Por Eliana Moraes
Recentemente
iniciei uma série de textos que se propõe a pensar a prática da Arteterapia com
grupos, uma modalidade de trabalho tão comum em nossa área, porém em minha
percepção, ainda pouco embasada teoricamente em suas especificidades. Minha
motivação se deu a partir dos cinco anos de prática em grupos arteterapêuticos
na UIP do Hospital Adventista Silvestre e finalizada esta etapa percebi que
chegava a hora de embasar teoricamente muito do que tive a oportunidade de
testemunhar, observar e atuar intuitivamente. Convido aos leitores interessados
pelo tema, a buscarem os textos anteriores desta série (1) para que acompanhem
a reflexão.
Em
minha busca por literatura que abordasse este tema pude encontrar várias
abordagens teóricas sobre grupos terapêuticos que me sustentaram para criar o
curso “Grupos em Arteterapia” que
acontece atualmente no Espaço Não Palavra. Em literatura específica da
Arteterapia, pude encontrar dois livros que também contribuíram para minha
proposta e recomendo a leitura: “Arteterapia com Grupos: Aspectos teóricos e
práticos” organizado por Maíra
Bonafé Sei e
Tatiana Fecchio Gonçales e “Grupos em
Arteterapia – Redes Criativas para Colorir Vidas” de Ângela Philippini,
Entretanto,
ainda sim, senti falta de alguma literatura que abordasse aspectos específicos
da utilização da arte e do processo criativo como instrumento no trabalho com
grupos terapêuticos. Mais uma vez me senti convocada para uma das minhas grandes
motivações profissionais neste ano: pensar as especificidades da Arteterapia.
Neste contexto, me perguntei: Quais são as especificidades da Arteterapia com
grupos?
Inicialmente, a partir de meus
estudos e da troca com alunas do curso e colegas, pude ressaltar três
especificidades da Arteterapia aos quais se apresentam a partir da utilização
da arte, das técnicas expressivas e processos criativos no manejo com grupos.
Sobre a linguagem e a observação
Em
grupos terapêuticos predomina-se a comunicação verbal entre os participantes e
o manejo desta escuta. Quando utilizamos das técnicas expressivas no setting
terapêutico grupal abrimos canais de comunicação para além da expressão verbal.
Através da arte, fazemos um convite especial para as linguagens não verbais que
tanto compõem a comunicação humana.
Além
disso, ao lado da escuta, cria-se a oportunidade da observação do outro, em
todo o processo do seu agir criativo
e sua obra/imagem produzida. O olhar atento para o outro e a percepção de suas
expressões mais sutis é um hábito que tem se perdido nas relações atuais, tão “líquidas”
(2) ou tão atravessadas pela tecnologia. E a prática nos mostra que esta
observação é bastante mobilizadora de questões individuais e também muito
enriquecedora na construção do sujeito em terapia
Sobre o agir
criativo
A teoria nos diz que a
finalidade do grupo terapêutico se dá porque:
“No grupo, o
indivíduo dá-se conta de capacidades que são apenas potenciais enquanto se encontra em comparativo isolamento. O
grupo, dessa maneira, é mais que um conjunto de indivíduos, porque um indivíduo
num grupo é mais que um indivíduo em isolamento.” (ÁVILA)
“’Fazer
grupo’, ou seja, criar um dispositivo clínico grupal é por pessoas em conjunto
para que a sua intersubjetividade inerente
se revele o mais claramente
possível, demonstrando sua
articulação e sua composição” (ÁVILA)
Em um texto anterior iniciei
uma série de reflexões sobre as especificidades da Arteterapia ao qual defendi
que a partir do processo criativo:
O agir amparado pelo
continente do setting arteterapêutico é uma espeficifidade da Arteterapia dentre as técnicas terapêuticas. Desta forma, o setting se
configura como um ambiente suportado pela transferência com o arteterapeuta
para que o paciente vivencie-se no fazer.
Que perceba-se em suas dificuldades e resistências e tenha a oportunidade
de enfrentá-las. Que em meio a esta experiência ele possa tomar decisões sobre
este enfrentamento (ou não) e que assim ele se responsabilize por ela e por si
como autor e protagonista da sua obra/história. (MORAES)
Se pensarmos neste conceito no contexto do grupo,
percebemos que o agir criativo grupal se
apresenta como uma oportunidade para que os participantes vivenciem-se na
relação com o outro, “no fazer”.
Para além das propostas em Arteterapia mais
comuns, em que cada participante do grupo produz seu trabalho e em seguida
todos compartilham sua experiência, uma grande oportunidade de manejo de grupo
que o arteterapeuta dispõe é propor técnicas que envolva um processo criativo
grupal. Estas propostas estimulam diversas reflexões sobre o indivíduo no
grupo, sua interação, postura, comunicação, atuação. (Sobre possíveis questões
despertadas em técnicas expressivas grupais no setting arteterapêutico pretendo
me aprofundar em uma outra oportunidade)
A prática mostra que em grupos arteterapêuticos,
as técnicas expressivas grupais são riquíssimos instrumentos no manejo do
arteterapeuta, para que os participantes percebam-se, tomem consciência de suas
formas de se relacionarem e façam movimentos de mudança e regulação interna.
