Por Eliana Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
Cada vez mais dedicada à formação continuada do arteterapeuta,
tenho observado com atenção as questões mais recorrentes em espaços de
supervisão. A partir dessa escuta atenta, pretendo escrever conteúdos
orientadores para os profissionais que permanecem na busca pelo seu
desenvolvimento.
Compreendemos que a Arteterapia é um campo de atuação que recebe estudantes
das mais variadas formações anteriores. Essa é uma característica marcante de
nossa profissão, a qual possui sua luz e sombra. Em um aspecto positivo, isso
potencializa a diversidade e multiplicidade, bem como, amplia o alcance das
práticas arteterapêuticas.
Por um outro lado, observo que alguns arteterapeutas –
principalmente os que não vêm da Psicologia – possuem certa dificuldade em
compreender a dinâmica do ofício do terapeuta, diferenciando-se de um manejo com
viés pedagógico e didático, ou mais diretivo e sugestivo. Nesse contexto, gosto
de resgatar o princípio da psicanálise sobre o “saber”.
Para a psicanálise, apenas o sujeito é capaz de “saber”
sobre si. Ocorre que ele “esqueceu o que sabe” e este saber encontra-se
inconsciente. Quando esse sujeito elege um analista/terapeuta, ele coloca este
profissional no lugar de “suposto saber”. Ou seja, o sujeito precisa
supor, acreditar, que aquele analista/terapeuta possui um saber que ele não
tem. Ser colocado nesse lugar de “suposto saber” é importante para que ocorra a
transferência, as projeções necessárias para que o sujeito confie, se abra e
vincule com seu analista/terapeuta. Por outro lado, esse lugar deve ser muito
bem compreendido pelo profissional, acolhendo a necessidade projetiva de seu
paciente, mas mantendo a clareza e consciência de que “ele não tem o saber”. Caso
contrário, ele desloca-se para o lugar de conselheiro, mentor, orientador,
guru, etc. Quem tem o saber é o próprio sujeito e o papel do analista/terapeuta
é ajudá-lo a lembrar de seu saber sobre si. O que o analista/terapeuta possui é
um distanciamento emocional e o conhecimento de alguma técnica que possa
colaborar com o sujeito na (re)apropriação de seu saber.
De posse desse princípio, cada abordagem terapêutica irá partir de
sua técnica. E no caso da Arteterapia é necessário que o profissional conheça as
diversas modalidades que compõem nosso repertório, suas características e
propriedades, para delas fazer bom uso, com consciência técnica.
Já de início podemos destacar duas modalidades de atendimento
bastante características das práticas arteterapêuticas: os atendimentos grupais
e individuais.
Em um texto anterior desse blog, chamado “Grupos arteterapêuticos
e suas diversas modalidades” (CLIQUE AQUI) discorro mais profundamente sobre
algumas variáveis dos atendimentos grupais como o fluxo de pessoas, o tempo e o
número de sessões e a estrutura da proposta. Neste texto retomaremos o último item.
Uma proposta estruturada se dá quando o arteterapeuta já
conhece todo o conteúdo a ser trabalhado. Geralmente essa proposta funciona com
encontros pontuais ou um ciclo breve. Em Arteterapia, uma modalidade muito
presente em nosso repertório são as vivências ou oficinas, caracterizadas por
um encontro temático ao qual o facilitador já possui a estrutura de seu começo,
meio e fim.
Já uma proposta semiaberta ou semiestruturada se dá quando
o moderador elege uma proposta inicial – um material, uma temática, um
estímulo, uma consigna – e se mantém aberto para ouvir o movimento gerado nos
experienciadores por aquele estímulo. A partir dessa escuta ele irá construir a
proposta do próximo encontro elegendo as propostas pertinentes àquele movimento
grupal.
