Por Isabel Pires - RJ
bel.antigin@gmail.com
Em meus textos anteriores mais
recentes aqui no blog, venho falando sobre o uso do origami nas práticas da
Arteterapia. Entre as várias características desta técnica, expus a questão da
praticidade e acessibilidade do papel, o trabalho com a atenção plena, a
coordenação motora, a disciplina, os limites, entre vários outros aspectos.
Como fundamento da utilização da arte de dobrar, abordei a amplificação
simbólica e a metáfora. E mencionei a importância do processo criativo no setting
arteterapêutico e a coleta de dados, temas do meu texto de hoje.
Em qualquer processo terapêutico, a
observação atenta do cliente/paciente por parte do terapeuta é fundamental.
Desde o primeiro encontro, tudo o que se nota sobre o cliente/paciente, desde a
sua vestimenta até a forma como nos cumprimenta, por exemplo, serão dados
relevantes que nos contarão sobre ele e farão parte da coleta de dados. Em
Arteterapia, essa observação se ampliará e irá contar com o processo de criação
da imagem. No processo de criar, o cliente/paciente espelha a sua psique naquilo
que produz. Além disso, sua expressão corporal, à qual também devemos atentar, demonstra
igualmente sua forma de atuar na vida. Aqui, cabe reforçar o quanto o papel do
arteterapeuta neste momento é fundamental, pois a observação acurada do
cliente/paciente contará sobretudo com a experiência, a sensibilidade e a
capacidade do profissional de Arteterapia. Neste sentido, o arteterapeuta não
apenas conduz o processo criativo, mas sobretudo o acompanha,
buscando compreender, a todo instante, a forma como seu cliente/paciente se
expressa. Assim, segundo Pires (2020): “Por intermédio da sua escuta sensível e
de seu olhar atento, o arteterapeuta capacitado convida o indivíduo a explorar
suas criações artísticas para a conscientização de conteúdos até então
desconhecidos, que podem, assim, ser elaborados, integrados e trabalhados com
autonomia pelo próprio paciente”.
Para exemplificar, cito o caso de um
atendimento individual, no qual convidei uma paciente a criar uma gaveta de
origami. Escolhi um modelo com puxador (ver imagem abaixo). Há tempos eu sentia
que essa paciente guardava algo de mim, até que, finalmente, a metáfora da
gaveta apareceu em sua fala e pude propor a criação da dobradura da gaveta com
puxador. Então, não foi de grande surpresa para mim, quando, mesmo com o modelo
proposto, ela simplesmente resolveu não fazer o puxador (dobrou-o para dentro).
E isso abriu espaço para que eu pudesse pontuar para ela o quanto eu a sentia
resistente na terapia. Pouco tempo depois, ela acabou contando algo relevante
de sua história de vida, que estava “guardado” no fundo de sua gaveta psíquica.
Segundo Moraes (data), o agir
criativo representa uma forma de o paciente vivenciar-se no fazer. E é
nesse vivenciar que ele poderá se reinventar, descobrir-se de novas formas,
desenvolver sua capacidade criativa e sua autoestima. Na maneira como se
expressa na imagem, podemos percebê-lo nas linhas, formas, cores, ritmo e
linguagem corporal. Cabe ao arteterapeuta saber observar a imagem produzida de variadas
maneiras, em diversos ângulos, sob diferentes níveis, para compreensão do
momento do cliente/paciente. A intuição do arteterapeuta, sua experiência
clínica, a avaliação objetiva e subjetiva das formas presentes na imagem e o
próprio sentido que o cliente/paciente dá às suas produções artísticas nos
fornecerão dados indispensáveis sobre o funcionamento do mundo interior do
indivíduo e de suas dinâmicas inconscientes. Esse momento de coleta de dados
através da imagem e, também, do processo criativo de produção dessa imagem
representa uma especificidade da Arteterapia, que dá ao arteterapeuta uma
ferramenta a mais na compreensão da psique de seu cliente/paciente.
No uso do origami, durante o
processo criativo, podemos observar muitas características dos nossos
clientes/pacientes. Por exemplo, no caso da paciente citada acima (a das
gavetas sem puxador), enquanto fazia a dobradura, notei que parecia irritada e
impaciente. Mesmo assim, ela fez tudo até o fim sem reclamar, uma
característica própria sua. Quando acabou de fazer o origami, pude sinalizar
para ela essa minha observação, o que lhe permitiu falar sobre sua irritação, o
que normalmente não consegue fazer no seu dia a dia. Eu havia escolhido o
origami exatamente por saber que uma pessoa ansiosa como ela provavelmente se
irritaria com as etapas lentas do processo de produção da dobradura.
Resumindo o que foi dito até aqui: a
coleta de dados é feita durante o processo criativo, o qual se
constitui em ferramenta útil e fundamental para o arteterapeuta, para ampliar o
entendimento da dinâmica psíquica do cliente/paciente. Assim, muitas vezes mais
importante até do que a imagem criada, o processo de criação revela a forma
como o cliente/paciente interage com o ambiente e projeta conteúdos
inconscientes na sua expressão artística. E todo esse processo será acompanhado
pelo arteterapeuta, o que demonstra o papel fundamental desse profissional no setting
arteterapêutico. Daí decorre a necessidade de capacitação do arteterapeuta,
para que possa entender as mensagens implícitas na conduta e na criação
artística do indivíduo que busca a sua ajuda.
