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segunda-feira, 31 de maio de 2021

DIÁLOGOS ENTRE ARTE E TARÔ: UMA INTRODUÇÃO

Por Mercedes Duarte - RJ 

duarte.mercedes@gmail.com

Este texto é parte de meu trabalho de conclusão de curso de Arteterapia, realizado no Espaço Terapêutico Psi. O intuito, que pretende ultrapassar esse texto, é o de apresentar para o(a) leitor(a), a cada publicação mensal, fragmentos dessa pesquisa. Vamos ao cerne da proposta:

Neste trabalho, busquei demonstrar a possibilidade de estabelecer relações, com intuito terapêutico, entre as cartas de tarô e as artes, seja no que concerne a movimentos artísticos, técnicas, materiais, teorias e/ou a história de vida de artistas. Apresentei possibilidades de diálogo especificamente entre os arcanos maiores do tarô e elementos artísticos que possam viabilizar a aproximação do sujeito ao conteúdo arquetípico das cartas de tarô. Trouxe algumas possibilidades sem a pretensão de esgotá-las, evidentemente, já que é um diálogo realizado a partir do ponto de vista da autora desse trabalho. Devemos levar em conta que os conteúdos arquetípicos nunca se esgotam e que, desse modo, cada indivíduo pode apreendê-los em seus diferentes aspectos.

Essa proposta surgiu no módulo de Leitura Simbólica - ministrado pela professora Naila Brasil, também orientadora deste trabalho -, onde pudemos compreender o tarô, associado à mitologia grega, como instrumento terapêutico. Inspirada pela possibilidade de trazer o tarô para o setting terapêutico, e também pelas aulas de História da Arte da professora e arteterapeuta Eliana Moraes, passei a buscar diálogos possíveis entre tarô e a arte, ao invés do diálogo mais recorrente na Arteterapia do tarô com as mitologias grega e romana. O intuito é o de lançar mão desse diálogo como estímulo projetivo, ou seja, como um recurso artístico de sensibilização, facilitador da projeção de conteúdos psíquicos que precisam ser elaborados, ampliando assim o repertório de atuação arteterapêutica.

Essas reflexões se desdobraram em vivências que passaram a compor a Jornada Arteterapêutica Arte e Tarô, em desenvolvimento desde o início do ano de 2021. Portanto, proponho apresentar a(o) leitor(a), nas próximas publicações, reflexões acerca de cada arcano maior do tarô associadas às propostas terapêuticas e às experiências realizadas nas vivências. Desse modo, exponho, nesse presente texto, somente a concepção geral que embasa essa Jornada. 

O Tarô e a Arteterapia: uma interação profícua 

O tarô é um oráculo que possui 78 cartas, sendo 22 arcanos maiores, significando segredos maiores, que diriam respeito a aspectos psicológicos do sujeito, e 56 arcanos menores, segredos menores, relativos aos cinco elementos da natureza. Além de ser considerado uma arte divinatória, o tarô pode ser concebido como um objeto de investigação psíquica do indivíduo. A partir de uma perspectiva junguiana de sincronicidade, o ato de embaralhar e escolher uma carta, uma imagem, possibilitaria aquilo que frequentemente é considerado uma “coincidência”, uma convergência simbólica entre, por exemplo, a narrativa que a carta escolhida propicia e a configuração ou momento de vida de quem a escolheu.

Os arcanos maiores do tarô, os quais mais comumente são utilizados nas práticas terapêuticas, podem apresentar fases do desenvolvimento humano, etapas da Jornada do Herói (BANZHAF, 2011; NICHOLS, 1997). Cada carta, então, representaria um arquétipo (JUNG, 2000), uma expressão imagética e simbólica de padrões cristalizados da experiência humana, próprios ao inconsciente coletivo (NICHOLS, 1997).

Na Arteterapia, o contato com essas imagens do tarô – utilizadas como estímulos projetivos - possibilita a produção de sentidos e significados, na interação cliente/terapeuta, em diálogo com os conteúdos psíquicos que precisam ser visibilizados e elaborados. O estímulo projetivo facilita, portanto, a realização do trabalho plástico no setting terapêutico, que servirá também, por sua vez, como recurso projetivo para elaboração daquele conteúdo expresso pelo próprio cliente.

            A projeção é um processo inconsciente em que identificamos, características que são nossas, primeiramente em um outro, tais como objetos, acontecimentos ou pessoas, ou seja, projetamos nosso mundo interior no exterior sem percebermos. Portanto, ao nos darmos conta, as projeções se tornam ferramentas ricas no processo de autoconhecimento. Assim, ao entrarmos em contato com determinado estímulos podemos projetar neles nossas questões subjetivas. De acordo com Sallie Nichols (1997), os arcanos do tarô podem ser considerados excelentes detentores da projeção, pois “representam simbolicamente as forças instintuais que operam de modo autônomo nas profundezas da psique humana e que Jung denominou de arquétipos” (1997, p. 26).

