Por Mercedes Duarte - RJ
duarte.mercedes@gmail.com
Este
texto é parte de meu trabalho de conclusão de curso de Arteterapia, realizado
no Espaço Terapêutico Psi. O intuito, que pretende ultrapassar esse texto, é o
de apresentar para o(a) leitor(a), a cada publicação mensal, fragmentos dessa
pesquisa. Vamos ao cerne da proposta:
Neste trabalho,
busquei demonstrar a possibilidade de estabelecer relações, com intuito
terapêutico, entre as cartas de tarô e as artes, seja no que concerne a
movimentos artísticos, técnicas, materiais, teorias e/ou a história de vida de artistas.
Apresentei possibilidades de diálogo especificamente entre os arcanos maiores
do tarô e elementos artísticos que possam viabilizar a aproximação do sujeito
ao conteúdo arquetípico das cartas de tarô. Trouxe algumas possibilidades sem a
pretensão de esgotá-las, evidentemente, já que é um diálogo realizado a partir
do ponto de vista da autora desse trabalho. Devemos levar em conta que os
conteúdos arquetípicos nunca se esgotam e que, desse modo, cada indivíduo pode
apreendê-los em seus diferentes aspectos.
Essa
proposta surgiu no módulo de Leitura Simbólica - ministrado pela professora
Naila Brasil, também orientadora deste trabalho -, onde pudemos compreender o
tarô, associado à mitologia grega, como instrumento terapêutico. Inspirada pela
possibilidade de trazer o tarô para o setting
terapêutico, e também pelas aulas de História da Arte da professora e
arteterapeuta Eliana Moraes, passei a buscar diálogos possíveis entre tarô e a
arte, ao invés do diálogo mais recorrente na Arteterapia do tarô com as
mitologias grega e romana. O intuito é o de lançar mão desse diálogo como
estímulo projetivo, ou seja, como um recurso artístico de sensibilização, facilitador
da projeção de conteúdos psíquicos que precisam ser elaborados, ampliando assim
o repertório de atuação arteterapêutica.
Essas reflexões se desdobraram em vivências que passaram a compor a Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô, em desenvolvimento desde o início do ano de 2021. Portanto, proponho apresentar a(o) leitor(a), nas próximas publicações, reflexões acerca de cada arcano maior do tarô associadas às propostas terapêuticas e às experiências realizadas nas vivências. Desse modo, exponho, nesse presente texto, somente a concepção geral que embasa essa Jornada.
O Tarô e a Arteterapia: uma interação profícua
O tarô é um oráculo
que possui 78 cartas, sendo 22 arcanos maiores, significando segredos maiores,
que diriam respeito a aspectos psicológicos do sujeito, e 56 arcanos menores,
segredos menores, relativos aos cinco elementos da natureza. Além de ser
considerado uma arte divinatória, o tarô pode ser concebido como um objeto de
investigação psíquica do indivíduo. A partir de uma perspectiva junguiana de
sincronicidade, o ato de embaralhar e escolher uma carta, uma imagem,
possibilitaria aquilo que frequentemente é considerado uma “coincidência”, uma convergência
simbólica entre, por exemplo, a narrativa que a carta escolhida propicia e a
configuração ou momento de vida de quem a escolheu.
Os arcanos
maiores do tarô, os quais mais comumente são utilizados nas práticas
terapêuticas, podem apresentar fases do desenvolvimento humano, etapas da
Jornada do Herói (BANZHAF, 2011; NICHOLS, 1997). Cada carta, então,
representaria um arquétipo (JUNG, 2000), uma expressão imagética e simbólica de
padrões cristalizados da experiência humana, próprios ao inconsciente coletivo
(NICHOLS, 1997).
Na Arteterapia, o
contato com essas imagens do tarô – utilizadas como estímulos projetivos -
possibilita a produção de sentidos e significados, na interação
cliente/terapeuta, em diálogo com os conteúdos psíquicos que precisam ser
visibilizados e elaborados. O estímulo projetivo facilita, portanto, a
realização do trabalho plástico no setting
terapêutico, que servirá também, por sua vez, como recurso projetivo para
elaboração daquele conteúdo expresso pelo próprio cliente.
