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segunda-feira, 27 de maio de 2019

A ARTETERAPIA NO ATENDIMENTO DE PACIENTE COM GAGUEIRA GRAVE

Desenho Automático, 1925 por André Aimé René Masson (1896-1987, France)

Por Sueli Antonusso - SP 
antonusso@gmail.com

De Botton (1969), filosofo e escritor suíço, refere-se a Arte, 
Como outros instrumentos, a arte tem o poder de ampliar nossas capacidades para além dos limites originalmente impostos pela natureza. A arte compensa algumas de nossas fraquezas inatas, nesse caso mais mentais do que físicas, fraquezas que podemos chamar de fragilidades psicológicas. (p. 5).
Entre a primeira e a segunda Guerras Mundiais surgiu o movimento artístico e literário surrealista que reuniu artistas de vanguarda e ganhou dimensão mundial. O surrealismo destacava o papel do inconsciente na atividade criativa influenciado pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud (1856 – 1939). Alguns dos objetivos do surrealismo era produzir uma arte autônoma, livre do pensamento lógico e da consciência cotidiana buscando expressar o mundo inconsciente e os sonhos. 
Ainda que o reconhecimento da utilização das artes com fim terapêutico tenha surgido há bastante tempo, a estruturação de estratégias terapêuticas que deram origem a Arteterapia são mais recentes. O protocolo mais recente de atividades próximas a Arteterapia foi feito pelo médico alemão Johann Christian Reil, contemporâneo de Pinel, no início do século XIX. (SEI, 2011, p. 23). 
A Arteterapia propõe atividades artístico-expressivas com objetivo terapêutico. Materiais e recursos provenientes das Artes em geral são utilizados para realização de produções que ocorrem durante o processo terapêutico com a finalidade de atender a necessidade expressiva de cada indivíduo na busca de significado e sentido para a própria vida. 

No Brasil o exercício da Arteterapia fundamenta-se, de maneira mais frequente, em dois referenciais teóricos: a Gestalt-terapia e a psicoterapia Junguiana, enquanto que nos EUA e alguns países da Europa a psicanálise configura-se como estrutura na qual baseia-se o setting arteterapeutico. 
Para Freud (1909), médico e psicanalista alemão, a criatividade emana do inconsciente, de forma livre. Relacionou as imagens e sensações dos sonhos às lembranças de um passado reprimido e retido no inconsciente. Seus conceitos sobre arte foram extraídos do teatro grego, dos contos fantásticos alemães, de Shakespeare, entre outros artistas.
Contudo, Jung (1920), psiquiatra e analista suíço, empregava recursos da arte como elemento do tratamento. Solicitava que seus pacientes desenhassem seus sonhos e conflitos como atividade criativa e integradora da personalidade no qual atribuía significados simbólicos considerando o inconsciente pessoal e coletivo.
Em meu trabalho como arteterapeuta e psicanalista faço uma mescla entre a teoria psicanalítica e junguiana nos atendimentos em Arteterapia. 
Ao realizar encontros com grupos proponho atividades mais estruturadas. Utilizo recursos como filosofia, visualizações criativas, Rodas de Conversa, Arte Moderna, poesias, contos e mitologia para sensibilizar e estimular a expressividade de conteúdos inconscientes favorecendo, assim, o autoconhecimento e a ampliação do potencial criativo, a partir de um plano de ação pré-definido. 
Já, nos atendimentos individuais, o processo criativo é deixado mais solto e espontâneo, seguindo a proposta de Winnicott (2005 [1964 – 1968]), pediatra e psicanalista inglês, para as primeiras entrevistas por favorecer a confiança na relação no início do processo.
De acordo com Winnicott (2005 [1964 – 1968]), o paciente necessita de 
um setting estritamente profissional, no qual fique livre para explorar a oportunidade excepcional que a consulta proporciona para a comunicação. A comunicação do paciente com o psiquiatra referir-se-á às tendências específicas que têm forma atual e raízes que remontam ao passado ou se entranham profundamente na estrutura da personalidade do paciente e de sua realidade interior pessoal. (p. 230). 
Winnicott (2005[1964 – 1968]) criou o Jogo do Rabisco com a finalidade de oferecer ao paciente um setting profissional preparado para acolher seus sentimentos e emoções, uma forma de sustentação [holding] capaz de surpreender, facilitar a comunicação e a expressividade.
Utilizo o Jogo do Rabisco, desenvolvido por Winnicott, na primeira entrevista. Para ilustrar, trago um recorte do atendimento de A, adolescente de 17 anos que foi encaminhado com diagnóstico de gagueira grave e lggm restrita e pensamento concreto, segundo teste psicológico. 
Na primeira entrevista A mal conseguia pronunciar seu nome. Percebi que seria difícil manter um dialogo por meio da palavra. Propus o Jogo do Rabisco no qual fiz uma adaptação. Utilizei uma folha de papel sulfite, em branco, no formato A4. Com um lápis grafite fiz um rabisco na folha e sugeri que A desse continuidade fazendo outro rabisco com seu lápis e, assim, seguimos até que a folha estivesse preenchida. Em seguida pedi que A colorisse os rabiscos até encontrar alguma forma que tivesse algum significado e, assim, surgiu a imagem de um pinguim. 


