Por Paula Ribas
Carlino - SP
@paularibascomunica
www.nametadedolivro.blogspot.com
“A
natureza é um continuum e,
muito
provavelmente, a nossa psique também o é”
Carl Jung - vol.
18
“Gato
simplesmente angorá do mato
azul
olhos nariz cinza
gato
marrom
orelha
castanho macho
agora
rapidez
Emoção
de Lidar”
Luiz Carlos - cliente da Dra. Nise da Silveira, cuja última frase de seu poema frase dá nome ao livro “Emoção de Lidar”, escrito pela Dra. Nise, na qual aborda sobre os animais de estimação como coterapeutas e a relação dos animais domésticos com os seres humanos.
Introdução
A dor da perda de quem se
ama nem sempre pode ser expressa por palavras, especialmente quando a perda é
um bichinho de estimação (pet), na qual a relação não era efetivamente
pela palavra, e sim, por múltiplos modos de comunicação, troca, cuidado,
carinho e afeto.
Aqui refiro-me aos pets
qualquer que seja o animal de convívio doméstico e diário, pode ser um
cachorro, um gato, uma ave, um porquinho da índia, uma iguana, um coelho, um hamster,
enfim, qualquer animalzinho da qual haja cuidados e amor.
Este artigo pretende compartilhar a elaboração sobre a dor a partir da experiência de vínculos de afetos significativos com pet, da qual extrapola relações consanguíneas como o único modelo para sentir dor e passar por um processo de luto. A experiência do luto vai além do que se é possível compreender, pois não há um modelo único de como passar pela experiência da morte, seja física ou simbólica. Esse artigo, dividido em duas partes, pretende compartilhar a elaboração e a ritualização física e simbólica dos primeiros 30 dias do processo de luto de pet, por meio da Arteterapia.
O Tabu do Luto Pet
Se a morte e o luto ainda
são considerados temas tabus, difíceis de lidar de modo coletivo e individual,
o luto de pet é ainda mais estigmatizado na atual sociedade brasileira.
Há pouca compreensão sobre a dor da morte de um bichinho de estimação, pois
algumas pessoas passam por essa experiência de modo mais leve e outras pessoas
vivem essa experiência de modo agudo e às vezes de modo crônico.
Quase sempre há comparação
da dor da morte de um pet com a dor da morte de uma pessoa. São
experiências distintas e não comparáveis, do ponto de vista das emoções, pois
essa relação e, consequentemente, essa dor da perda, está ligado ao vínculo de
afeto e cuidados estabelecidos entre tutores e pets. A dor não está
associada às ligações consanguíneas, e sim de afeto, presença, cuidados e
troca. Haja vista que o processo de luto é algo pessoal, subjetivo, com
reverberações e impactos distintos, em tempos diferenciados para cada
pessoa. Assim, como o amor, cada qual
sente e expressa à sua maneira.
No entanto, processos de
luto estão além da morte meramente física, reverberam de modo único e, até
mesmo, inesperado, em cada pessoa. Vide a experiência na clínica psiquiátrica
da Dra. Nise da Silveira, na cidade do Rio de Janeiro, na qual ela utilizava cães
e gatos, como coterapeutas, para auxiliar os internados na reconstrução em experienciar relações de amor e de
amizade. Esse vínculo deu novo sentido de vida para muitos internos,
especialmente, expresso pela arte.
Na área da psicologia é
possível mapear os lutos materiais e os simbólicos, como processo de
desligamento ou finitude de uma relação (de qualquer ordem). A psicóloga Dra.
Gabriela Casellato, especialista em processos de luto e autora de livros no
tema, aborda sobre os “lutos não reconhecidos" e define como: “lutos vividos de maneira silenciosa, nem sempre compreendidos". Na introdução do livro ela já faz o recorte sobre o lugar
que essa dor tem:
Este livro é um convite a refletir sobre a
nossa impermanência, as mudanças da vida e os lutos necessários aos
ajustamentos das transições normativas ou não, concretas ou simbólicas,
experimentadas ao longo de nossa existência. Em especial, aborda como as perdas
silenciosas e não validadas são enfrentadas por tantas pessoas
diariamente. (CASELLATO, 2015)
Há muitas dores e vivências
de modo solitário e, frequentemente não validado e a dor do luto de pet ainda
está neste lugar. É um desafio lidar
com a ausência e viver essa dor de modo silencioso.
Como encarar a não compreensão e a legitimação do luto pet com a
delicadeza e a subjetividade com a qual se apresenta para cada pessoa?