A projeção é um processo
inconsciente em que identificamos, características que são nossas,
primeiramente em um outro, tais como objetos, acontecimentos ou pessoas, ou
seja, projetamos nosso mundo interior no exterior sem percebermos. Portanto, ao
nos darmos conta, as projeções se tornam ferramentas ricas no processo de
autoconhecimento. Assim, ao entrarmos em contato com determinado estímulos
podemos projetar neles nossas questões subjetivas. De acordo com Sallie Nichols
(1997), os arcanos do tarô podem ser considerados excelentes detentores da
projeção, pois “representam simbolicamente as forças instintuais que operam de
modo autônomo nas profundezas da psique humana e que Jung denominou de arquétipos” (1997, p. 26).
Sabemos que, em
determinado momento da vida, os indivíduos passarão por uma transformação
profunda (Arcano da Morte), que se depararão com escolhas difíceis (Arcano dos
Enamorados), que precisarão estruturar e executar um plano com domínio (Arcano
do Imperador) ou simplesmente iniciá-lo com entrega e desprendimento (Arcano do
Louco). Assim, esses arcanos do tarô, por dialogarem com a experiência humana,
resultam em ricos recursos projetivos arteterapêuticos.
Nessa proposta de trabalho, como vimos acima, as obras, biografias, teorias, materiais e técnicas artísticas, além de serem utilizadas como técnicas projetivas, são consideradas elementos de apoio para a compreensão e aproximação dos arquétipos relativos aos arcanos maiores do tarô.
A
aventura da Jornada Arquetípica
O Louco é aquele
que atravessa a Jornada obedecendo a um impulso primeiro. Ele representa o
herói que sai em busca do conhecimento que não possui.
O primeiro
setenário - associado à infância, ao Caminho do Indivíduo (CANNES, 2021) e ao
Reino dos Deuses (NICHOLS, 1997) – reúne alguns arquétipos celestiais que
possuem forte influência sobre o herói. Essa fase inicia com o Mago, Arcano I,
e encerra com o Carro, Arcano VII. O herói então se conecta ao poder criador
(Mago I) e à sabedoria universal (Papisa II). Ele também encontra, nesse
setenário, a arquétipo do Pai e da Mãe, que o apresenta ao mundo dos prazeres e
dos sentidos (Imperatriz III), bem como ao universo das estruturações e
realizações (Imperador IV). Pelo Papa (V), seu professor, o herói é iniciado
nos conhecimentos formais e espirituais. Ainda nesse nível, nosso caminhante é
conclamado a amadurecer, a adentrar o mundo social, aprendendo a tomar decisões
e a fazer suas próprias escolhas, com um(a) companheiro(a) ou não, ele está
ciente que precisa seguir seu próprio caminho (o Enamorado VI). Nesse momento
ele se move em direção ao mundo (segunda fileira), de forma confiante, tomando
as rédeas de sua direção (o Carro VII).
A segunda
fileira, que inicia com a Justiça e finaliza com a Temperança, pode ser
concebida como o Reino da Realidade Terrena e da Consciência do Ego (NICHOLS,
1997), ou o Caminho das Leis (CANNES, 2021). É quando o indivíduo ingressa no
mundo buscando libertar-se da influência da família arquetípica, da primeira
fileira. Nesse lugar o herói desenvolve e toma consciência do ego e estabelece
sua identidade e um lugar na ordem social. Também compreende que tudo é
regulado por regras, princípios e leis. Ao ingressar no mundo, o indivíduo
passa a compreender que será impelido a buscar o equilíbrio (NICHOLS, 1997) e
aprenderá que o mundo, e nós mesmos, somos regidos por princípios e leis
(CANNES, 2021).
A Justiça (VIII)
ensinará todas as leis, das penais, físicas e espirituais e irá ajudá-lo a
lidar com problemas de ordem moral. Também aprenderá que ele será o único
responsável por suas ações e que a solidão é parte integrante dessa existência
(o Eremita IX). A Roda da Fortuna (X) mostrará os ciclos da vida, a lei de que
tudo muda e se repete de forma diferente, evocando assim um desenvolvimento
pessoal. Aprenderá que para haver
desenvolvimento é preciso determinação e o enfrentamento e equilíbrio entre si
e sua natureza instintiva (a Força XI). Mas que também é necessário dosar a
vaidade, pois, por mais forte que seja, diante dos imponderáveis, como a morte
e o envelhecimento, nos tornamos impotentes, restando apenas a entrega como
modo de contemplação transcendente (o Enforcado XII). A Morte (XIII) é mais uma
lei, e que ensinará que todo fim é uma transcendência, e que tudo se
transforma. É a morte, portanto, por seu caráter limite da experiência humana, que
inspira a busca por experiências e questionamentos espirituais e filosóficos (a
Temperança XIV).