Sabemos que, em determinado momento da vida, os indivíduos passarão por uma transformação profunda (Arcano da Morte), que se depararão com escolhas difíceis (Arcano dos Enamorados), que precisarão estruturar e executar um plano com domínio (Arcano do Imperador) ou simplesmente iniciá-lo com entrega e desprendimento (Arcano do Louco). Assim, esses arcanos do tarô, por dialogarem com a experiência humana, resultam em ricos recursos projetivos arteterapêuticos.

Nessa proposta de trabalho, como vimos acima, as obras, biografias, teorias, materiais e técnicas artísticas, além de serem utilizadas como técnicas projetivas, são consideradas elementos de apoio para a compreensão e aproximação dos arquétipos relativos aos arcanos maiores do tarô. 

A aventura da Jornada Arquetípica

 Como mencionado acima, podemos compreender o tarô como a representação de uma Jornada Arquetípica da existência, uma Jornada do Herói (BANZHAF, 2011), uma viagem em que cada arcano apresenta uma de suas etapas, uma de suas fases rumo ao desenvolvimento pessoal, em busca da realização de si. Essa Jornada poderá se repetir inúmeras vezes para o herói, mas sempre em níveis diferentes, como num movimento espiral. Para tal compreensão do tarô, Sallie Nichols (1997), e Jaime E. Cannes (2021) inspirado no trabalho de Sallie Nichols (1997), adaptou as cinco etapas do processo de individuação de Jung a um esquema que organiza as cartas do tarô de modo a expressar momentos diferentes dessa Jornada. Vinte e um dos vinte dois arcanos são divididos em três fileiras de sete cartas cada, excetuando o Louco, que se posiciona fora desses três níveis, como vemos no esquema abaixo:

O Louco é aquele que atravessa a Jornada obedecendo a um impulso primeiro. Ele representa o herói que sai em busca do conhecimento que não possui.

O primeiro setenário - associado à infância, ao Caminho do Indivíduo (CANNES, 2021) e ao Reino dos Deuses (NICHOLS, 1997) – reúne alguns arquétipos celestiais que possuem forte influência sobre o herói. Essa fase inicia com o Mago, Arcano I, e encerra com o Carro, Arcano VII. O herói então se conecta ao poder criador (Mago I) e à sabedoria universal (Papisa II). Ele também encontra, nesse setenário, a arquétipo do Pai e da Mãe, que o apresenta ao mundo dos prazeres e dos sentidos (Imperatriz III), bem como ao universo das estruturações e realizações (Imperador IV). Pelo Papa (V), seu professor, o herói é iniciado nos conhecimentos formais e espirituais. Ainda nesse nível, nosso caminhante é conclamado a amadurecer, a adentrar o mundo social, aprendendo a tomar decisões e a fazer suas próprias escolhas, com um(a) companheiro(a) ou não, ele está ciente que precisa seguir seu próprio caminho (o Enamorado VI). Nesse momento ele se move em direção ao mundo (segunda fileira), de forma confiante, tomando as rédeas de sua direção (o Carro VII).

A segunda fileira, que inicia com a Justiça e finaliza com a Temperança, pode ser concebida como o Reino da Realidade Terrena e da Consciência do Ego (NICHOLS, 1997), ou o Caminho das Leis (CANNES, 2021). É quando o indivíduo ingressa no mundo buscando libertar-se da influência da família arquetípica, da primeira fileira. Nesse lugar o herói desenvolve e toma consciência do ego e estabelece sua identidade e um lugar na ordem social. Também compreende que tudo é regulado por regras, princípios e leis. Ao ingressar no mundo, o indivíduo passa a compreender que será impelido a buscar o equilíbrio (NICHOLS, 1997) e aprenderá que o mundo, e nós mesmos, somos regidos por princípios e leis (CANNES, 2021).

A Justiça (VIII) ensinará todas as leis, das penais, físicas e espirituais e irá ajudá-lo a lidar com problemas de ordem moral. Também aprenderá que ele será o único responsável por suas ações e que a solidão é parte integrante dessa existência (o Eremita IX). A Roda da Fortuna (X) mostrará os ciclos da vida, a lei de que tudo muda e se repete de forma diferente, evocando assim um desenvolvimento pessoal.  Aprenderá que para haver desenvolvimento é preciso determinação e o enfrentamento e equilíbrio entre si e sua natureza instintiva (a Força XI). Mas que também é necessário dosar a vaidade, pois, por mais forte que seja, diante dos imponderáveis, como a morte e o envelhecimento, nos tornamos impotentes, restando apenas a entrega como modo de contemplação transcendente (o Enforcado XII). A Morte (XIII) é mais uma lei, e que ensinará que todo fim é uma transcendência, e que tudo se transforma. É a morte, portanto, por seu caráter limite da experiência humana, que inspira a busca por experiências e questionamentos espirituais e filosóficos (a Temperança XIV).

