terça-feira, 9 de abril de 2013

FREUD E O ENCONTRO COM UMA OBRA DE ARTE

“As obras de arte exercem sobre mim um poderoso efeito, especialmente a literatura e a escultura e, com menos frequência, a pintura. Isto já me levou a passar um longo tempo contemplando-as, tentando apreendê-las á minha própria maneira, isto é, explicar a mim mesmo a que se deve o seu efeito (…) Uma inclinação psíquica em mim, racionalista ou talvez analítica, revolta-se contra o fato de  comover-me com uma coisa sem saber porque sou assim afetado e o que é que me afeta”. Freud em Moisés de Michelangelo

Recentemente li sobre um episódio da vida de Freud que me intrigou. Em 1913 Freud passou várias tardes em Roma encarando a figura de Moisés, esculpida em mármore por Michelangelo. Em uma carta para sua esposa Martha, Freud escreve: ”Visito diariamente o Moisés e acho que poderia escrever umas poucas palavras sobre ele... ao longo de três semanas solitárias de setembro, detive-me diariamente na igreja diante da estátua, estudei-a, medi-a, sondei-a, até que me veio a compreensão que só ousei expressar no papel anonimamente”.  Freud realmente estava fascinado por aquela obra.
O artigo citado traz a questão: qual o momento na vida de Moisés Michelangelo reproduziu? “Foi a descida do Monte Sinai, onde Moisés recebera de Deus as Tábuas, o momento em que o povo havia naquele meio-tempo feito para si um bezerro de ouro e estava dançando em torno dele e rejubilando-se. Esse é o espetáculo que evoca os sentimentos representados em seu semblante – sentimentos que no instante seguinte se transformará em ação violenta. Michelangelo escolheu esse último  momento de hesitação, de calma antes da tempestade, para representar o homem Moisés. No instante seguinte, Moisés se erguerá – seu pé esquerdo já se alçou do solo – arremessará as Tábuas por terra e desencadeará sua cólera sobre o povo infiel”
            O interessantíssimo é observar que o momento escolhido por Michelangelo era bastante similar ao momento que Freud vivia: seu conflito com Jung. Assim como Moisés irou-se com o povo que havia ferido e deturpado as leis de Deus, Freud se encontrava irado com as apropriações indevidas que, no seu entender, Jung fez de sua criação, a psicanálise. Quando voltou de viagem Freud escreveu “História do movimento Psicanalítico” defendendo que a psicanálise era uma invenção sua e somente ele poderia dizê-la.
            Um encontro com uma obra de arte. Um “reconhecimento” de consteúdo tão próprio e pessoal em algo que eu contemplo fora de mim. Um acontecimento vivo de troca entre espectador e obra. Este é assunto para um outro texto.

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