Por Suzane Guedes - RJ
olharparasi@gmail.com
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A mulher e suas formas de maternar e vivenciar a
maternidade são retratadas em forma de arte por diversos artistas em épocas das
mais variadas e em estilos dos mais diversos. Neste texto vamos nos ater às
artes plásticas, mais precisamente à artistas que trabalharam com pintura e
desenho.
A
impressionista Mary Cassatt retrata
com grande sensibilidade a maternagem de mulheres francesas no século XIX. Seu
caminho como pintora não foi fácil, resistiu à cultura do paternalismo e
machismo de sua época e contrariamente ao desejo de seu pai, saiu dos Estados
Unidos para estudar artes na França. Seu feminismo discreto, mas pulsante a fez
fazer escolhas priorizando sua vida profissional à frente da vida pessoal.
À época que Cassatt viveu as mulheres ainda eram
restritas a escolher formas mais limitadas de viver, ou pelo menos, mais
socialmente aceitas a papéis femininos. Podemos observar que a artista foi uma
mulher a frente de seu tempo e se pôs também a frente de suas escolhas,
bancando seu desejo de continuar com maestria a tarefa de profissionalizar sua
arte. Sua maternagem não vivida no real da vida, foi retratada em seus quadros
como podemos ver nas obras Menina pequena
na poltrona azul – 1878; O passeio de
barco – 1893; Mãe e criança
de encontro a um fundo verde – 1897; Mãe e criança - 1888; Mãe e criança (O espelho oval) – 1901, entre
outros.
Atualmente a mulher
alcançou um espaço que vai de encontro com suas necessidades reais e não mais
impostas pelo social. Cada uma escolhe fazer de sua vida sua própria
obra-de-arte e a maternidade apresenta-se das mais variadas formas,
possibilidades e intensidades.
Frida Kahlo foi outra grande artista que viveu
sua maternidade através de suas obras. A pintora mexicana passou por alguns
abortos decorrentes da fragilidade de seu útero após um acidente que na juventude
atingiu gravemente sua região pélvica. A artista quando denominada como
surrealista declarou: "Pensavam que eu era uma surrealista, mas eu não
era. Nunca pintei sonhos. Pintava a minha própria realidade."
Uma das marcas da obra de Kahlo são
os autorretratos. Em sua única litografia intitulada de Frida y el aborto
(1932) a artista revela e desnuda (literalmente) um dos temas tabus da
maternidade que é o aborto. Seu desenho é feito de pé, seu corpo nu com um
colar no pescoço e lágrimas nas bochechas. Em seu ventre um feto, e fora dele, mas
unido por um cordão umbilical, uma segunda criança maior. De
seu sexo, ao longo de uma perna, seu sangue flui e se infiltra na terra,
alimenta-a e dá origem a plantas na forma de olhos, mãos e genitais de uma
criança. No céu, uma lua crescente também chora, enquanto olha para Frida, que em sua mão
esquerda segura uma paleta de coração, como se a pintura fosse um refúgio de
sua maternidade perdida. "Muitas coisas me impediram de realizar o
desejo que todos consideram normal", disse ela, "e nada
parecia mais normal para mim do que pintar o que eu não havia conseguido".
Em outra ocasião, ela explicou da seguinte maneira: "Minha pintura tem
a mensagem de dor interior... A pintura completou minha vida, perdi três
filhos... Tudo isso foi substituído pela pintura".
Do desejo de ser mãe e gerar, à dor irrefutável de uma, duas, três perdas. O que se
perde é imensurável, o espaço preenchido por sonhos dá lugar ao vazio do luto das perdas.
E é preciso recomeçar, como tantas mulheres recomeçam e precisam se reconectar
novamente à vida, não sem marcas, não sem dor, mas através da necessidade da
sobrevivência. Frida achou seu caminho através da arte. Fez da sua obra sua maior fonte
de gestação.