Com a clara compreensão do valor do
processo criativo e da coleta de dados, podemos agora refletir sobre esses
temas no uso do origami em Arteterapia. Conforme exemplifiquei acima, pode-se
observar, na maneira como o indivíduo reage à arte da dobradura de papel, se
ele é ansioso ou não, como reage aos limites (linhas/dobraduras) e ao desafio
de algo aparentemente complexo e desconhecido (na verdade, a dobradura de papel
não é totalmente desconhecida, pois faz parte da infância, com modelos mais
simples como o barquinho de papel e o chapéu de soldado). É possível notar, ao
longo do processo, como está sua capacidade de controle dos movimentos e de
concentração, seu nível de paciência/impaciência com as etapas da dobradura e
sua reação face aos passos mais difíceis ou complexos. Com que firmeza marca os vincos? (qual a sua
firmeza na vida, como deixa a sua marca naquilo que faz?) É caprichoso ou
desleixado? Desiste na primeira dificuldade ou insiste e vai até o fim? Como
reage à sua conquista? Consegue entrar em contato com a sua criança interior e
sua ludicidade? É algo que lhe ativa prazer ou desprazer? Como está a sua noção
de equilíbrio e organização espacial?
Um último exemplo que darei hoje
sobre a coleta de dados com o origami refere-se a um caso pessoal. Na primeira
vez que fiz a dobradura da casa 3D, a parede à minha direita ficou meio torta,
caída. Imediatamente, isso me remeteu à minha escoliose, que me faz pender para
a direita. E me lembrei do quanto a metáfora da casa em Psicologia nos remete
ao corpo, além contribuir para análise
da personalidade do sujeito, que também podemos aplicar na casa montada pelo
nosso cliente/paciente em origami.
Conforme explico em textos
anteriores, o uso do origami no setting arteterapêutico tem feito parte
da minha prática clínica de forma experimental. Percebo na técnica da dobradura
de papel muitas possibilidades e propriedades favoráveis à coleta de dados no
processo criativo. Tenho escolhido dobraduras mais simples num primeiro contato
do cliente/paciente, que podem passar a outras um pouco mais complexas, ao
longo do processo. Quando isso é possível, vejo que há uma evolução no uso da
técnica, da mesma forma que a prática do bordado ou do crochê vai facilitando
seu uso. Na amplificação simbólica, conforme explica Philippini (2013, p. 21), para
“aumentar a possibilidade de compreensão do significado de um símbolo”, pode-se
trabalhar com uma multiplicidade de modalidades expressivas ou no
aprofundamento de uma só modalidade. Se optarmos por este último caso, o uso
aprofundado do origami permitirá, por exemplo, maior facilidade de lidar com as
etapas e as dobras e facilitará um maior desenvolvimento da coordenação motora,
da concentração e da atenção plena. Isso é particularmente verdadeiro em grupos
arteterapêuticos que possam focar no origami. E, neste caso, o uso do origami
modular (técnica que utiliza várias dobraduras, em cores iguais ou
diferentes, que se encaixam umas nas outras, formando uma outra figura) me
parece particularmente interessante. Estou começando, na clínica individual,
experiências com o origami modular e, mais à frente, pretendo falar desse
processo em novo texto, que compartilharei aqui com vocês.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
PIRES,
I. Particularidades da Arteterapia. Não-palavrablogspot, 2020.
Disponível em: https://nao-palavra.blogspot.com/search?q=particularidades+da+arteterapia.
Acesso em: 26/06/23.
MORAES,
E. A arte como instrumento em grupos terapêuticos. Não-palavrablogspot,
2016. Disponível em: https://nao-palavra.blogspot.com/search?q=agir+criativo.
Acesso em: 26/06/23.
PHILIPPINI,
A. Para entender a Arteterapia: Cartografias da Coragem. 5ª edição. Rio
de Janeiro: Wak Editora, 2013.
·
ARTETERAPEUTA
·
PSICÓLOGA
CLÍNICA
·
ESPECIALISTA
EM PSICOLOGIA JUNGUIANA
·
PROFESSORA
DE INGLÊS E FRANCÊS
·
FORMADA
EM ANTIGINÁSTICA ®THÉRÈSE BERTHERAT
·
FORMADA
EM JORNALISMO
ATENDIMENTOS INDIVIDUAIS
E EM GRUPO (ONLINE/PRESENCIAL)
E-MAIL: BEL.ANTIGIN@GMAIL.COM
INSTAGRAM: @ISABELPIRES.ARTEPSI
Obrigada, Isabel por compartilhar mais um texto excelente! Realmente é incrivel o quanto o origami pode desvelar e revelar conteúdos que talvez de outra maneira poderiam não surgir. Gostei especialmente sobre a coleta de dados pela ampliação importante e este chamado a prestar ainda mais atenção aos detalhes da própria atividade, da maneira como é feita, as implicações do processo e o resultado. Muito bom mesmo! Parabéns!
ResponderExcluirObrigada, Tânia! Use o origami na sua coleta de dados e depois me diga. Beijos
ResponderExcluir