Por último, a terceira fileira é inaugurada pelo Diabo e encerrada pelo Mundo. É nesse último nível que encontramos o Caminho da Transcendência (CANNES, 2021), ou o Reino da Iluminação e Auto realização (NICHOLS, 1997), onde o indivíduo, após ter se estabelecido no mundo exterior, e tomado consciência das influências externas que o domina, olha também com mais consciência para seu mundo interior. O mundo externo, os arquétipos condicionantes, já não possuem tanto domínio sobre ele. Agora pode voltar-se para o que Jung denominou de self, um centro psíquico mais amplo que abrange toda a psique (consciente e inconsciente) (NICHOLS, 1997), em um caminho direcionado à integração e individuação, de modo a conectar-se com seu verdadeiro eu, com sua singularidade.

Rumando à auto realização, o herói se depara com o anjo caído (o Diabo XV), que traz lampejos de luz através da tentação, o inspirando a buscar por transcendências físicas, carnais, esquecendo de sua espiritualidade. Em meio a uma crise de grandes proporções (a Torre XV), que expõe o caráter ilusório do que se vivia, é possível a libertação das amarras do ego. A partir dessa ruptura, com a nudez ensejada pela ausência dos artifícios mundanos, há o vislumbre de que somos parte de algo muito maior, estabelece-se então a esperança de comunhão e cura da alma (a Estrela XVII). Entretanto, antes de um grande salto na evolução, o medo e as inseguranças tomam conta do herói (a Lua XVIII). Mas caso o herói não recue e resista, atravessando os mares de fantasmas, a consciência adquirida se consolida e uma profunda clareza sobre seu propósito se estabelece (o Sol XIX). É nesse momento que há um renascimento, quando todas as coisas passam a ter conexão, e através da rememoração de toda a caminhada o herói encontra o sentido último da existência (o Julgamento XX). E então todas as forças antagônicas com as quais o herói estava lutando unem-se e fluem juntas numa grande dança harmoniosa (o Mundo XXI). 

Considerações finais 

Com essa explanação, lançamos base para discorrermos e refletirmos, nas próximas publicações, sobre cada arcano maior do tarô (associado a determinado aspecto da arte), bem como acerca das propostas terapêuticas associadas, e a apresentação de algumas experiências vividas nas oficinas que lançam luz sobre a proposta do trabalho. As publicações serão mensais, entretanto, o primeiro texto em que será apresentado um arcano em diálogo com determinado aspecto da arte, será publicado na próxima semana, com o arquétipo do Louco. Até breve! 

Bibliografia 

BANZHAF, Hajo (2011). O Tarô e a Viagem do Herói: A Chave Mitológica para os Arcanos Maiores. Trad. Zilda Hutchinson Schild Silva. Editora Pensamento: São Paulo.

 CANNES, J. E. (2021). Arcanos Maiores: o Mapa da Vida. Site: Clube do Tarô.

Disponível em http://www.clubedotaro.com.br/site/m33_Jaime_Cannes_Caminhos.asp

Acesso em 06/05/21.

 JUNG, Carl G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo (2000). Trad. Maria Luíza Appy, Dora Mariana R. Ferreira da Silva. Editora Vozes: Petrópolis. 

___________ [et al.] (2008). O homem e seus símbolos. [concepção e organização Carl G. Jung]. Nova Fronteira: Rio de Janeiro. 

MORAES, Eliana. (2017). Algumas reflexões sobre a música na clínica da Arteterapia. Blog Não-palavra. Publicado em Segunda-feira, 9 de outubro, de 2017.

Disponível em http://nao-palavra.blogspot.com/2017/10/algumas-reflexoes-sobre-musica-na.html Acesso em 29/04/21.

 NICHOLS, Sallie (1997). Jung e o Tarô: Uma Jornada Arquetípica. Trad. Laurens Van Der Post. Editora Cultrix: São Paulo.

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Sobre a autora: Mercedes Duarte


Arteterapeuta, Mestre em Ciências Sociais, pesquisadora autônoma de arte, terapia e oráculos

5 comentários:

  1. Parabéns pelo texto e pesquisa Mercedes, fascinante!

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    1. Obrigada, Angela! Fico muito feliz que tenha gostado!

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    2. Obrigada, Angela! Fico muito feliz que tenha gostado!

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  2. Mercedes,
    Parabéns pelo texto! Excelente escolha do tema. Tarô me fascina! Louca para ler os próximos textos seus!
    Um abraço,
    Claudia Abe

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  3. Adorei seu texto. Parabéns!! Inspirador...

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