segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

PACIÊNCIA – Fechando 2020

 


Eliana Moraes (MG) RJ

naopalavra@gmail.com

“Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para

Enquanto o tempo acelera e pede pressa
Eu me recuso, faço hora, vou na valsa
A vida é tão rara”

 

2020 começou como um ano em que nós estávamos brigando com o tempo. Muitos desejos, muitas oportunidades, muitas ideias, muitas demandas... Muito. Fazendo uma viagem ao tempo em meu processo pessoal, hoje percebo o quanto em janeiro de 2020 eu era uma pessoa que lutava entre o tempo que me pedia pressa e a busca por não perder o contato com minha alma. Luta que nem sempre vencia.

Até que em março fomos atropelados com algo que nunca poderíamos imaginar constar em nossa biografia: uma pandemia e todos os seus desdobramentos. Susto, incertezas, inseguranças, perdas, lutos, saudades... Mas sabemos que para aqueles que são comprometidos com seu processo de individuação, “toda crise é uma oportunidade”.

 

“Será que é tempo que lhe falta pra perceber
Será que temos esse tempo pra perder
E quem quer saber
A vida é tão rara, tão rara”

De uma hora para outra, ganhamos (ou resgatamos) aquilo que nos faltava: tempo. E o que fizemos com ele? Esta é uma resposta que fala sobre cada um de nós. Nos últimos dias tenho feito esta reflexão sobre meu processo pessoal, mas para além dele, também refleti sobre o que significou 2020 para o Não Palavra e para a Arteterapia. Sem dúvida este foi um ano em que fomos impelidos a nos reinventar. E hoje percebo que não fugimos à luta.

Sinto um imenso orgulho ao constatar que a Arteterapia respondeu à convocação da demanda social quando se permitiu à abertura para os trabalhos online, sendo um esteio de saúde tanto para seus experienciadores quanto para os próprios profissionais da área em suas humanidades.

Quanto ao Não Palavra, quanta alegria ao contemplar os novos encontros, contatos, relações, parcerias. Definitivamente a rede Não Palavra cresceu exponencialmente quando adentrou às ferramentas digitais. Cada palestra ou vivência era recheada com pessoas de vários estados do país, que se encontravam e se fortificavam mutuamente. Foi um prazer inenarrável compartilhar este tempo como cada um dos participantes! Novos encontros que se firmaram em parcerias de trabalho com pessoas que demonstram o mesmo amor e senso de missão através da Arteterapia. Velhas e novas parcerias que ainda renderão muitos frutos daqui pra frente.

“Toda crise é uma oportunidade” atualiza seu sentido quando compreendemos que no meio do caos de 2020, tantos encontros e trocas foram possíveis, simplesmente porque soubemos investir nosso tempo em perceber que a vida nos é tão cara.

Quanto ao blog, cumprimos mais um ano de missão ao publicar um texto por semana sobre a Arteterapia e saberes correlatos. Proposta que só é possível porque contamos com uma (cada vez maior) rede de coautores que se disponibilizam a compartilhar suas práticas e aprendizados. Neste ano foram quarenta e cinco textos de vinte autores, aos quais deixo aqui minha mais profunda gratidão! Retornaremos com as atividades do blog no dia oito de fevereiro de 2021, contando com estes e novos coautores que queiram integrar à nossa rede.  

E as gratificações continuam: encerramos o ano concluindo o mais novo projeto do Não Palavra: o primeiro livro de compilação de textos dos colaboradores do blog. Esta nova linha editorial recebeu o nome de “Escritos em Arteterapia – Coletivo Não Palavra”, um sonho antigo que terá seu lançamento oficial em janeiro de 2021.

 

“Enquanto todo mundo espera a cura do mal
E a loucura finge que isso tudo é normal
Eu finjo ter paciência

O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo e o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência”

Hoje encerramos o ano de publicação do blog, na certeza de que aproveitamos todas as oportunidades que a(s) crise(s) de 2020 nos trouxe. Este enorme desafio ainda não terminou. Ainda temos um caminho pela frente, enquanto aguardamos a cura do mal. Enquanto isso, é necessário um pouco mais de paciência.

Escolhi fechar este ciclo com uma música que muito me acompanhou ao longo do ano, homenageando um grande artista brasileiro que muito me inspirou neste processo: Lenini. Embalada por sua poesia cantada, ao fechar o ano de 2020, proponho que utilizemos este período de tempo para o silêncio, a reflexão, a observação do percurso até aqui, a elaboração dos aprendizados, a sedimentação dos novos recursos e a abertura dos canais intuitivos sobre o que está por vir.

Meu desejo é que cada amigo do Não Palavra encontre um sentido para tudo o que foi vivido, que não saia desta experiência da mesma forma que entrou, mas que sobretudo tenha sempre a certeza de que apesar de tudo, a vida é tão rara, tão rara.

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Sobre a autora: Eliana Moraes 



Arteterapeuta e Psicóloga.

