Recentemente
li sobre um episódio da vida de Freud que me intrigou. Em 1913 Freud passou
várias tardes em Roma encarando a figura de Moisés, esculpida em mármore por
Michelangelo. Em uma carta para sua esposa Martha, Freud escreve: ”Visito diariamente o Moisés e acho que poderia
escrever umas poucas palavras sobre ele... ao longo de três semanas
solitárias de setembro, detive-me diariamente na igreja diante da estátua,
estudei-a, medi-a, sondei-a, até que me veio a compreensão que só ousei
expressar no papel anonimamente”. Freud realmente estava
fascinado por aquela obra.
O
artigo citado traz a questão: qual o momento na vida de Moisés Michelangelo
reproduziu? “Foi a descida do Monte Sinai, onde Moisés recebera de Deus as
Tábuas, o momento em que o povo havia naquele meio-tempo feito para si
um bezerro de ouro e estava dançando em torno dele e rejubilando-se. Esse
é o espetáculo que evoca os sentimentos representados em seu semblante –
sentimentos que no instante seguinte se transformará em ação violenta. Michelangelo
escolheu esse último momento de hesitação, de calma antes da tempestade, para
representar o homem Moisés. No instante seguinte, Moisés se erguerá – seu pé
esquerdo já se alçou do solo – arremessará as Tábuas por terra e desencadeará
sua cólera sobre o povo infiel”
O
interessantíssimo é observar que o momento escolhido por Michelangelo era
bastante similar ao momento que Freud vivia: seu conflito com Jung. Assim como
Moisés irou-se com o povo que havia ferido e deturpado as leis de Deus, Freud
se encontrava irado com as apropriações indevidas que, no seu entender, Jung
fez de sua criação, a psicanálise. Quando voltou de viagem Freud escreveu
“História do movimento Psicanalítico” defendendo que a psicanálise era uma
invenção sua e somente ele poderia dizê-la.
Um encontro com
uma obra de arte. Um “reconhecimento” de consteúdo tão próprio e pessoal em
algo que eu contemplo fora de mim. Um acontecimento vivo de troca entre
espectador e obra. Este é assunto para um outro texto.
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