Por Eliana Moraes – MG
naopalavra@gmail.com
Neste período de pouco mais de um ano de práticas
arteterapêtuicas online, sem dúvida, uma das experiências que mais tem me
marcado é sustentar o “Grupo Quíron:
encontros com o curador ferido”. Este projeto nasceu no início da pandemia,
em diálogo com minha grande parceira Regina Célia Rasmussen, do Espaço
Crisântemo - SP. Esta parceria que nasceu em tempos de encontros presenciais,
ganhou novos territórios quando nos demos as mãos e decidimos nos lançar aos
enfrentamentos das práticas online.
Nossa escuta esteve atenta aos arteterapeutas que
compartilhavam conosco a intensa demanda diante de um social em caos e
sofrimento, mas ao mesmo tempo eles próprios necessitados de acolhimento e
reabastecimento para retornarem ao seu ofício. Neste sentido lembrei-me do mito
de Quíron, um centauro que em determinado momento de sua história, é ferido por
uma flecha envenenada de seu grande amigo Hércules. QuÍron era um ser imortal,
mas como o ferimento não poderia ser curado, passou a sentir dores terríveis. E
justamente ao reconhecer-se vulnerável, por reconhecer suas próprias feridas e
sofrimento, fez-se empático e compreensivo à dor do outro, tornando-se assim o
curador ferido.
Uma das aplicabilidades para este mito se dá ao entendermos que Quíron é o mito do terapeuta: um ser que possui uma escuta empática e sensível à dor do outro e que se dedica à sua “cura”, justamente porque reconhece suas próprias feridas e sofrimento. A partir dessa consciência de si, torna-se tão importante que o terapeuta reconheça sua própria necessidade de cuidado:
Mas... no contexto de um equilíbrio dinâmico de
cuidados, reflete a capacidade do terapeuta de cuidar de si, além de
permitir-se também ser cuidado pelos outros. ‘... A mutualidade nos cuidados é
um dos mais fundamentais princípios éticos...’ (FIGUEIREDO, 2009, p.141)
O terapeuta capaz de assim proceder renuncia a onipotência, alcança a necessidade de humildade assentada na consciência da própria precariedade, da finitude e dos limites, podendo então ser empático ao sofrimento do paciente, já que é também humano. O terapeuta sabe que é também peregrino e encontra-se em travessia. (CARDELLA, 2020, p 61)
Nosso Grupo Quíron se constitui como um grupo oferecido para
arteterapeutas e estudantes que desejam fazer um recorte no tempo e no espaço
para beberem da própria fonte: a arte. É um grupo aberto no sentido de que a
participação dos terapeutas ocorre de acordo com sua disponibilidade e a cada
encontro novos inscritos podem participar. Entretanto, para receber os
contatos, ouvir de forma acolhedora e fazer uma triagem atenta dos
participantes que condizem com nosso público alvo, conto com Regina, meu braço
direito nesta empreitada.
Da mesma forma, a programação é aberta, com temáticas
abordadas independentes entre si, colaborando assim para a flexibilidade de
participação dos experienciadores. Estes encontros acontecem uma vez a cada
três semanas.
Nosso objetivo primeiro era proporcionar um tempo e espaço
para que os terapeutas se permitissem o retirar das personas de profissionais e
estudantes, para que fizessem um contato consigo mesmo, com sua alma, e através
de seus processos criativos e produção de imagens pessoais, pudessem se
reenergizar. A ideia era que, mesmo estando cada um em seu espaço geográfico e
em um processo criativo individual, a presença do afeto catalizador circulasse
entre nós, partindo de uma sensibilização ao qual nos imaginávamos em uma
grande roda.
Com esta configuração tão aberta e flexível, não tínhamos
grandes expectativas quanto à formação de um vínculo grupal tão sólido.
Entretanto para a nossa surpresa, um dos feedbacks que recebemos foi a sensação
de que a experiência grupal estava fazendo a diferença para os participantes. A
possibilidade de dividirmos em grupos de três ou quatro pessoas no momento do
compartilhamento, proporcionou o encontro de pessoas tão distantes
geograficamente mas tão perto em desejo de troca. Ou ainda, o reencontro de
pessoas que já se conheciam, mas que impedidas pelo isolamento social, estavam
há tempos sem se verem. Após alguns meses de encontros regulares, pudemos ouvir
que o Grupo Quíron proporcionava a sensação de pertencimento para aqueles que
tiveram a oportunidade de participar com regularidade.
A necessidade de pertencimento é um dos temas que tem me
atravessado nos últimos tempos e encontrei eco nas palavras de Beatriz
Cardella:
Na clínica isto significa que o terapeuta precisará
reconhecer as necessidades fundamentais da dignidade humana que constituem o
Ethos, como por exemplo: a hospitalidade, o pertencimento, o reconhecimento, a
singularidade, a criatividade, a responsabilidade, a transcendência, entre
outras. (CARDELLA, 2020, p 52)
Referência
bibliográfica:
CARDELLA, Beatriz Helena Paranhos. De volta para casa: ética
e poética na clínica gestáltica contemporânea. 2ª edição. 2020
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Sobre a autora: Eliana Moraes
Arteterapeuta e Psicóloga.
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