Por
Maria Cristina de Resende
Ao
longo desta semana, durante os atendimentos da clínica, comecei a observar mais
profundamente o impacto das experiências de experimentação livre dos materiais
expressivos usados na Arteterapia. Sabemos que o uso de tais ferramentas expressivas
expõem diversos conteúdos emocionais que habitam nossa alma mais profunda e que
as imagens produzidas a partir de técnicas diretivas ou não, podem (ou não),
nos indicar áreas emocionais muito afetadas. Mas o que minha observação começou
a apontar era o quanto o processo de experimentação livre pode abrir caminhos
para uma experimentação maior na vida e de vida!
Essa é a história de um jovem rapaz que durante muito tempo fora visto como um ser
diferente, um pouco mais acanhado, com dificuldades de ir para o mundo. Um dia
ele precisou seguir adiante, mas algo o impedia de fazer: a insegurança. Sua mãe
sabia que era hora de ir para o mundo, mas seus olhos e gestos sutis não
permitiam que o jovem seguisse, “ele é
muito imaturo, não sabe se virar”. Um a um, os que conheciam conquistavam
novas etapas da vida enquanto seu desejo de conquistar aumentava, assim como
suas dúvidas.
Em
um dos atendimentos sugeri: “Vamos até os
materiais e observe aqueles que te capturam”. Assim ele fez, escolheu
materiais, a princípio desconexos, texturas diferentes, cores diversas e nenhum
direcionamento. Apenas a sugestão: “O que
você pode fazer com as escolhas que fez?” E então,
o olhar foi longe, como Pollock diante de uma tela em branco, assim mergulhou o
olhar do jovem rapaz. Distante, duvidoso e inseguro, sem saber o que fazer, nem
por onde começar. O tempo era dele, não do relógio, e eu estava li, ao seu lado,
paciente, apenas ao seu lado.
E então
ele começou a se aproximar dos materiais, sentir suas possibilidades, organizá-los
diante do suporte e imaginar. Sim, o fundamental: imaginar! E então alguma
coisa foi sendo construída, alguma relação foi sendo estabelecida e no final a
surpresa e o sorriso. “Sim, eu consegui
fazer”. Sim, ele consegue, mas sua insegurança o impede de se aproximar de
suas habilidades e naquele momento ele experimentou fazer algo mesmo sem saber
o quê, fazer algo mesmo com medo de não saber fazer. Porém, o ato de fazer o
estimulou a continuar fazendo até que sua libido fosse satisfeita, até que sua
obra estivesse terminada.
Essa
experiência pode ser considerada uma metáfora para a vida. O estímulo ao uso de
materiais estimula o indivíduo a perceber o que o captura, aproximando-o de seus
desejos, estimula sua imaginação abrindo caminho para que novas imagens surjam
em sua mente sem a censura do certo e errado.
E principalmente estimula o “fazer criativo”, ou seja, o que Argan chama
de agido, ou seja, o processo, o movimento de fazer algo com consciência de si
dentro deste processo. Assim ele fez, percebeu que a insegurança diante de
materiais aparentemente sem relação não o impediu de criar, e enquanto fazia,
enquanto se entregava ao devir, a insegurança se tornou a certeza de que “eu sou capaz”.
“[...] a arte é a consciência de algo de que, de outra forma, não se teria consciência: não há dúvida de que ela amplia a experiência que o homem tem da realidade e lhe abre novas possibilidades de ação.”[1]
O que
a experiência da clínica me mostrou ao longo de quase uma década de
atendimentos é que a realidade que se cria dentro do consultório precisa ser potencializada
até que transborde para fora daquele espaço terapêutico, e então as
experimentações de materiais se transformam em experimentações na vida e,
portanto, de vida!
[1] ARGAN,
Giulio. Arte Moderna. 5ª reimpressão. Ed. Companhia das Letras. 1998.
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