Por Isabel Pires - RJ, Paris
bel.antigin@gmail.com
Hoje,
em sequência ao meu texto sobre a biografia de Tarsila do Amaral CLIQUE AQUI, vou falar
sobre a exposição dedicada à pintora em Paris, no Museu de Luxemburgo, entre 09
de outubro de 2024 e 02 de fevereiro de 2025, intitulada “Tarsila do Amaral –
pintar o Brasil moderno “, sob a curadoria de Cecilia Braschi, doutora em
história da arte. De 28 de fevereiro a 08 de junho deste ano, a exposição ainda
pode ser vista no Museu Guggenheim de Bilbao. A partir da exposição, ampliarei a
biografia que apresentei no meu texto anterior.
O Museu de Luxemburgo mostrou 43 quadros de
Tarsila, de acordo com o jornal Les Echos, além de fotos, documentos,
catálogos de exposição, ilustrações, desenhos e manuscritos. Também havia
vídeos, um painel biográfico e um terminal digital que projetava um álbum de
viagens de Tarsila numa tela grande sobre uma das paredes. Esse terminal digital
ficava ao lado da linha de tempo biográfica e de um espaço de projeção de vídeo.
Um sentido único, pré-determinado, privilegiava a ordem cronológica da vida e
da obra de Tarsila, tanto por se tratar de uma retrospectiva, como para mostrar
a evolução do seu trabalho. Ao longo da exposição, vários textos falavam sobre
Tarsila e o contexto histórico brasileiro e havia, também, algumas citações da
artista.
As salas da exposição foram organizadas em função
da biografia e do desenvolvimento do trabalho artístico de Tarsila do Amaral. Assim,
cada uma tratava de um período da vida da pintora e do tema do trabalho dela
naquele período específico, que correspondia ao nome da sala. Por isso, à
entrada de cada sala, numa parede, estava o nome do espaço e um texto bem
grande que contextualizava o momento histórico-social brasileiro e o momento de
vida da pintora, acompanhado de uma foto do Brasil.
No site do museu, havia diversos suportes
pedagógicos: podia-se baixar um guia de visita – em francês, inglês ou
português -, um dossier pedagógico para as escolas, um aplicativo para o
celular com audioguias gratuitos e um “passeio sonoro” com sons da floresta
tropical brasileira. Além disso, no site do Grand Palais, que organizou o
evento, também era possível encontrar artigos e vídeos sobre Tarsila e sobre a
exposição.
O visitante tinha acesso gratuito a um flyer que listava as diversas atividades extras promovidas no museu na época da exposição, tais como palestras, encontros de estudos, visitas guiadas, ateliês, entre outras. Na loja do museu, era possível comprar o catálogo e um jornal da exposição, além de um livro da Éditions Beaux Arts. E uma curiosidade interessante: ao lado do museu, o restaurante Mademoiselle Angelina criou um cardápio de pâtisserie especialmente para a exposição.
Na sala 1, intitulada “Paris/São Paulo: passaportes
para a modernidade”, mostrava-se a articulação da obra de Tarsila entre Europa
e Brasil, mais especificamente entre Paris e São Paulo. Esse é o momento de
busca de identidade pessoal, em que a pintora faz muitos autorretratos. Nesta
fase, Tarsila se representa como uma mulher elegante, já que se vestia com as
roupas dos melhores costureiros de Paris da época, e, simultaneamente, como
alguém que veio do campo e que está ligada às suas origens brasileiras. É o
caso dos quadros Autorretrato (Manteau Rouge) e A Caipirinha.
Este último - autorretrato cubista pintado em 1923 um ano após a Semana de Arte Moderna - faz referência à sua origem no
interior paulista.
A segunda sala da exposição, consagrada às
paisagens, chamava-se “A invenção da paisagem brasileira”. Nesse momento de sua
vida, após sua estadia em Paris, Tarsila procura redescobrir seu país e sua
identidade brasileira. Sua pintura inventa cenários que não existem na
realidade, mas que coexistem em suas pinturas de traços cubistas.
Na sala “Primitivismo e identidade“, os quadros
de Tarsila mostravam o verdadeiro rosto do brasileiro, formado pelas culturas
ditas primitivas na época, como os indígenas e os negros escravos. Além disso, os
quadros de Tarsila desta época retratam ícones da cultura popular brasileira,
tais como a Cuca, proveniente das lendas indígenas, e Macunaíma, de Mario de
Andrade, que representa a diversidade e o contraste do povo brasileiro. A
Cuca é o único quadro de Tarsila existente dentro das coleções francesas. A
pintura A Negra pertence ao período pré-antropofágico, um momento de
recuperação das origens da cultura brasileira, marcada pela presença do branco,
do índio e do negro, este último retratado na personagem do quadro.
“O
Brasil canibal” era o coração da exposição, situado na quarta sala do evento.