Por fim, a proposta aberta acontece quando o moderador
oferece o encontro terapêutico sem planejamento anterior, deixando com que os
estímulos disparadores surjam de forma espontânea, na experiência do “aqui e
agora”. Desta forma, o processo criativo acontece naturalmente, a partir
de algum estímulo surgido no momento.
E aqui vale destacar que (salvo exceções) o atendimento individual
se configura como uma proposta aberta.
Atendimento individual
Percebo que para arteterapeutas que não vêm da Psicologia, um dos
desafios para desenvolverem o manejo do atendimento individual está em terem
sido apresentados à Arteterapia por propostas estruturadas ou semiestruturadas
nas aulas do curso de formação e outras vivências, e não terem tido a oportunidade
de vivenciarem uma sessão aberta, seja grupal ou individual.
É essencial que o arteterapeuta que oferece atendimentos
individuais possa se despir das sessões estruturadas ou semiestruturadas e compreenda
que aquele encontro terapêutico se dá a partir da demanda trazida pelo
paciente/cliente no “aqui e agora”. A destreza da escuta arteterapêutica está
em acolher a demanda subjetiva trazida pelo sujeito
e em tempo, criar uma decodificação para o material objetivo e a técnica
pertinente.
Naturalmente, o arteterapeuta, conhecendo o percurso de seu
paciente, pode deixar como “cartas na manga” possíveis propostas
arteterapêuticas para o encontro. Porém, receber o paciente e ouvir o que ele
traz para sua terapia naquele momento é imperativo para a dinâmica da sessão. E
assim, compreendemos o arteterapeuta como um promotor de encontros entre o sujeito que
fala sobre sua questão e o material que será mais facilitador do seu processo
de expressão, elaboração e ressignificação.
Compreendemos
como cenário de exceção, quando um paciente se apresenta bastante esvaziado, ensimesmado
e apresentando pouco repertório. Aqui, há a possibilidade do arteterapeuta
inicialmente construir sessões semiestruturadas com objetivo terapêutico de
desbloqueio criativo. Tal manejo é um dos recursos singulares da Arteterapia em
auxílio à pacientes que possuem alguma angústia, mas que têm dificuldade de
expressá-la através da linguagem verbal. Esses pacientes apresentam bastante
dificuldade nas psicoterapias tradicionais, enquanto em Arteterapia podemos
oferecer a oportunidade de ampliação da linguagem e o contato com estímulos projetivos
que serão muito facilitadores a esses pacientes. Entretanto, de toda forma, é
importante que o arteterapeuta compreenda que esse é um manejo pontual e
temporário, com o objetivo de desbloqueio do paciente, e que a medida que este adentre
ao fluxo terapêutico, suas demandas apresentadas na sessão serão norteadoras do
processo.
Nesse
contexto, outro ponto bastante trabalhado em supervisões se dá no desenvolvimento
da sensibilidade de acolhimento do tempo singular de elaboração de cada paciente/cliente.
Para arteterapeutas ainda vinculados às modalidades estruturadas e
semiestruturadas, por vezes parece desafiador acompanhar o tempo de cada
paciente e suas possibilidades, sua resistência ou dificuldade no caminhar. Como
nos diz Freud em seu texto “Recordar, repetir e elaborar”, o enfrentamento das
resistências é uma árdua tarefa para o paciente e por vezes uma prova de
paciência para o analista/terapeuta. Porém, deixar com que o próprio paciente
vá desconstruindo suas resistências é o trabalho mais eficaz. Assim,
compreendemos que o papel do arteterapeuta não é sugestionar ou apontar
caminhos de forma diretiva, mas sim acompanhar, testemunhar e dar suporte ao
processo, tempo e caminhar de cada experienciador.
A
formação continuada e o desenvolvimento do arteterapeuta é um dos objetivos do
Não Palavra Arteterapia e suas propostas. Estamos em processo de fechamento do
ano de 2023 cientes de que nesse ciclo consolidamos esse lugar e com o desejo
renovado para 2024.
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Sobre a autora: Eliana Moraes