Estes movimentos naturalmente transbordarão para as relações além do setting
arteterapêutico, cooperando para a construção de grupos sociais mais saudáveis
e harmônicos.
Sobre o fenômeno do grupo
Um dos princípios que a
teoria de grupo nos apresenta é que o todo é mais do que a soma das partes. Ou
seja, o grupo é mais do que um ajuntamento de pessoas:
“Grupo não é o que parece... Precisamos de teoria
para forjar esta noção. A partir dela podemos vislumbrar o que está mais além
da aparência dos grupos, sua fachada, composta de indivíduos independentes,
autônomos. O Grupo é invisível. O que realmente interessa do grupo é o
invisível, como sugerido pela Hidra de Lerna mitológica – sete cabeças num
animal só. O grupo é uma entidade distinta do simples fato de termos sete
pessoas andando juntas. A dimensão invisível, latente, inconsciente, é a
dimensão real do grupo. De um grupo fazem parte tais e tais pessoas,
fenomenicamente. Eu vejo as pessoas, mas o grupo real é algo formado a
partir das relações entre as pessoas.” (ÁVILA)
Desta forma, do grupo emerge um fenômeno, inconsciente, invisível. E é para este fenômeno que o
terapeuta deve aguçar sua mais refinada escuta. Quando um grupo se forma,
torna-se um organismo vivo, com características peculiares e uma identidade
própria.
Em
Arteterapia o agir criativo grupal e a imagem/obra produzida pelo
grupo devem aguçar a escuta mais apurada do Arteterapeuta. Durante o agir criativo grupal se manifesta o fenômeno do grupo em ato, como uma cena a ser
assistida e observada atentamente. A obra final, deve ser olhada como uma
sombra, um reflexo deste fenômeno que é invisível, mas que se constela na
imagem produzida pelo grupo, tornando alguma parte do fenômeno visível,
passível de observação pelo terapeuta e pelo grupo e tornando-se subsídio para
elaboração das questões individuais e coletivas.
Dentro
destas três especificidades ainda há outras nuances a serem pensadas e além
delas, outras especificidades do uso da arte no manejo com grupos terapêuticos
podem ser apontadas. Esta reflexão é uma construção ainda em aberto para mim e
aberta àqueles que quiserem deixar sua contribuição.
(1) Textos anteriores:
“Arteterapia ‘High Touch’ – Reflexões sobre o
trabalho com grupos arteterapêuticos”
“Arteterapia em Grupo: Um depoimento”, “
“Grupos Arteterapêuticos –
Um estudo (Parte 2)”
(2) Referência à teoria da
Modernidade Liquida de Zygmunt Bauman.
Referências Bibliográficas:
ÁVILA, Lazsio Antônio. O Eu é plural: grupos: a perspectiva psicanalítica
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-24902009000100005
Em 26/02/16
MORAES,
Eliana. A percepção de si dentro do agir: Especificidades da Arteterapia.
Comentário de Luciana Pellegrini:
ResponderExcluirNo grupo percebo que o terapeuta auxiliado pelos demais participantes, são expectadores e parte do processo de cada um. Cada processo criativo realizado no grupo, cada atividade expressiva que se apresenta para o criador da obra e para os observadores , age promovendo a modificação no padrão de um e outro. Assim a ressignificacao acontece de forma coletiva e com uma intensa demanda interna e externa.
Eliana : adorei seu texto. Vc gostaria de dar uma palestra no curso de Psicologia em fevereiro? A gnt pode se falar in box.
ResponderExcluirOlá Maria Cristina!
ExcluirSerá um prazer!
Vamos conversar!
Um beijo!
Vc é a Flavia são sensacionais.
ResponderExcluirEliana, gostaria de saber se você utiliza as técnicas expressivas grupais desde o início, pois há teorias de grupo que sugerem o seu uso depois que o grupo já construiu um mínimo de identidade e autonomia, o que demanda alguns encontros...
ResponderExcluirOlá Sandra! Boa pergunta!
ResponderExcluirNa minha percepção, realmente a introdução de técnicas expressivas grupais depende do contexto do grupo e demanda um olhar apurado por parte do terapeuta.
Naturalmente, em um grupo terapêutico é natural que as técnicas expressivas iniciais sejam para que os integrantes do grupo se apresentem e se conheçam. Mas há técnicas grupais que podem ser inseridas nesse momento inicial.
A evolução da utilização das técnicas grupais vai depender muito da evolução do vínculo grupal, da identidade formada pelo grupo e os fenômenos ali atualizados.
Lembrando que cada grupo constela uma identidade absolutamente única. Por isso é tão importante que o arteterapeuta se instrumentalize teoricamente para a escuta de seu grupo e para sua sustentação!
Sem dúvida, um tema muito rico para ser pensado e debatido!!!!
Um beijo
Arteterapia em grupo tem a energia do grupo que deve ser mantida em circulação e de preferência em alta.
ResponderExcluirCertamente Marcia!
ExcluirObrigada pela contribuição!
Ótimo texto e reflexões para a reta final do pos em Arteterapia.Te acompanho sempre!
ResponderExcluirQue bom saber da sua companhia!
ExcluirUm abraço!