Entendi que
precisava apresentar o mundo das possibilidades artísticas para outros
profissionais. Venho oferecendo uma oficina por mês em Técnicas Expressivas.
E tudo, finalmente, faz
sentido. Fechei essa Gestalt ou, na linguagem comum, cheguei à compreensão.
Minha pergunta no começo era: Como
ser uma boa psicóloga? Quando eu ia virar fera?
A gente não “vira” como um
passe de mágica. A gente se “faz”.
Fui me “fazendo”, me “construindo”,
com estudo sim, com cursos sim, com terapia sim, com supervisão sim.
E para se fazer é
preciso desconstrução. Isso é arte!
Fui desenvolvendo a percepção
abrindo o peito e deixando o outro chegar. E estar disponível é estar em
contato consigo e com o outro.
Tocar
o outro é Arte!
Não perdi o gosto pelas
histórias, continuo apaixonada.
Ouvir
histórias é Arte!
Manter viva a “garotinha”, que
meu supervisor enxergava, e, o que na verdade sempre foi um elogio. A minha
criança interior que se permite brincar e se divertir para não endurecer.
E
brincar é fazer arte!
Permitir que a adolescente
rebelde faça seus apelos com a coragem de mudar o mundo.
Acreditar em mudanças pelo caminho da Arte!
Nesse meu caminho integrei a
Gestalt e a Arte.
Não virei fera. Não preciso
mais.
Tudo continua encantadoramente
assustador.
Não me debruço mais sobre os
livros durante a noite. Prefiro estudar de dia porque a vista já anda cansada.
Faço-me uma psicóloga arteira.
A cada dia, em cada encontro, em cada nova história, em cada oficina.
Meu consultório é meu ateliê.
Pinto, colo, crio, experimento, construo possibilidades, descubro caminhos
sozinha ou acompanhada daqueles que graciosamente me presenteiam com suas
histórias.
Parei de chorar.
Sim parei.
Agora são apenas meus olhos
que ficam molhados diante da alegria e da dor.
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Sobre a autora: Valéria Diniz
Psicóloga
Gestalt terapeuta
Mestra em Saúde Mental
Atendimento individual e casal .
Oficinas de Técnicas Expressivas em Gestalt