Li para A, usando a internet, sobre a vida dos pinguins. A mostrou-se interessado pelo fato de os pinguins serem pássaros que não podem voar, metaforicamente traz a ideia de que é um “ser” não convencional. Talvez, A tenha se identificado por ser negro, gago, diferente da maioria, “não convencional”. Além disso, tem a questão da submissão ao que é imposto socialmente, ao que é comum, “convencional”.  A, adolescente e “diferente” sinalizou que uma das suas questões poderia estar relacionada a ter que “submeter-se” às convenções, mesmo sendo “diferente” da maioria.
Os pinguins são seres sociais e comunicativos e A, apesar do largo sorriso simpático, apresentava muita dificuldade para se comunicar por causa da gagueira. Por serem sociáveis, os pinguins partilham a sobrevivência com o grupo. A, por sua condição, comentou sentir-se socialmente isolado.
A demonstrou ter gostado bastante de saber sobre a vida dos pinguins. Seja por identificação ou pelo estranhamento, A conseguiu contar-me algumas questões que lhe causavam muito sofrimento. 
Desde os cinco anos de idade, toda vez que o pai chegava em casa embriagado batia nele com um pedaço de pau, sem motivo. Atualmente, por ter crescido e estar mais forte passou a revidar as surras. Disse sentir muito ódio do pai. 
Falou sobre o bullying sofrido na escola por ser - “não convencional”, como os pinguins. Como os pinguins, gostaria de conviver socialmente, de ser aceito sem precisar passar por tanto preconceito. 
Assim que A terminou pontuei que talvez o desenho do pinguim tenha “facilitado” sua fala. Ele conseguiu, através do desenho, reconstruir uma pequena parte da sua história e contado um pouco sobre sua vida, fazendo uma pequena “pausa” em sua gagueira. Ele sorriu e concordou balançando a cabeça. 
Às vezes, a comunicação através da linguagem ou da palavra é bloqueada por ser angustiante. Quando a angústia provém de fases mais “arcaicas”, isto é pré-verbal, ou através do trauma o indivíduo sente de forma mais intensa pelo fato de não ter constituído recursos internos para lidar com sofrimentos profundos. Nesses casos, os recursos expressivos da Arte constituem canais criativos que facilitam a comunicação dessas experiencias de intenso sofrimento. 
Para Winnicott (2005 [1964 – 1968]), cabe ao terapeuta proporcionar, ao paciente, um relacionamento natural e humano, um vínculo capaz de tornar possível a integração da personalidade através do que chamou de Holding. O Holding consiste numa forma de “sustentação”, de disposição empática e afetiva para perceber e atender às necessidades do paciente. 
Nesse sentido, a Arte pode configurar-se como um meio no qual, somado ao Holding fornecido pelo setting arteterapeutico “pode colaborar para a emergência do gesto criativo e espontâneo do paciente, com a vivencia de ser alguém singular e único a partir da própria espontaneidade.” (SEI, 2001, p. 41). 
Dessa forma, acredito que podemos pensar a Arteterapia como um espaço continente e seguro, conduzido pelo arteterapeuta profissional que auxilia e facilita a comunicação de questões profundas da personalidade e possibilita a expressão criativa de forma livre e prazerosa, como num jogo ou numa brincadeira.

