segunda-feira, 30 de outubro de 2017

KANDINSKY, A AQUARELA E O SENTIMENTO: O RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA


Por Suzane Guedes - RJ
suguedes@yahoo.com.br


No início de 2015 fui ao CCBB (Centro Cultural do Banco do Brasil) no Rio de Janeiro, (um lugar que me remete ao Sagrado) ver uma exposição de Wassily Kandinsky. Eu estava prestes a começar minha formação clínica em Arteterapia, mas era crua em teoria da arte, minha visão era pelo sentimento e sensação que as obras me provocavam. E com Kandisky esse sentimento foi intenso, forte e visceral. Posso dizer que nesta exposição me senti inebriada com suas obras. Suas imagens me absorviam e me emocionavam, foi uma experiência única e de alma.

A trajetória no curso de formação ampliou meu olhar para a arte, um olhar antes leigo, mas apaixonado, sentiu a necessidade de conhecer mais, de aprender mais. Fui desafiada pela Arteterapia, mas fui também enriquecida por ela. Abriram-se outros mundos dentro de mim, outras possibilidades de crescimento e ampliação do meu desenvolvimento pessoal e social.
Eis que chega um ponto do curso que precisávamos escolher a linguagem na qual iríamos trabalhar nosso projeto pessoal, tinha que ser um desafio, e intuitivamente não tive dúvidas, seria a Aquarela.
Mergulhei neste processo de corpo e alma, fiz aulas, li sobre o tema, produzi bastante. E dentro dos meus estudos, quem estava lá sempre presente? Kandinsky. Este que se tornou meu muso em 2015. Descobri que ele foi o primeiro pintor a fazer uma arte abstrata em aquarela, descobri que ele ligou a arte ao espiritual, como uma experiência de transcendência, descobri que a data de seu nascimento é a mesma data do nascimento do meu marido. Muita sincronicidade, diria Jung, não?
No livro “Do espiritual na arte”, Kandinsky nos brinda com sua fala sobre a ressonância espiritual da arte na alma. Ele fala que essa é uma necessidade interior e constitui o princípio básico de todo trabalho artístico. O autor acredita também que a abstração pura e realismo puro entram na dialética da necessidade interior, a arte em desordem atingirá, então, um estado absoluto de pureza. Não seria então, a abstração, este estado de pureza? Esta arte que atinge a alma?
Acredito que a aquarela cumpre bem este papel, pois permite fluidez, leveza e um estado de abstração e condução a sentimentos profundos. Esta linguagem possibilita acessos ao inconsciente, não sente necessidade de se articular com a função pensamento (mesmo que havendo possibilidades de acessá-lo de acordo com a técnica utilizada). E se faz necessária em um espaço de nossa cultura ocidental tão voltada para o racional, a produção de vieses que estimulem a função sensação e sentimento. Kandinsky aponta que “toda obra de arte é filha de seu tempo e, muitas vezes, mãe dos nossos sentimentos”, a aquarela seria então um artifício mais que contemporâneo para as necessidades de nossos tempos atuais, que cada vez mais necessita de leveza e fluidez.
Kandinsky aponta também no livro citado acima, que após um período de produção materialista, onde os sentimentos elementares como medo, tristeza e alegria que serviram para inspiração do artista, já não são tão relevantes, o artista busca agora sentimentos, segundo ele “matizados, ainda sem nome”, seriam, segundo ele “emoções mais delicadas que nossa linguagem é incapaz de exprimir”.
Acredito que a Aquarela possibilita esses encontros mais profundos, de alma, o meu encontro com a aquarela posso dizer que foi para além de um encontro com cores, tons e luzes. Foi um encontro intuitivo e espiritual. Estar entre pincéis e tintas aquareláveis e com um papel diante de mim, ao contrário de algumas outras técnicas, me traz alegria e muitas vezes fui tocada por uma profunda emoção.
E então, qual seria a função da arte? Qual a nossa função enquanto arteterapeutas ao utilizar a arte como ofício e instrumento de trabalho? De acordo com Schumann citado por KandinskyProjetar a luz nas profundezas do coração humano, eis a vocação do artista”, citando ainda TolstóiUm pintor é um homem que pode desenhar e pintar tudo”.
E nesta última linha de raciocínio, acredito que seja a função do arteterapeuta dar espaço ao outro para ele ser, pintar, criar o que quiser e puder no espaço de tempo presente. Acolhendo seu mundo e sua psique, sua história, ancestralidade, funções tipológicas, dando espaço ao desenvolvimento do outro, sua expressão mais genuína e essencial, seu Si mesmo.
Referências Bibliográficas:
CIVITA, Victor. Gênios da pintura: Wassily Kandinsky. São Paulo: Abril Cultural, 1968.
GUEDES, Suzane. Aquarela: na fluidez dos sentimentos. Projeto pessoal para conclusão de curso na formação clínica em Artetarapia do POMAR. Rio de Janeiro, 2017.
NEVES, José. P. Aquarela: Uma contribuição à prática terapêutica num ateliê. In: Arteterapia – Coleção Imagens da Transformação. Número 11 – Volume 11, 2004. POMAR.
PHILIPPINI, Angela. Linguagens e materiais expressivos em arteterapia: uso, indicação e propriedades. Rio de Janeiro: Editora Wak, 2009.
KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte e na pintura em particular. Tradução Álvaro Cabral, Antônio de Pádua Danesi. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
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Sobre a autora: Suzane Guedes




Suzane Guedes é Psicóloga (CES-JF), Especialista em Psicologia e Desenvolvimento Humano (UFJF) e Arteterapeuta (POMAR).
Colunista no blog O psicólogo Online, no qual escreve sobre Autoestima.
Atua nas cidades do Rio de Janeiro e Três Rios-RJ com atendimento clínico presencial a crianças, jovens, adultos e idosos; ministra grupos e oficinas terapêuticas. Também trabalha como orientação psicológica online.
Suzane acredita na psicoterapia e arteterapia como grande ferramenta de auxílio à transformação e desenvolvimento pessoal e social.
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Atendimento online: http://www.atendimento.opsicologoonline.com.br/suzane-guedes
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