Trata do momento mais célebre da artista, no qual Tarsila participa do
movimento antropofágico no Brasil, o qual nasce justamente a partir de uma obra
dela chamada de Abaporu, que, segundo Cecila Braschi, aborda a
capacidade de o brasileiro de se apropriar de tudo o que recebe e de
transformar isso em algo novo, “graças à sua digestão e reelaboração”. O quadro
Abaporu encontra-se atualmente no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos
Aires, o Malba, e se tornou o quadro mais caro da história da arte brasileira,
com valor estimado em torno de 50 milhões de dólares. Embora este quadro não
estivesse presente na exposição do Museu de Luxemburgo, havia os estudos que
Tarsila fez antes de pintá-lo, o que foi muito interessante de ver. Nesta
quarta sala da exposição, também estavam expostas as obras O Touro e Urutu,
que exploram o tema dos animais do universo de Tarsila. São obras inquietantes,
que confrontam imagens inconscientes da artista com as imagens da cultura
popular.
Em seguida, a sala “Trabalhadores e trabalhadoras”
tratava de uma época de mudança radical na vida de Tarsila. Em 1929, a artista
se separa de Oswald de Andrade. Nessa fase, o trabalho de Tarsila do Amaral
retrata o povo brasileiro em quadros grandes de estilo mural, que revelam a
mudança no seu estilo de pintura, marcado, agora, pelo grafismo soviético. Os
rostos pintados nos seus quadros deste período são bem individualizados, mas
pertencentes a um grupo ou comunidade e refletem a influência de sua viagem
recente à URSS com o seu marido, o psiquiatra brasileiro Dr. Osório Cesar, com
quem viveu por dois anos. É o caso da obra Operários, de 1933. E, na
pintura Trabalhadores, de 1938, Tarsila incorpora uma paleta mais
terrosa e explora o tema do mundo do trabalho no campo.
Por fim, a última sala, intitulada “Novas
paisagens”, mostrava a última etapa do trabalho de Tarsila do Amaral. Artista
que soube se reinventar e acompanhar as mudanças do seu país. Nessa fase, Tarsila
pinta as mudanças da cidade de São Paulo, a maior metrópole do Brasil, que
começa então a construir seus arranha céus. É o caso do quadro Metrópole. Já na
pintura Terra, quadro jamais exposto nas retrospectivas após a sua
morte, Tarsila inaugura um novo estilo, com toques mais leves. Aqui, a pintora
parece voltar ao ambiente metafísico e onírico que caracterizou suas obras no
período antropofágico. Esse momento do trabalho de Tarsila é pouco divulgado,
mas não é menos importante.
A exposição “Tarsila do Amaral – pintar
o Brasil moderno” se propôs a apresentar a pintora brasileira ao público geral
francês e mostrava, com eficiência e esmero, a relevância do trabalho de
Tarsila do Amaral para o modernismo brasileiro. Por isso, a retrospectiva apresentava de forma
suscinta o contexto sócio-histórico no qual a artista viveu e um pouco de sua
biografia. A escolha de um percurso cronológico e biográfico, a meu ver,
funcionou muito bem para demonstrar o desenvolvimento do trabalho de Tarsila ao
longo dos anos, sempre conectado com os eventos e mudanças do Brasil e do mundo.
Como relembrou a curadora da exposição Cecilia Braschi, a partir de uma citação
da escritora Patrícia Galvão (mais conhecida como Pagu), Tarsila do Amaral foi
“o primeiro exemplo de emancipação mental para todas as mulheres de São Paulo”
e provavelmente para todas as mulheres do Brasil.
Morando em Paris há um ano e meio, senti-me
reconectada com meu país e minha cultura e muito orgulhosa de Tarsila, com quem
me identifiquei por ser alguém que, como eu, sempre viveu no Brasil em meio a
uma educação europeia, mas que se sentiu mais brasileira do que nunca ao morar
no exterior. Tarsila escolheu voltar ao Brasil e lutar pela valorização de
nossa arte, sintetizando em sua obra suas raízes brasileiras e seu aprendizado
europeu. Destacou-se no exterior e no nosso país numa época em que as mulheres ainda
não tinham espaço para divulgar seu trabalho. Sua trajetória de vida e de arte
são um exemplo de coragem, talento, luta e determinação. Viva Tarsila!
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Sobre a autora: Isabel Pires
ü Arteterapeuta e psicóloga
ü Mestranda em História da Arte na Université Paris Nanterre
ü Autora do texto: “Vygotsky e a arte”, no livro Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra
ü Autora do artigo: “Havia uma menopausa no meio do caminho: a arteterapia na metanoia da mulher de meia idade”, publicado na Revista da AATESP, v. 13, n.02, 2022, que foi tema de palestra homônima ministrada no 24º Congresso Português de Arte-Terapia “Arte, Saúde e Educação”, em outubro de 2023, em Lisboa, Portugal.
ü Nascida no Rio de Janeiro, atualmente vive em Paris e realiza atendimentos clínicos online em Arteterapia e psicoterapia.
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