REFERENCIAS:

De Botton, A. e Armstrong J. Arte como terapia; tradução Denise Bottmann. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
Sei, M.B. Arteterapia e psicanálise – São Paulo: Zadodoni, 2011.
Winnicott, C. Explorações Psicanalíticas: D.W. Winnicott, Ray Shepherd & Madeleine Davis; Trad.: José Octávio de Aguiar Abreu – Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1994. 
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Sobre a autora: Sueli Antonusso 

Arteterapeuta, com registro na AATESP – 453/0618. Especialista em Psicanálise e Orientação Profissional e Carreira pelo Instituto Sedes Sapientiae. Bacharel e Licenciada em Filosofia pela PUC-SP. Idealizadora do projeto “CICLOS – que idade a idade tem?”. Atua com atendimento clínico à jovens, adultos, idosos e grupos, com o foco voltado para a ressignificação da história de vida e o acolhimento de demandas em fase de finalização e/ou início de Ciclos, como: início da idade adulta, maturidade, transição de carreira e tantas outras que fazem parte dos Ciclos de Transição. Coordenação de oficinas de Formação e Capacitação para educadores da rede pública. Realiza palestras e cursos destinados ao desenvolvimento pessoal e realização do potencial criativo com o objetivo de incentivar a exploração do novo e encorajar a autonomia.


segunda-feira, 20 de maio de 2019

SOBRE O REAPROVEITAMENTO DE MATERIAIS EM ARTETERAPIA: O ISOPOR



Por Eliana Moraes (MG) RJ
Instagram @naopalavra

Neste ano tenho me dedicado mais profundamente à reflexão e busca de possibilidades quanto ao reaproveitamento de materiais nas práticas da Arteterapia. Este tema vem me atravessando há algum tempo, porém mais assertivamente desde a publicação do texto “Hécate” de Laila Alves de Souza. CLIQUE AQUI

Desta reflexão nasceu alguns textos* e o encontro vivencial “O que é bom para lixo, é bom para poesia”, oferecido pelo Não Palavra em diversos espaços ao longo do ano. Nesta vivência, refletimos sobre o tempo de escassez ao qual estamos vivendo. Na escuta clínica, ela se apresenta com frases como “não tenho”, “não posso”, “não há mais”. Ao acreditarmos nestes imperativos limitantes, a vida vai reduzindo-se, empobrecendo-se. Mas a  pergunta que se faz é: diante de tantas impossibilidades, o que ainda é possível? Diante de tanto “não ter”, o que ainda temos? 

Esta reflexão também transborda para os materiais em Arteterapia. Não estamos em tempos de mesa farta e isto não pode ser vivido como a impossibilidade do criar. Pelo contrário, aqui nasce o convite à uma outra criatividade, aquela que se faz a partir do muito pouco ou quase nada. Este é o verdadeiro desafio de nossos tempos.  

Neste contexto tenho pensado sobre possíveis materiais aos quais inicialmente seriam descartados e por já terem cumprido sua função primordial, seriam jogados no lixo. Porém, se sairmos do movimento automático, dispensarmos um pouco de atenção e nos demorássemos a observar aquilo que em um primeiro olhar seria desinteressante e desimportante, quantas possibilidades e riquezas seriam descobertas!

Um dos materiais que mais ganho como sucata, são bandejas de isopor e suas variáveis. São aquelas bandejas que servem de suporte de mercadorias, como  pizzas, bolos, frios, carnes, frutas... Este material altamente descartável em nosso cotidiano, vale a pena ser observado. Embora o isopor seja considerado um material ecológico já que não contamina o solo, a água e o ar, na natureza ele demora 150 anos a ser degradado. Mas um ponto positivo é que este material é altamente reciclável e reaproveitável. 

