segunda-feira, 17 de março de 2025

ARTETERAPIA E OS GRANDES ARTISTAS DA HISTÓRIA DA ARTE: TARSILA DO AMARAL


 


Por Isabel Pires - RJ, Paris

bel.antigin@gmail.com 


Na continuação de textos que abordam os grandes artistas da história da arte e a importância de sua biografia e suas técnicas para a Arteterapia, hoje trago a história da vida e da arte de Tarsila do Amaral, a partir de um trabalho que apresentei na Université Paris Nanterre, onde estou fazendo um mestrado em História da Arte. Além disso, em outro texto, vou falar um pouco sobre a exposição dedicada à pintora em Paris, ocorrida entre 09 de outubro de 2024 e 02 de fevereiro de 2025 no Musée du Luxembourg.

Conforme já abordei anteriormente aqui no blog, através da biografia de um grande artista, o paciente pode se identificar com algum aspecto da vida, alguma atitude, alguma mudança, algum acontecimento vivido por esse artista, o que pode lhe indicar novas possibilidades para a sua própria trajetória ou mesmo o alívio ou satisfação de se ver numa situação parecida vivida por esse personagem. Além disso, apresentar as questões emocionais e psicológicas de um grande nome da história da arte, principalmente se for alguém que o paciente admire, revelará a humanidade desse artista, desmistificando-o e, ao mesmo tempo, aproximando-o do nosso paciente.

Tarsila do Amaral nasceu em 1º de setembro de 1886, na cidade de Capivari, no interior do estado de São Paulo. Seu pai, José Estanislau do Amaral, diplomado em Direito, era um latifundiário do café, ou seja, dono de grandes terras de cultivo do café. Sua mãe era compositora e pianista autodidata. Assim, Tarsila nasce dentro da burguesia paulista da época, cuja sociedade ainda era escravagista. Por isso, como era comum na aristocracia brasileira daquele momento, recebe uma educação francesa dentro de casa, ao mesmo tempo em que vive no campo, cercada de mato e com muita liberdade.

Tarsila estuda na capital de São Paulo e, no segundo grau, em Barcelona, no Collège du Sacré-Coeur, época em que pintou, aos 16 anos, o seu primeiro quadro, chamado “Sagrado Coração de Jesus”. Sua primeira viagem a Paris foi em 1904, com sua família, e a artista se encanta com a capital francesa. Mas, no mesmo ano, retorna ao Brasil e se casa com o primo de sua mãe, André Teixeira, com quem tem a sua única filha, Dulce Pinto, nascida em 1906 e falecida em 1966. Sua neta Beatriz, nascida em 1934, morre aos quinze anos.

Em 1916, já separada, Tarsila se muda para São Paulo para estudar pintura, onde tem aulas de escultura com William Zadig e Oreste Mantovani. Em 1917, começa aulas de desenho e pintura com Pedro Alexandrino, em cujo ateliê conhece Anita Malfatti. Tarsila do Amaral abre seu ateliê na Rua Vitória e é lá que se encontram os artistas e intelectuais que farão posteriormente a Semana de Arte Moderna, em 1922. Mas, em 1920, Tarsila volta a Paris com sua filha Dulce, para frequentar a Académie Julien, o ateliê Émile Renard e o curso livre de M. Oury. Na capital francesa, ela convive com seu amigo Blaise Cendrars e outras personalidades importantes da “École de Paris”. Nessa época, também conhece vários artistas e nomes brasileiros que moram na capital francesa, como Vicente do Rego Monteiro, Di Cavalcanti, Heitor Villa-Lobos. Também se torna próxima de Bracusi, Picasso, Erik Satie e André Breton, entre outros. Essa experiência foi fundamental para sua formação como artista e para sua imersão nas tendências do cubismo, expressionismo e futurismo.

