Eliana
Moraes (MG) RJ
naopalavra@gmail.com
“As aproximações com a música são... as mais ricas de ensinamentos. A música é, há muitos séculos, a arte por excelência para exprimir a vida espiritual do artista... Para o artista criador que quer e que deve exprimir seu universo interior...
O
som musical tem acesso direto à alma. E aí encontra, porque o homem tem ‘a
música em si mesmo’, um eco imediato. ” Kandinsky
Tenho
pensado sobre a utilização de expressões artísticas como estímulos projetivos
para a clínica da Arteterapia. Já escrevi sobre alguns pintores que me
atravessaram como René Magritte, Piet Mondrian, Abraham Palatnik e Edward
Hopper. Embora as artes visuais tenham me instigado de forma singular nos
últimos tempos, estas não são as únicas expressões artísticas aos quais o
arteterapeuta tem como instrumento clínico. Afinal, as técnicas projetivas são
aquelas às quais o cliente/paciente
recebe um estímulo direcionado à algum dos cinco sentidos, e a partir dele fala
o que percebe, pensa, sente. Naturalmente ali projetará conteúdos próprios e na
sensação de falar de um terceiro, falará de si.
Quando abordamos estímulos projetivos auditivos,
automaticamente podemos pensar em música. Existem inúmeros estudos que apontam
uma profunda ligação entre a música e emoção (deixo a sugestão para que os
arteterapeutas pesquisem sobre este tema para se apropriarem destes embasamentos).
Na prática da Arteterapia, a música se mostra bastante mobilizadora de afetos e
memórias e nos últimos tempos, a propósito da minha clínica, tenho parado para
refletir de forma especial sobre ela.
O texto de hoje se dá como articulações iniciais deste
tema tão abrangente e potente em sua variedade de possibilidades como material
para arteterapeutas.
Música:
uma arte da cultura brasileira
Tenho pensado que talvez a música seja a expressão artística mais cotidiana e democrática de nossa cultura. Ela está presente nos
mais variados ambientes frequentados em nosso dia a dia. É muito difícil
encontrarmos alguém que não tenha qualquer relação com a música. Sendo assim
acredito que esta seja uma linguagem da arte bastante acessível àqueles que
chegam para a clínica da Arteterapia, sobretudo aqueles que chamo de “pacientes
leigos”, que não têm qualquer histórico com as artes.
Dentre os artistas, talvez o músico seja o mais
próximo,
que mais alcança o público na cultura brasileira. Estas reflexões foram
aquecidas quando me lembrei de uma exposição que visitei em 2015, chamada
“Música canta a República”, no Centro
Cultural dos Correios, RJ. A mostra continha fotografias,
painéis, cartazes, áudios, vídeos e textos relacionados a 110 canções brasileiras
de 1902 a 2002. Com diferentes gêneros musicais - maxixe, marchinhas, caipira,
samba, MPB, rock, rap – que faziam referência a 80 temas políticos, como “Vargas
no Poder”, “Democracia de Massas”, “Anos Dourados?”, “Ditadura e
Resistência”, “Que país é esse” e “Eu só quero ser feliz”.
Porém, ao longo da exposição ficou claro que os
temas não se resumiam à política, mas revelavam nossa história e a maneira como
os artistas de nossa cultura, a partir de suas sensibilidades, a registravam.
Nas palavras do curador da exposição:
"Não é só nos
períodos de ditadura que teve música de protesto. Existe uma tradição de
crônica musical, não apenas sobre política, mas sobre comportamento, economia,
cultura. Desde a época do império e principalmente com o Carnaval, criou-se
esse hábito de fazer música sobre os acontecimentos do ano anterior. Então
isso nos deu esta permanência e é o que nos distingue do resto do mundo... Não
há um fato, evento ou personagem que não esteja registrado na música. Isso é
uma coisa muito brasileira que não fica só na trilha do humor, é também
sátira, reclamação, protesto." Vladimir Sachetta *
Meus
estudos sobre a arte moderna, artistas e pintores europeus do século XX
ganharam outro olhar quando compreendi que invariavelmente os movimentos
artísticos e suas obras se tratavam de expressões e busca de caminhos possíveis
para fatos marcantes daquele recorte histórico, como as duas grandes guerras.
Assim, da mesma forma, podemos compreender a música como uma tradicional
linguagem da arte que nos é própria como cultura, para expressão e busca de caminhos
possíveis diante de nossa história e contexto sóciocultural. Se fizermos um
exercício de memória poderemos citar um grande número de músicas que podemos
considerar como registros de nossa história como brasileiros. Deixo aqui o
convite para que o leitor deixe nos comentários a(s) música(s) que ache válido
ser(em) lembrada(s).