Cabe aqui o discernimento entre o que é reciclar e reaproveitar materiais. A reciclagem subentende o processamento de um item com o intuito de produzir um outro produto útil, como por exemplo as garrafas pet que podem se transformar em fibras de poliéster, o chamado “tecido pet”. Já no reaproveitamento ou reutilização de materiais o item não é transformado em um novo produto, mas pode ser reaproveitado em diversas possibilidades de uso, como papéis que podem ser usados como blocos de rascunho ou garrafas que podem se tornar objetos de decoração. 

Embora o reaproveitamento de materiais não colabore diretamente na questão dos resíduos como a reciclagem, ela contribui enormemente para a gestão do lixo, reaproveitando uma matéria prima que seria facilmente descartada em lixões ou aterros. Sendo assim ela age contra a cultura do desperdício e colabora para a redução da exploração de recursos naturais para a produção de novos materiais.  

O discurso do empobrecimento dos recursos é antagônico à uma das grandes preocupações ambientais da atualidade: o elevado consumo humano de produtos que são facilmente descartados, quando poderiam ser reutilizados. No entanto, são transformados apenas em lixo e poluição para nosso planeta.

Como arteterapeutas, trabalhamos essencialmente com materiais, e assim entendo que devemos pensar sobre como estamos administrando-os. Se os utilizamos de forma sábia e sustentável ou se ainda operamos com a lógica da fartura, do consumo e do desperdício.  

Este é um terreno ainda novo para mim, mas tenho me dedicado à busca de novas alternativas e inspirações. Hoje compartilho algumas possibilidades que tenho explorado na reutilização de bandejas de isopor em minha prática arteterapêutica. 

O isopor em técnicas de Arteterapia 

Desenho


O isopor reage muito bem como um suporte para desenho quando utilizado com pastel oleoso e seco. Neste contexto ele pode substituir o uso do papel alcançando um excelente resultado. E ainda possível explorar sua forma original como superfície. Se redondo, serve como uma mandala. Em forma de bandeja é possível explorá-lo como uma superfície tridimensional: além da altura e largura, contempla a profundidade. 

Colagem



Para colagens diversas, a bandeja de isopor também pode ser utilizada como superfície análoga ao papel. Mas outra técnica interessante se dá com a possibilidade de quebrá-la em pedaços e dos fragmentos nascer uma nova forma e composição. 

Quando a questão terapêutica gira em torno da palavra “quebra” – de padrões, de pensamentos, crenças e enrijecimentos diversos – o ato de quebrar e recompor sob novas combinações mostra-se um processo bastante simbólico dentro do setting arteterapêutico. Em um segundo momento é possível explorar as cores desta nova composição, na imagem e na vida. 


 Gravura 

A gravura é uma imagem obtida através da impressão dos traços gravados em uma matriz. O material da matriz pode variar e é ela quem nomeará o tipo de gravura. Por exemplo, xilogravura é o nome que se dá para a impressão de uma imagem gravada em madeira. Litogravura, a impressão sobre pedra. 


No contexto do setting arteterapêutico é possível reproduzir esta técnica gravando traços sobre a superfície do isopor com diversos materiais de corte, como palitos variados ou pregos. Uma vez que a matriz é preservada, a impressão pode ser feita e refeita inúmeras vezes em papeis com diferentes gramaturas e cores. 

Este trabalho é interessante ao proporcionar que o autor marque na superfície os traços aos quais deseja deixar gravado, registrando ali a sua marca e desta forma poderá potencializar a manifestação daquilo que deseja transmitir para si e para "o mundo". Em um segundo momento, explorar diversas possibilidades de impressão a partir de uma mesma matriz, mostra-se como uma experiência muito rica e bastante simbólica em uma jornada de autoconhecimento.   


O exercício do olhar que reaproveita os materiais (a princípio) descartáveis enfim torna-se uma postura de vida. Ao compreendermos a profundidade deste hábito dentro do processo criativo, naturalmente conseguiremos enxergar com outros olhos tantos recursos antes negligenciados, seja na vida objetiva mas também na subjetiva. Desta forma, é possível atravessar o tempo de escassez de outra maneira, experimentando outras possibilidades.  

E você? Como reaproveita seus recursos materiais e psíquicos? 

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Sobre a autora: Eliana Moraes



Arteterapeuta e Psicóloga. 


Especialista em Gerontologia e saúde do idoso e cursando MBA em História da Arte.

Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.
Autora do livro "Pensando a Arteterapia" CLIQUE AQUI

segunda-feira, 13 de maio de 2019

REESTRUTURAÇÃO COGNITIVA E OS MATERIAIS EM ARTETERAPIA



Por Juliana Mello – RJ
entrelinhas.artepsi@gmail.com


Dando continuidade ao meu trabalho clínico com mandalas, unindo a Terapia Cognitivo-Comportamental e a Arteterapia (LER PRIMEIRO TEXTO AQUI), utilizei o papel vegetal e o lápis de cor aquarelável para representar o funcionamento de nossa reestruturação cognitiva.
A terapia cognitivo-comportamental trabalha com a dinâmica de que pensamentos geram emoções que influenciam os comportamentos. Neste ciclo, temos as consequências que irão reforçar os pensamentos. Os pensamentos disfuncionais fazem com que todo o ciclo também seja disfuncional.


Para representar como pensamentos, sentimentos e comportamentos influenciam um ao outro, utilizei no atendimento clínico tais materiais, que são improváveis de utilização juntos, pois esse tipo de lápis requer o uso de água, o que não é o mais indicado para o papel vegetal.
Os pacientes já possuíam tempo de experiência com o trabalho de mandalas, descrito no texto anterior. Pedi que desenhassem sua própria mandala e que posteriormente fosse colorida com o lápis de cor aquarelável, trabalhando a ação e as escolhas pessoais.
Neste primeiro momento, conversamos sobre a sensação que tiveram ao colorir no papel vegetal, em comparação aos outros papéis. Como resultado, as pacientes MC (13 anos) e J (32 anos) acharam bem mais fácil este material e as outras duas P (27) e V (53 anos) descreveram que foi preciso muito esforço para concluir a tarefa, sentindo-se desconfortáveis. 
Mandala 1, paciente V.

Esta etapa mostra como cada pessoa tem a sua percepção e que ideias diferentes fazem parte do processo, não sendo nenhuma das opções certa ou errada. Comentei sobre as sensações entre as participantes, que se surpreenderam com a opinião contrária das outras.
MC. realizou a atividade com tranquilidade, sem sentir desconforto em nenhum momento. Com ela, está sendo trabalhada a ampliação de possibilidades de socialização, com foco em desenvolver habilidade social. A paciente J. sentiu-se confortável para colorir, porém esta apresenta o sabotador controlador, deixando-a desconfortável com o “movimento” realizado no papel, conforme a quantidade de água que vai sendo colocada. A paciente P. conforme ia colorindo, apresentou cansaço e respiração ofegante, realizamos a atividade em dois dias. Colocou bastante água no centro do papel, que em pouco tempo, enrolou suas laterais. Na etapa da água, sentiu-se mais confortável. E com V. foi necessário realizar a atividade duas vezes, pois na primeira mandala a mesma sentiu “medo” em pintar com a água e não quis arriscar o resultado, ficando quase imperceptível o uso da água. Depois que conversamos sobre o processo, na sessão anterior, foi realizada novamente a atividade, porém ainda preocupada com as cores borrarem e o trabalho ficar “feio”. Por isso foi apresentada acima, como um exemplo da atividade antes da utilização da água.
Ao utilizar a água, elemento que trabalha a emoção, o papel vegetal foi ganhando um novo formato, enrolando e se tornando mais granulado, perdendo sua forma lisa. E não somente as partes em que foi utilizada a água, mas toda a extensão do papel sofreu alteração em sua forma. 
Paciente V.

Paciente J.

Paciente P.

Paciente MC.