A dor de perder um animal não é um tipo
diferente de dor - dor é dor! Por isso, quer perca uma pessoa, uma casa,
uma segurança financeira, um emprego, uma relação ou o seu querido animal, está
a lidar com as mesmas emoções e tem de processar a perda para poder seguir em
frente de forma saudável. (MILLIE,
2022)
O trecho acima é do livro “O luto por um
animal de estimação”, que aborda diretamente este tema. É sabido que na vida não
é possível viver sem dor, sem a perda. Pois renunciar a isso significa também
renunciar ao amor. Não amar, escolher não se vincular a um pet parece mais vazio que viver a
dor do luto da morte dele. Viver sem amar, definitivamente, não vale a
pena. Mas, vale o diálogo e a produção de trocar ideias para minimizar os
sofrimentos desta experiência desafiadora.
A Dra. Gabriela Casellato
toca num ponto que intitula como “lutos não reconhecidos” e nos provoca ao
afirmar sobre a “crise empática", ela diz:
O problema social não é nem nunca será a
morte e o luto, pois estes não apenas organizam e dão contorno à existência
como também favorecem o sentido da vida. O desafio é a crise empática que nos
aprisiona num universo de identidades verticais num mundo que se transforma
constante e rapidamente. Não apenas somos. Estamos. E, diante do inexorável
processo de ajustamento à vida, transformamos e somos transformados. (CASELLATO, 2015)
O desafio da crise empática
é reconhecer essa dor, essa perda por um animal de estimação como legítima, sem
comparações e sem justificativas de validação. Junto com isso existe o trabalho
pessoal de transformar essa dor. O que está por trás da dor do luto de pet?
Quais sentimentos, carências, fissuras podem ser encontradas? O que essa dor
faz emergir, o que permite vir à tona? Subjacentes aos
enfrentamentos se faz necessário cuidar do que essa dor foi capaz de fazer
emergir, que até então não estava revelado para a pessoa. Essas questões
oportunizam processos de autoconhecimento muito profundos.
Nos dias de hoje, existem
alguns manejos e abordagens que apoiam a dor do luto de pet sem
julgamentos, comparações ou até mesmo preconceitos. E, certamente, a
Arteterapia tem sido uma aliada nesse cuidado psíquico e emocional, posto que
uma das práticas usadas em ateliê terapêutico é o manejo dos 4 elementos da
natureza, (entre outras abordagens) que ajuda a olhar a natureza como algo inerente à vida
humana. Essa sensibilização quanto a natureza se estende à relação com os
animais de estimação e a natureza como um todo.
A Arteterapia tem condições de dar o suporte necessário para essa questão tão humana, posto que os animais de estimação estão em muitos lares, contribuindo com o conforto emocional de muitos adultos, crianças e idosos. A Arteterapia colabora atuando de modo profundo, leve e criativo dando espaço às expressões e as emoções que precisam fluir e reacomodar-se de modo mais saudável para integrá-las.
Ritualizar para a elaborar a dor da perda, a dor do luto
A Arteterapia no acolhimento
tende a facilitar a abertura de um espaço de expressão e visualização da dor e
do sofrimento. A Arteterapia oportuniza materializar, ver fora, o que incomoda
dentro. Isso ajuda na compreensão e elaboração de qualquer desconforto, bem
como, na dor. E, no luto, não seria diferente, pelos materiais manipulados de
modo intuitivo, por quem executa, o sentido aparece por meio dos símbolos,
formas e cores. A produção com arte
oferece um modo de atuar diretamente naquilo que não pode ser tocado, mas pela
arte esse processo é possível:
Em Arteterapia, os “sinais” são
registrados através da produção simbólica, pela cor, formas, movimento,
ocupação no suporte e padrões expressivos gerais. Ao apreender gradualmente o
significado destas configurações, é possível permitir, que pouco a pouco,
conflitos sejam elaborados e conteúdos até então desconhecidos possam acessar a
consciência. (PHILIPPINI, 2008)
Nessa caminhada existe uma
jornada a ser feita que consiste em
reaprender a ter uma rotina sem o pet,
conviver com ausência e, assim, acomodar a dor e construir (ou encontrar) um
novo sentido à própria vida. Ritualizar
para continuar e, novamente, encontrar o fio da meada que dá sentido à
vida sem esse importante vínculo de amor:
“A maior sombra humana é pensar sobre a morte, isso
desde sempre. Por muito tempo, achavam que o único bicho que sabia que iria
morrer era o humano. E por um bom tempo se pensou que era o único que
ritualizava a morte. Considerado um marco fundador para diferenciar os bichos
dos humanos pensantes. E hoje se sabe
que os animais também ritualizam seus mortos, por exemplo, os elefantes, ou
seja, eles entendem o que aconteceu e sentem o pesar e se despedem do jeito
deles.” Jaime Vaz Brasil, poeta e
psiquiatra *
Ritualizar é celebrar a vida daquele ser que esteve
conosco. É considerar e honrar a sua existência, é amor em forma de gratidão.