Muitos são os
artistas que se interessaram pela temática da mulher, em especial a
maternidade. Ainda é majoritariamente produzido por mãos masculinas, a partir
do que é observado e entendido por admiração, espanto ou medo. Interessante é
observar que o arquétipo materno sempre se faz presente, seja em artistas
homens com a observação do mundo ou pensando a própria maternagem de suas mães
ou companheiras, seja nas mulheres que tiveram filhos, as que não puderam ter e
as que optaram por não ser mãe.
Em algum momento da
vida, a mulher, principalmente, é confrontada ao arquétipo materno, ao qual Jung caracteriza como: “a mágica da autoridade do feminino; a sabedoria e
a elevação espiritual além da razão; o bondoso, o que cuida, o que sustenta, o
que proporciona as condições de crescimento, fertilidade e alimento; o lugar da
transformação mágica, do renascimento; o instinto e o impulso favoráveis; o
secreto, o oculto, o obscuro, o abissal, o mundo dos mortos, o devorador,
sedutor e venenoso, o apavorante e fatal”. Conferindo e pontuando o
caráter bivalente da maternidade.
Nas minhas andanças, pensando e vivendo o arquétipo da maternidade, me
deparei com uma imagem em minha última sessão de arteterapia. Ali estava uma mulher
representando a imagem da Virgem Maria com seu filho nos braços. No quadro os
objetos parecem “recortados” ou “fragmentados”, era a pintura A Madona de Port Lligat de Salvador Dalí feita em 1950 quando, ao que fui pesquisar, o pintor
surrealista relata que a pintura moderna estava antiquada, só havendo uma
maneira de ela continuar existindo: à volta ao uso da técnica usada pelos
grandes mestres do Renascimento. O artista foi muito criticado por esta obra em
que sua esposa Gala lhe serviu de modelo e onde o artista funde religião,
ciência e arte.
Nas artes e na vida real, a questão da maternidade está presente no
inconsciente pessoal e coletivo de forma viva, pulsante e presente, faz parte
do processo de individuação os questionamentos relacionados à nossa própria
mãe, aos nossos ancestrais e descendentes. Não se passa por esta vida sem
pensar a maternidade, ou até mesmo sem maternar mesmo quem não se seja mãe. Os
papéis que desempenhamos nos convidam a colocar-nos à disposição do outro ao
caminho e no caminho do outro, nas relações mais profundas e nas mais
superficiais, a interação humana começa pela maternagem e todas as outras são
continuidades desta intransferível vivência primeira.
Com afeto, Suzane Guedes.
Referências Bibliográficas:
FRIDA. Direção: Julie
Taymor. Canadá, Estados Unidos da América e
México, 2002. 1 filme (123min). Título original: Frida.
FRIDA Kahlo: conexão
entre mulheres surrealistas no México. Rio de Janeiro: Caixa Cultural, 2016.
Exposição: 26 de janeiro a
27 de março de 2016. Curadoria de Teresa Arcq.
JUNG, Carl. Os
arquétipos e o inconsciente coletivo. 1976. Tradução Maria Luiza Appy, Dora
Mariana R. Ferreira da Sil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2016.
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Sobre a autora: Suzane Guedes
Suzane
Guedes é Psicóloga (CES-JF), Especialista em Psicologia e Desenvolvimento
Humano (UFJF) e Arteterapeuta (POMAR).
Colunista
no blog O psicólogo Online, no qual escreve sobre Autoestima.
Atua
nas cidades do Rio de Janeiro e Três Rios-RJ com atendimento clínico presencial
a crianças, jovens, adultos e idosos; ministra grupos e oficinas terapêuticas.
Também trabalha como orientação psicológica online.
Suzane
acredita na psicoterapia e arteterapia como grande ferramenta de auxílio à
transformação e desenvolvimento pessoal e social.
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Lindo texto!
ResponderExcluirObrigada Claudia!
ExcluirQue lindo e comovente texto! Somos mesmo mães de tudo que criamos, seja através do parir biológico ou de qualquer outra maneira de dar à luz a uma criação... Que possamos todas nos sentirmos mães de tudo aquilo que fazemos brotar! Um beijo no seu coração! Márcia Medeiros.
ResponderExcluirObrigada minha querida, exatamente! Bj grande
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