Aqui, foi possível perceber, que trabalhando com um dos elementos, os outros serão também reestruturados. Por exemplo, é possível flexibilizar o pensamento tornando mais funcional, que as emoções e os comportamentos também sofrerão mudanças. Assim, através da mudança da textura da mandala é possível trabalhar o autoconhecimento e ampliar a visão sobre si mesmo, melhorando a autoestima.
Além disto, é importante lembrar que, não vivemos isolados do mundo e que somos influenciados pelo mundo externo, assim como influenciamos ele. Umas das dúvidas apresentadas no consultório é se é possível modificar o outro, através de uma reestruturação cognitiva pessoal. Em uma relação estímulo e resposta, ao ser apresentada uma nova resposta, automaticamente o estímulo “solicita” uma alteração no comportamento. Isto é, através de uma mudança pessoal é possível influenciar algumas características do outro, ressaltando que, em essência, o outro só se reestrutura cognitivamente se assim o quiser.
Sendo assim, nesta técnica é possível perceber este diálogo interno com o externo através da mudança de toda a textura do papel vegetal e, não somente, no mandala, onde é utilizada a água.
Referências Bibliográficas:
Thase,Michael E.; Basco,Monica Ramirez; Wright,Jesse H. Aprendendo Terapia Cognitivo-comportamental - Um Guia Ilustrado – Artmed – 2008.

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Sobre a autora: Juliana Mello 


Juliana Mello
Psicóloga, Arteterapeuta e Coach
Atendimento clínico  individual e grupo om criança, adolescente, adulto e idoso.
Abordagem em Terapia Cognitivo- Comportamental e Arteterapia
Palestras e Workshop motivacionais.


segunda-feira, 6 de maio de 2019

ENTRE ARTES E MATERNIDADES: UM CONVITE A RECOMEÇAR


Por Suzane Guedes - RJ
olharparasi@gmail.com   
         A mulher e suas formas de maternar e vivenciar a maternidade são retratadas em forma de arte por diversos artistas em épocas das mais variadas e em estilos dos mais diversos. Neste texto vamos nos ater às artes plásticas, mais precisamente à artistas que trabalharam com pintura e desenho.
A impressionista Mary Cassatt retrata com grande sensibilidade a maternagem de mulheres francesas no século XIX. Seu caminho como pintora não foi fácil, resistiu à cultura do paternalismo e machismo de sua época e contrariamente ao desejo de seu pai, saiu dos Estados Unidos para estudar artes na França. Seu feminismo discreto, mas pulsante a fez fazer escolhas priorizando sua vida profissional à frente da vida pessoal.
À época que Cassatt viveu as mulheres ainda eram restritas a escolher formas mais limitadas de viver, ou pelo menos, mais socialmente aceitas a papéis femininos. Podemos observar que a artista foi uma mulher a frente de seu tempo e se pôs também a frente de suas escolhas, bancando seu desejo de continuar com maestria a tarefa de profissionalizar sua arte. Sua maternagem não vivida no real da vida, foi retratada em seus quadros como podemos ver nas obras Menina pequena na poltrona azul – 1878; O passeio de barco – 1893; Mãe e criança de encontro a um fundo verde – 1897; Mãe e criança - 1888; Mãe e criança (O espelho oval) – 1901, entre outros.



Atualmente a mulher alcançou um espaço que vai de encontro com suas necessidades reais e não mais impostas pelo social. Cada uma escolhe fazer de sua vida sua própria obra-de-arte e a maternidade apresenta-se das mais variadas formas, possibilidades e intensidades. 

Frida Kahlo foi outra grande artista que viveu sua maternidade através de suas obras. A pintora mexicana passou por alguns abortos decorrentes da fragilidade de seu útero após um acidente que na juventude atingiu gravemente sua região pélvica. A artista quando denominada como surrealista declarou: "Pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade."


           Uma das marcas da obra de Kahlo são os autorretratos. Em sua única litografia intitulada de Frida y el aborto (1932) a artista revela e desnuda (literalmente)  um dos temas tabus da maternidade que é o aborto. Seu desenho é feito de pé, seu corpo nu com um colar no pescoço e lágrimas nas bochechas. Em seu ventre um feto, e fora dele, mas unido por um cordão umbilical, uma segunda criança maior. De seu sexo, ao longo de uma perna, seu sangue flui e se infiltra na terra, alimenta-a e dá origem a plantas na forma de olhos, mãos e genitais de uma criança. No céu, uma lua crescente também chora, enquanto olha para Frida, que em sua mão esquerda segura uma paleta de coração, como se a pintura fosse um refúgio de sua maternidade perdida. "Muitas coisas me impediram de realizar o desejo que todos consideram normal", disse ela, "e nada parecia mais normal para mim do que pintar o que eu não havia conseguido". Em outra ocasião, ela explicou da seguinte maneira: "Minha pintura tem a mensagem de dor interior... A pintura completou minha vida, perdi três filhos... Tudo isso foi substituído pela pintura".



