segunda-feira, 21 de abril de 2025

EXPOSIÇÃO DE TARSILA DO AMARAL EM PARIS



Por Isabel Pires - RJ, Paris

bel.antigin@gmail.com


       Hoje, em sequência ao meu texto sobre a biografia de Tarsila do Amaral CLIQUE AQUI, vou falar sobre a exposição dedicada à pintora em Paris, no Museu de Luxemburgo, entre 09 de outubro de 2024 e 02 de fevereiro de 2025, intitulada “Tarsila do Amaral – pintar o Brasil moderno “, sob a curadoria de Cecilia Braschi, doutora em história da arte. De 28 de fevereiro a 08 de junho deste ano, a exposição ainda pode ser vista no Museu Guggenheim de Bilbao. A partir da exposição, ampliarei a biografia que apresentei no meu texto anterior.

O Museu de Luxemburgo mostrou 43 quadros de Tarsila, de acordo com o jornal Les Echos, além de fotos, documentos, catálogos de exposição, ilustrações, desenhos e manuscritos. Também havia vídeos, um painel biográfico e um terminal digital que projetava um álbum de viagens de Tarsila numa tela grande sobre uma das paredes. Esse terminal digital ficava ao lado da linha de tempo biográfica e de um espaço de projeção de vídeo. Um sentido único, pré-determinado, privilegiava a ordem cronológica da vida e da obra de Tarsila, tanto por se tratar de uma retrospectiva, como para mostrar a evolução do seu trabalho. Ao longo da exposição, vários textos falavam sobre Tarsila e o contexto histórico brasileiro e havia, também, algumas citações da artista.



As salas da exposição foram organizadas em função da biografia e do desenvolvimento do trabalho artístico de Tarsila do Amaral. Assim, cada uma tratava de um período da vida da pintora e do tema do trabalho dela naquele período específico, que correspondia ao nome da sala. Por isso, à entrada de cada sala, numa parede, estava o nome do espaço e um texto bem grande que contextualizava o momento histórico-social brasileiro e o momento de vida da pintora, acompanhado de uma foto do Brasil.

No site do museu, havia diversos suportes pedagógicos: podia-se baixar um guia de visita – em francês, inglês ou português -, um dossier pedagógico para as escolas, um aplicativo para o celular com audioguias gratuitos e um “passeio sonoro” com sons da floresta tropical brasileira. Além disso, no site do Grand Palais, que organizou o evento, também era possível encontrar artigos e vídeos sobre Tarsila e sobre a exposição.

O visitante tinha acesso gratuito a um flyer que listava as diversas atividades extras promovidas no museu na época da exposição, tais como palestras, encontros de estudos, visitas guiadas, ateliês, entre outras. Na loja do museu, era possível comprar o catálogo e um jornal da exposição, além de um livro da Éditions Beaux Arts. E uma curiosidade interessante: ao lado do museu, o restaurante Mademoiselle Angelina criou um cardápio de pâtisserie especialmente para a exposição.

Na sala 1, intitulada “Paris/São Paulo: passaportes para a modernidade”, mostrava-se a articulação da obra de Tarsila entre Europa e Brasil, mais especificamente entre Paris e São Paulo. Esse é o momento de busca de identidade pessoal, em que a pintora faz muitos autorretratos. Nesta fase, Tarsila se representa como uma mulher elegante, já que se vestia com as roupas dos melhores costureiros de Paris da época, e, simultaneamente, como alguém que veio do campo e que está ligada às suas origens brasileiras. É o caso dos quadros Autorretrato (Manteau Rouge) e A Caipirinha. Este último - autorretrato cubista pintado em 1923 um ano após a Semana de Arte Moderna - faz referência à sua origem no interior paulista. 

A segunda sala da exposição, consagrada às paisagens, chamava-se “A invenção da paisagem brasileira”. Nesse momento de sua vida, após sua estadia em Paris, Tarsila procura redescobrir seu país e sua identidade brasileira. Sua pintura inventa cenários que não existem na realidade, mas que coexistem em suas pinturas de traços cubistas.

Na sala “Primitivismo e identidade“, os quadros de Tarsila mostravam o verdadeiro rosto do brasileiro, formado pelas culturas ditas primitivas na época, como os indígenas e os negros escravos. Além disso, os quadros de Tarsila desta época retratam ícones da cultura popular brasileira, tais como a Cuca, proveniente das lendas indígenas, e Macunaíma, de Mario de Andrade, que representa a diversidade e o contraste do povo brasileiro. A Cuca é o único quadro de Tarsila existente dentro das coleções francesas. A pintura A Negra pertence ao período pré-antropofágico, um momento de recuperação das origens da cultura brasileira, marcada pela presença do branco, do índio e do negro, este último retratado na personagem do quadro.