Por último, a
terceira fileira é inaugurada pelo Diabo e encerrada pelo Mundo. É nesse último
nível que encontramos o Caminho da Transcendência (CANNES, 2021), ou o Reino da
Iluminação e Auto realização (NICHOLS, 1997), onde o indivíduo, após ter se
estabelecido no mundo exterior, e tomado consciência das influências externas
que o domina, olha também com mais consciência para seu mundo interior. O mundo
externo, os arquétipos condicionantes, já não possuem tanto domínio sobre ele.
Agora pode voltar-se para o que Jung denominou de self, um centro psíquico mais amplo que abrange toda a psique
(consciente e inconsciente) (NICHOLS, 1997), em um caminho direcionado à
integração e individuação, de modo a conectar-se com seu verdadeiro eu, com sua
singularidade.
Rumando à auto realização, o herói se depara com o anjo caído (o Diabo XV), que traz lampejos de luz através da tentação, o inspirando a buscar por transcendências físicas, carnais, esquecendo de sua espiritualidade. Em meio a uma crise de grandes proporções (a Torre XV), que expõe o caráter ilusório do que se vivia, é possível a libertação das amarras do ego. A partir dessa ruptura, com a nudez ensejada pela ausência dos artifícios mundanos, há o vislumbre de que somos parte de algo muito maior, estabelece-se então a esperança de comunhão e cura da alma (a Estrela XVII). Entretanto, antes de um grande salto na evolução, o medo e as inseguranças tomam conta do herói (a Lua XVIII). Mas caso o herói não recue e resista, atravessando os mares de fantasmas, a consciência adquirida se consolida e uma profunda clareza sobre seu propósito se estabelece (o Sol XIX). É nesse momento que há um renascimento, quando todas as coisas passam a ter conexão, e através da rememoração de toda a caminhada o herói encontra o sentido último da existência (o Julgamento XX). E então todas as forças antagônicas com as quais o herói estava lutando unem-se e fluem juntas numa grande dança harmoniosa (o Mundo XXI).
Considerações finais
Com essa explanação, lançamos base para discorrermos e refletirmos, nas próximas publicações, sobre cada arcano maior do tarô (associado a determinado aspecto da arte), bem como acerca das propostas terapêuticas associadas, e a apresentação de algumas experiências vividas nas oficinas que lançam luz sobre a proposta do trabalho. As publicações serão mensais, entretanto, o primeiro texto em que será apresentado um arcano em diálogo com determinado aspecto da arte, será publicado na próxima semana, com o arquétipo do Louco. Até breve!
Bibliografia
BANZHAF,
Hajo (2011). O Tarô e a Viagem do Herói:
A Chave Mitológica para os Arcanos Maiores. Trad. Zilda Hutchinson Schild
Silva. Editora Pensamento: São Paulo.
CANNES, J. E. (2021). Arcanos Maiores: o Mapa da Vida. Site: Clube do Tarô.
Disponível em http://www.clubedotaro.com.br/site/m33_Jaime_Cannes_Caminhos.asp
Acesso em 06/05/21.
JUNG, Carl G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo (2000). Trad. Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva. Editora Vozes: Petrópolis.
___________ [et al.] (2008). O homem e seus símbolos. [concepção e organização Carl G. Jung]. Nova Fronteira: Rio de Janeiro.
MORAES,
Eliana. (2017). Algumas reflexões sobre a música na clínica da Arteterapia. Blog Não-palavra. Publicado em Segunda-feira,
9 de outubro, de 2017.
Disponível
em http://nao-palavra.blogspot.com/2017/10/algumas-reflexoes-sobre-musica-na.html
Acesso em 29/04/21.
NICHOLS, Sallie (1997). Jung e o Tarô: Uma Jornada Arquetípica. Trad. Laurens Van Der Post. Editora Cultrix: São Paulo.
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Sobre a autora: Mercedes Duarte
Parabéns pelo texto e pesquisa Mercedes, fascinante!
ResponderExcluirObrigada, Angela! Fico muito feliz que tenha gostado!
ExcluirObrigada, Angela! Fico muito feliz que tenha gostado!
ExcluirMercedes,
ResponderExcluirParabéns pelo texto! Excelente escolha do tema. Tarô me fascina! Louca para ler os próximos textos seus!
Um abraço,
Claudia Abe
Adorei seu texto. Parabéns!! Inspirador...
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