Cabe
aqui também o convite aos amigos do Não Palavra para aguçarem a escuta sobre a
música brasileira produzida na atualidade – aqui não importando se artistas
consagrados ou artistas de rua. O que a música brasileira de nossos tempos tem
nos dito?
A música na clínica da
Arteterapia: algumas propriedades
“ - Você conserta meu
coração?
- Concerto.
(desde então tudo foi
música)”
Zack Magiezi
A
música é utilizada para fins terapêuticos desde os tempos ancestrais. Mas penso
que se a compreendermos como expressão tradicional de nossa cultura, nós
arteterapeutas brasileiros devemos nos aprofundar neste estudo e nos instrumentalizar
para oferece-la aos nossos clientes/pacientes e ao social de forma consistente
em sua infinidade de possibilidades e diversidade. Esta é uma expressão artística
que dificilmente provocará resistência para aos que chegam para clínica da
Arteterapia, apresentando-se como uma oportuna porta de entrada para a sensibilização do paciente para o contato com a arte.
As
músicas instrumentais são muito estimulantes em várias dimensões. A partir de
suas intensidades, potências, acordes maiores ou menores, servem de estímulos psicológicos
e sensoriais que provocarão o ouvinte. Podem ser acionadas em casos de
esvaziamento ou empobrecimento emocional para o acesso a memórias afetivas,
sensações e sentimentos que aquecerão as reflexões terapêuticas. Bastante
estimuladora também de variadas funções cognitivas, estimulação interessante
não apenas para crianças em desenvolvimento ou idosos para a prevenção/tratamento
de declínios cognitivos, mas para seres humanos de forma geral:
“O processamento musical envolve uma ampla gama de áreas
cerebrais relacionadas à percepção de alturas, timbres, ritmos, à decodificação
métrica, melódico-harmônica, à gestualidade implícita e modulação do sistema de
prazer...” MUSZAT
Já as músicas que possuem letra, podem ser
exploradas em sua poesia, como recursos para um diálogo consigo mesmo, através
de um “interlocutor”: o artista, que também será objeto de projeção do ouvinte.
Como arteterapeuta invisto em minha própria discografia, coletando em um pen
drive ou no aplicativo spotfy músicas que me atravessam em minha experiência de vida que entendo que em
algum momento poderão emergir como temáticas clínicas. Em algum momento posso
estimular que o paciente traga uma música que lhe toque, que lhe diga algo, ou
que faça parte da trilha sonora de sua vida. Se quisermos acessar uma música de
forma espontânea, podemos utilizar o recurso da fantasia dirigida ao qual o
paciente irá buscar por si próprio, como mensagem de seu inconsciente, a música a
ser investida.
A experiência de (re)ouvir aquela música dentro do
setting arteterapêutico, em um ambiente suportado pela transferência, na
companhia do terapeuta, certamente atualizará a relação do sujeito com aquela
música e o provocará no caminho de elaboração de seus conteúdos.
Estas
são algumas reflexões iniciais sobre o uso de músicas na prática da
Arteterapia. Mas este tema ainda está aquecido nos diálogos com interlocutoras da
minha rede, pessoas que me instigam à pensar a Arteterapia. Nos próximos dois textos deste blog, estas parceiras trarão suas percepções e novas contribuições sobre esta linguagem da arte tão nossa.
Caso você tenha se identificado com a proposta do “Não palavra abre as portas” e se sinta motivado a aceitar o nosso convite, escreva para naopalavra@gmail.com
Assim poderemos iniciar nosso contato para maiores esclarecimentos quanto à proposta, ao formato do texto e quem sabe para um amadurecimento da sua ideia.
A Equipe Não Palavra te aguarda!
* Fonte:
http://www.jb.com.br/cultura/noticias/2015/08/12/exposicao-a-musica-canta-a-republica-de-franklin-martins-e-inaugurada-no-rio/
Referência
Bibliográfica:
KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte.
MUSZKAT,
Mauro. Música, neurociência e desenvolvimento humano.
Disponível
em: http://www.amusicanaescola.com.br/pdf/Mauro_Muszkat.pdf
Que artigo maravilhoso! Gratidão por compartilhar suas reflexões sobre o tema.
ResponderExcluirMuito obrigada, excelente reflexão!!!
ResponderExcluirEstou começando estudar um pouco sobre envelhecimento e vejo como a Arte, a Mulher,o movimento auxiliam o declínio cognitivo dos idosos.
ResponderExcluirViver experiências passadas e presentes ativam o cérebro e proporcionam uma qualidade de vida infinita para o idoso abandonado muitas vezes pela nossa sociedade.