             Do desejo de ser mãe e gerar, à dor irrefutável de uma, duas, três perdas. O que se 
perde é imensurável, o espaço preenchido por sonhos dá lugar ao vazio do luto das perdas.
E é preciso recomeçar, como tantas mulheres recomeçam e precisam se reconectar
novamente à vida, não sem marcas, não sem dor, mas através da necessidade da 
sobrevivência. Frida achou seu caminho através da arte. Fez da sua obra sua maior fonte
de gestação.

Muitos são os artistas que se interessaram pela temática da mulher, em especial a maternidade. Ainda é majoritariamente produzido por mãos masculinas, a partir do que é observado e entendido por admiração, espanto ou medo. Interessante é observar que o arquétipo materno sempre se faz presente, seja em artistas homens com a observação do mundo ou pensando a própria maternagem de suas mães ou companheiras, seja nas mulheres que tiveram filhos, as que não puderam ter e as que optaram por não ser mãe.

Em algum momento da vida, a mulher, principalmente, é confrontada ao arquétipo materno, ao qual Jung caracteriza como: “a mágica da autoridade do feminino; a sabedoria e a elevação espiritual além da razão; o bondoso, o que cuida, o que sustenta, o que proporciona as condições de crescimento, fertilidade e alimento; o lugar da transformação mágica, do renascimento; o instinto e o impulso favoráveis; o secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo dos mortos, o devorador, sedutor e venenoso, o apavorante e fatal”. Conferindo e pontuando o caráter bivalente da maternidade.



Nas minhas andanças, pensando e vivendo o arquétipo da maternidade, me deparei com uma imagem em minha última sessão de arteterapia. Ali estava uma mulher representando a imagem da Virgem Maria com seu filho nos braços. No quadro os objetos parecem “recortados” ou “fragmentados”, era a pintura A Madona de Port Lligat de Salvador Dalí feita em 1950 quando, ao que fui pesquisar, o pintor surrealista relata que a pintura moderna estava antiquada, só havendo uma maneira de ela continuar existindo: à volta ao uso da técnica usada pelos grandes mestres do Renascimento. O artista foi muito criticado por esta obra em que sua esposa Gala lhe serviu de modelo e onde o artista funde religião, ciência e arte.



Nas artes e na vida real, a questão da maternidade está presente no inconsciente pessoal e coletivo de forma viva, pulsante e presente, faz parte do processo de individuação os questionamentos relacionados à nossa própria mãe, aos nossos ancestrais e descendentes. Não se passa por esta vida sem pensar a maternidade, ou até mesmo sem maternar mesmo quem não se seja mãe. Os papéis que desempenhamos nos convidam a colocar-nos à disposição do outro ao caminho e no caminho do outro, nas relações mais profundas e nas mais superficiais, a interação humana começa pela maternagem e todas as outras são continuidades desta intransferível vivência primeira.

            Com afeto, Suzane Guedes.
Referências Bibliográficas:

FRIDA. Direção: Julie Taymor. Canadá, Estados Unidos da América e México, 2002. 1 filme (123min). Título original: Frida.

FRIDA Kahlo: conexão entre mulheres surrealistas no México. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2016. Exposição: 26 de janeiro a 27 de março de 2016. Curadoria de Teresa Arcq.

JUNG, Carl. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 1976. Tradução Maria Luiza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Sil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
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Sobre a autora: Suzane Guedes

Suzane Guedes é Psicóloga (CES-JF), Especialista em Psicologia e Desenvolvimento Humano (UFJF) e Arteterapeuta (POMAR).
Colunista no blog O psicólogo Online, no qual escreve sobre Autoestima.
Atua nas cidades do Rio de Janeiro e Três Rios-RJ com atendimento clínico presencial a crianças, jovens, adultos e idosos; ministra grupos e oficinas terapêuticas. Também trabalha como orientação psicológica online.
Suzane acredita na psicoterapia e arteterapia como grande ferramenta de auxílio à transformação e desenvolvimento pessoal e social.