Minha
Experiência com a Tulasi, a gatinha coterapeuta
Neste momento início o compartilhamento
com vocês sobre os caminhos que encontrei para lidar com a morte da Tulasi, a
gatinha que ficou comigo por 7 anos (de 2016 a 2023). Eu já tive
outros pets, desde a infância, mas uma gatinha
foi a primeira vez e da maneira como aconteceu meu encontro com a Tulasi
foi muito especial. Nenhum outro me marcou tanto como ela marcou minha vida.
A Tulasi chegou dentro de um relacionamento afetivo,
que durou 14 anos. Ela foi fruto de uma história pessoal, da qual encontrei
espaço para realizar um desejo da minha adolescência. Quando eu tinha uns 14, 15 anos achei um filhote de gatinho
na rua, muito pequenininho, sozinho, pelinho preto com cinza. Fiquei muito
apaixonada por ele e o levei para casa. Meus pais trabalhavam fora o dia todo, então
fiquei sozinha com o gatinho o dia inteiro. Brinquei com ele, dei leite, foi
uma diversão o dia todo. Quando minha mãe viu não me deixou ficar com ele.
Devolvi onde tinha encontrado, mas fiquei com esse desejo de viver com o
gatinho. Isso ficou marcado em mim.
Depois de 25 anos esse momento voltou e eu
pude realizar em viver essa relação e esse amor. Uma amiga conhecia uma pessoa
cuja gatinha estava prenha. Pedi se eu poderia ficar com um filhote. E, assim,
a Tulasi entrou na minha vida.
Acompanhei a gestação da Afrodite, mãe da Tulasi, fazia
visitas, levava mantimento e ficava já por perto. Assim, fui
construindo sua chegada e montei o enxoval.
Meu critério de escolha era pela aparência, eu tinha uma idealização de como seria a minha
gatinha. Essa foi a primeira lição que a Tulasi me
proporcionou. Eu queria amar e cuidar e a Tulasi também queria. Foi
quando a tutora da Afrodite me mostrou um filhotinho
e era a Tulasi. Sempre que eu a visitá-la
estava dormindo. Eu a pegava e já falava com ela, pois cabia na palma da minha
mão, eu dizia que a amava. E assim foram por 3 meses. Quando ela desmamou eu a levei
para casa. E,
assim, começou a minha grande oportunidade de amar e
me deixar ser amada. Aqui começa a realização do meu desejo da adolescência,
finalmente, tinha chegado o Amor Incondicional
na minha vida, em forma de Tulasi com todos os significados.
* PodCast
Bibliografia
BARROS, Manoel de. Livro sobre nada. Ed. Saraiva. 1996.
CASELLATO,
Gabriela. Os lutos de uma pandemia. In: ______. (org.). Luto por perdas não
legitimadas na atualidade. São Paulo. Ed. Record, 2015, pág. 10.
MILLIE, Jacobs. Livro eBook. Portugal. Ed:
ASA, 2022, pág. 9
PHILIPPINI,
Ângela. Para Entender ArteTerapia: Cartografias da Coragem. 4. ed. - Rio de.
Janeiro: Wak, 2008, pa. 17
SILVEIRA, Nise. Gato, emoção de lidar. Rio de Janeiro. Leo
Christiano Editorial. 1998, pag. 30
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Sobre a autora: Paula Ribas Carlino
Formação: Arteterapeuta e Jornalista
Área de Atuação: Arteterapeuta especializada em
comunicação e expressão, seja na produção de texto, conteúdo em rede social,
vídeo, criação de site ou livro autoral/biográfico/autobiográfico. Atua também
em trabalho direcionado para mulheres, especializada no estudo do livro:
“Mulheres que correm com lobos”, da autora Clarissa Pinkola Estes, entre outros
estudos do feminino. Tem a literatura, os livros, as histórias, os contos de
fadas e a mitologia como aliados no processo de autoconhecimento e expansão de
consciência.
Ola, Paula! Que tema interessante e inusitado, porém completamente necessário. QUe bom poder ler sobre isso pelo viés da Arteterapia. Certamente o luto é um desafio e experiências pessoais de como lidar com os diversos tipos de lutos é algo que precisamos discutir mais vezes. Tenho algumas experiências de lutos e de como a Arteterapia foi fundamental no processo de ressignificar cada um deles. Estou gostando bastante da temática e desde e já, desejo conforto ao seu coração pela perda da linda Tulasi. Parabéns e obrigada por abordar algo tão importante. Aguardo pelo próximo capítulo e que sejam muitos porque o tema é imprescindível. Tania Moreira - Caminhartes.arteterapia.
ResponderExcluirParabéns pela abordagem e sensibilidade.
ResponderExcluirQue forma linda de lidar essa perda! Muito inspirador querida!
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