         “O Brasil canibal” era o coração da exposição, situado na quarta sala do evento. Trata do momento mais célebre da artista, no qual Tarsila participa do movimento antropofágico no Brasil, o qual nasce justamente a partir de uma obra dela chamada de Abaporu, que, segundo Cecila Braschi, aborda a capacidade de o brasileiro de se apropriar de tudo o que recebe e de transformar isso em algo novo, “graças à sua digestão e reelaboração”. O quadro Abaporu encontra-se atualmente no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires, o Malba, e se tornou o quadro mais caro da história da arte brasileira, com valor estimado em torno de 50 milhões de dólares. Embora este quadro não estivesse presente na exposição do Museu de Luxemburgo, havia os estudos que Tarsila fez antes de pintá-lo, o que foi muito interessante de ver. Nesta quarta sala da exposição, também estavam expostas as obras O Touro e Urutu, que exploram o tema dos animais do universo de Tarsila. São obras inquietantes, que confrontam imagens inconscientes da artista com as imagens da cultura popular.

Em seguida, a sala “Trabalhadores e trabalhadoras” tratava de uma época de mudança radical na vida de Tarsila. Em 1929, a artista se separa de Oswald de Andrade. Nessa fase, o trabalho de Tarsila do Amaral retrata o povo brasileiro em quadros grandes de estilo mural, que revelam a mudança no seu estilo de pintura, marcado, agora, pelo grafismo soviético. Os rostos pintados nos seus quadros deste período são bem individualizados, mas pertencentes a um grupo ou comunidade e refletem a influência de sua viagem recente à URSS com o seu marido, o psiquiatra brasileiro Dr. Osório Cesar, com quem viveu por dois anos. É o caso da obra Operários, de 1933. E, na pintura Trabalhadores, de 1938, Tarsila incorpora uma paleta mais terrosa e explora o tema do mundo do trabalho no campo.

Por fim, a última sala, intitulada “Novas paisagens”, mostrava a última etapa do trabalho de Tarsila do Amaral. Artista que soube se reinventar e acompanhar as mudanças do seu país. Nessa fase, Tarsila pinta as mudanças da cidade de São Paulo, a maior metrópole do Brasil, que começa então a construir seus arranha céus.  É o caso do quadro Metrópole. Já na pintura Terra, quadro jamais exposto nas retrospectivas após a sua morte, Tarsila inaugura um novo estilo, com toques mais leves. Aqui, a pintora parece voltar ao ambiente metafísico e onírico que caracterizou suas obras no período antropofágico. Esse momento do trabalho de Tarsila é pouco divulgado, mas não é menos importante.



         A exposição “Tarsila do Amaral – pintar o Brasil moderno” se propôs a apresentar a pintora brasileira ao público geral francês e mostrava, com eficiência e esmero, a relevância do trabalho de Tarsila do Amaral para o modernismo brasileiro.  Por isso, a retrospectiva apresentava de forma suscinta o contexto sócio-histórico no qual a artista viveu e um pouco de sua biografia. A escolha de um percurso cronológico e biográfico, a meu ver, funcionou muito bem para demonstrar o desenvolvimento do trabalho de Tarsila ao longo dos anos, sempre conectado com os eventos e mudanças do Brasil e do mundo. Como relembrou a curadora da exposição Cecilia Braschi, a partir de uma citação da escritora Patrícia Galvão (mais conhecida como Pagu), Tarsila do Amaral foi “o primeiro exemplo de emancipação mental para todas as mulheres de São Paulo” e provavelmente para todas as mulheres do Brasil.

Morando em Paris há um ano e meio, senti-me reconectada com meu país e minha cultura e muito orgulhosa de Tarsila, com quem me identifiquei por ser alguém que, como eu, sempre viveu no Brasil em meio a uma educação europeia, mas que se sentiu mais brasileira do que nunca ao morar no exterior. Tarsila escolheu voltar ao Brasil e lutar pela valorização de nossa arte, sintetizando em sua obra suas raízes brasileiras e seu aprendizado europeu. Destacou-se no exterior e no nosso país numa época em que as mulheres ainda não tinham espaço para divulgar seu trabalho. Sua trajetória de vida e de arte são um exemplo de coragem, talento, luta e determinação. Viva Tarsila!


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Sobre a autora: Isabel Pires



ü  Arteterapeuta e psicóloga

ü  Mestranda em História da Arte na Université Paris Nanterre

ü  Autora do texto: “Vygotsky e a arte”, no livro Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra

ü  Autora do artigo: “Havia uma menopausa no meio do caminho: a arteterapia na metanoia da mulher de meia idade”, publicado na Revista da AATESP, v. 13, n.02, 2022, que foi tema de palestra homônima ministrada no 24º Congresso Português de Arte-Terapia “Arte, Saúde e Educação”, em outubro de 2023, em Lisboa, Portugal.

ü  Nascida no Rio de Janeiro, atualmente vive em Paris e realiza atendimentos clínicos online em Arteterapia e psicoterapia.

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