Ao voltar ao Brasil, em 1922, pouco depois da Semana de Arte Moderna, Tarsila cria o “Grupo dos Cinco”, com Anita Malfatti, Mario de Andrade, Menotti del Picchia e Oswald de Andrade, com o objetivo de desenvolver uma arte moderna brasileira. Nesse mesmo ano, começa um relacionamento com Oswald de Andrade, com quem forma um casal emblemático do modernismo brasileiro. Casam-se em 1926, ano da primeira exposição individual de Tarsila, realizada em Paris, na Galerie Percier. Dois anos depois, Tarsila pinta, de presente de aniversário para o marido Oswald, o famoso quadro Abaporu, que quer dizer, em tupi-guarani, “homem que come carne humana”. Inspirado por esse quadro, o poeta Oswald de Andrade escreve o Manifesto Antropófago, que inaugura um movimento importante para a arte brasileira, pois busca “devorar” a cultura dominante ocidental, nutrir-se dela, digeri-la, para se apropriar de suas forças. Trata-se de quebrar padrões sociais já estabelecidos e o academicismo neoclássico, ao mesmo tempo em que se buscam as origens primitivas, para produzir uma arte bem brasileira que seja ao mesmo tempo moderna e cosmopolita.

Em 1929, o casal Tarsila e Oswald se separa. É um ano difícil para a artista, que perde sua fortuna familiar com a queda da Bolsa de Nova York e tem que trabalhar para a sua sobrevivência. De 1931 a 1933, a pintora mantém um relacionamento com Osório Cesar, psiquiatra brasileiro pioneiro no uso da arte com pacientes asilados. Os dois já se conheciam desde 1912, das reuniões na casa do senador Freitas Valle, patrono das artes na sociedade paulista do início do século XX. Osório Cesar também foi um dos precursores do modernismo brasileiro, pois esteve sempre junto aos idealizadores dos movimentos de vanguarda da sociedade brasileira da época. Junto com Tarsila, viajou à URSS, de onde o casal voltou encantado com o comunismo. Essa viagem foi fundamental na vida e na obra de Tarsila, que muda seu estilo de pintura e passa a pintar a classe operária.

Perseguida pelo governo ditatorial de Getúlio Vargas, presidente do Brasil entre 1930 e 1945, por ser comunista, Tarsila do Amaral começa a escrever para a imprensa e a ilustrar livros como forma de subsistência, mas continua pintando. A artista vive no ostracismo, por causa das ditaduras no Brasil, até o ano de 1964, quando seu trabalho é reconhecido na Bienal de Veneza. Em 1969, uma grande retrospectiva de Tarsila é realizada no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro e no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. A artista Tarsila do Amaral morre em 1973, em São Paulo, aos 87 anos.



A história de vida e de trabalho de Tarsila nos faz repensar sobre o valor da nossa cultura e de nossas origens. Embora tenha sido educada nos moldes europeus e tenha morado na Espanha e, mais de uma vez, na França, Tarsila se reconheceu ainda mais brasileira quando morou no exterior. Assim como os antropófagos do movimento brasileiro de arte moderna nos anos vinte, soube assimilar as técnicas europeias e uni-las às influências e elementos da nossa cultura, para fazer uma arte única, bem nacional. Se alguém morou ou vive no estrangeiro, como é o meu caso no momento, pode-se identificar e aprender com a experiência de Tarsila do Amaral, pois a biografia da pintora Tarsila nos ensina a valorizar, ainda mais, a riqueza da cultura e da arte brasileiras.

No meu próximo texto, falarei sobre a exposição de Tarsila no Museu de Luxemburgo, em Paris.


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Sobre a autora: Isabel Pires



ü  Arteterapeuta e psicóloga

ü  Mestranda em História da Arte na Université Paris Nanterre

ü  Autora do texto: “Vygotsky e a arte”, no livro Escritos em Arteterapia: Coletivo Não Palavra

ü  Autora do artigo: “Havia uma menopausa no meio do caminho: a arteterapia na metanoia da mulher de meia idade”, publicado na Revista da AATESP, v. 13, n.02, 2022, que foi tema de palestra homônima ministrada no 24º Congresso Português de Arte-Terapia “Arte, Saúde e Educação”, em outubro de 2023, em Lisboa, Portugal.

ü  Nascida no Rio de Janeiro, atualmente vive em Paris e realiza atendimentos clínicos online em Arteterapia e psicoterapia.

Um comentário:

  1. Parabéns, Isabel por este texto tão rico. Certamente escrever sobre a Tarsila é exaltar a nossa brasilidade em terras parisienses e de alguma forma rememorar a trajetória de uma mulher tão importante e fundamental para Arte Moderna Brasileira. Fundamental ressaltar a força, paixão pelo seu país e a resistência desta mulher diante dos reveses da vida. Merece mesmo muitas exposições. Aguardando o próximo texto.

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