segunda-feira, 15 de abril de 2013

FEIO E BELO

            “O `Belo Interior` é aquele para o qual nos impele uma necessidade interior quando se renunciou às formas convencionais do Belo. Os profanos chamam-na feiura. O homem é sempre atraído, e hoje mais do que nunca, pelas coisas exteriores, não reconhecendo de bom grado a necessidade interior.”  Kandinsky*

            É comum que a clínica da arteterapia seja procurada por pessoas que já têm a prática na arte: trabalhos manuais, artesanato, escrita... Por um lado, o conhecimento de algumas técnicas é interessante, pois o paciente se sente a vontade no manuseio dos materiais. Porém, estas pessoas são muito comprometidas com a estética, com o belo, até porque estas produções necessitam de aprovação do público ou até a preocupação com “o que é vendável”. Não admitem produzir algo que fuja das regras do belo e seja esteticamente feio. Porém, em alguns momentos do processo terapêutico é necessário justamente encarar e trabalhar com o que é “feio” e me afeta. (Vale ressaltar que aqui não me refiro ao feio do paciente inseguro com o material, frustrado com a pouca intimidade com ele e com falta de suporte do arteterapeuta. Mas o feio que o paciente produz, independente do material, que expressa seus sentimentos com honestidade)
            Recentemente uma paciente (que já tinha um histórico com trabalhos manuais) se espantou com a máscara de um senhor ranzinza que ela criou em tons de marrom. Ficou se comparando ás outras participantes do grupo que produziram máscaras coloridas, alegres. Dizia: “Credo! Como posso ter feito algo tão feio?!? E eu odeio marrom!” Ficou tão mexida com aquela imagem que levou pra sua terapia individual a sensação .tão forte de ter produzido aquela “feiura” A paciente percebeu que, embora estivesse acostumada a somente produzir coisas belas,  este trabalho expressava uma “Necessidade Interior”: um aspecto ranzinza, rígido e ácido que nasceu dentro dela, depois de episódios tão difíceis vividos ultimamente como doenças e conflitos familiares.
            Neste momento, criar algo feio, não esperado externamente ou socialmente, faz todo sentido. Inclusive se torna uma experiência libertadora, pois assim o indivíduo pode admitir e expressar da forma mais honesta possível consigo mesmo, seus sentimentos mais profundos e verdadeiros. E assim, o que é feio na ótica da estética, se torna o que Kandinsky chamou de o “Belo Interior”, 
           

* Livro: “Do espiritual na arte”, Kandinsky

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