Pós graduada em História da Arte
Especialista em Gerontologia e saúde do idoso.
Fundadora e coordenadora do "Não Palavra Arteterapia".
Escreve e ministra cursos, palestras e supervisões sobre as teorias e práticas da Arteterapia. 
Atendimentos clínicos individuais e grupais em Arteterapia. Nascida em Minas Gerais, coordena o Espaço Não Palavra no Rio de Janeiro.

Autora dos livros "Pensando a Arteterapia" Vol 1 e 2

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

É PITANGA!

 

Pitangas

 

Por Claudia Maria Orfei Abe - São Paulo/SP

leonardo.claudia@gmail.com

 

Minha amiga Rita Maria me presenteou pitangas!

Na mesma noite fiquei pensando: esta pitanga pode dar uma sessão de arteterapia. Separei uma parte e levei comigo até a casa de meu pai.

Iniciamos a sessão arteterapêutica como sempre; meu pai aos 86 anos e minha tia materna com 93 anos em 08/09/2020. Coloquei algumas pitangas em dois pratinhos, um para cada. Falei que iriam desenhar e pintar pitangas, e que as frutinhas verdadeiras serviriam de inspiração. Cada um escolheu um material. Pai escolheu pincéis, papel e pastilhas para aquarela. Tia escolheu papel canson e lápis de cor aquarelável (ofereci este por ser mais macio).

Minha tia ainda tem pânico ao ver folha em branco, sem desenho, então olhamos algumas fotos de ramos de pitangueira no Google, pelo celular, até ela escolher uma foto. Eu me baseei na foto escolhida e fiz um desenho parecido à lápis e ela foi apontando onde acrescentar alguma folha verde no desenho. Desenhei também as pitangas distribuídas ao longo do galho. Já o meu pai, preferiu ele mesmo fazer o desenho enorme da suposta pitanga.

Durante a sessão, lembrava-os que deveriam olhar para as pitangas reais para se inspirarem.

Para a minha surpresa, meu pai acabou trocando a aquarela pelo lápis aquarelável. Pintava, retocava, voltava, acrescentava, pintava mais forte. Minha tia numa velocidade uniforme foi pintando em tom suave, percorrendo todo o desenho. Demorou-se apenas na primeira folha verde.

De repente, quando olho, meu pai tinha comido uma pitanga !

Ao terminarem a pintura, sugeri uma nova experiência que eles toparam no mesmo instante: colocar água na pintura por meio de pincel e ver o que aconteceria. Ofereci primeiramente um pincel fino. Logo em seguida, meu pai trocou sem eu perceber, por um pincel bem mais grosso. E assim foram surgindo as cores vibrantes.




Ele optou por não pintar a parte verde que ele caprichou tanto passando várias vezes três tons de verde. Ela, por outro lado, colocou água em todo o desenho.

Esta atividade nos remete ao movimento artístico Impressionismo, no qual o pensamento analítico do artista foi sendo substituído pela visão:

Os impressionistas ocupavam-se exclusivamente da sensação visual, e defendiam que a experiência da realidade que se realiza com a pintura é uma experiência plena e legítima. (MORAES, 2019, pág 149)

Eis que chegou o momento de colocar o título nos trabalhos.

Quando fomos para o compartilhamento, minha tia falou seu título em voz alta: “Ramo com folhas e cerejas”. “Tia, eu falei o tempo todo PITANGAS!” - Ela caiu na risada.

Meu pai sentiu dificuldade em dar o nome. Quando eu falei que eram PITANGAS, ele disse: “Não era maçã?” - E terminou dando o título de “Tomate”!

“a pintura não deve representar o que está diante dos olhos, e, sim, o que está na retina do pintor”. (MORAES, 2019, pág.154)

 


Pai: “Tomate”

Tia: “Ramo com folhas e cerejas”

 

Olhei o pratinho dele, restaram apenas os caroços, ele comeu todas as pitangas!

Para a palavra final, minha tia simplesmente definiu toda a sessão: “Confusão”.

Esses dois estão me deixando maluca!!!

Nota: Este texto serve de alerta para todas as pessoas que fazem atividades com idosos. Evitem deixar objetos pequenos sobre a mesa de trabalho durante a atividade, para evitar riscos de deglutição, engasgo e/ou possível aspiração do objeto. Fiquem bastante atentos pois quando vai ver, já foi!

 

Bibliografia

MORAES, Eliana – Pensando a Arteterapia: volume 2 / Eliana Moraes. 1. ed. – Divino de São Lourenço, ES: Semente Editorial, 2019.

 

Se você quiser ler meus textos anteriores neste blog, são eles:

O que é que a Baiana tem? – 26/10/20

Escrita prá lá de criativa – 27/09/20

Fazer o Máximo com o Mínimo – 01/06/20

Tempo de Corona Vírus, Tempo de se Reinventar – 13/04/20

Minha Origem: Itália e Japão – 17/02/20

Salvador Dali e “As Minhas Gavetas Internas” - 11/11/19

“’O olhar que não se perdeu’: diálogos arteterapêuticos entre pai e filha” – 19/08/19

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Sobre a autora: Claudia Maria Orfei Abe

 


Arteterapeuta – atuei em instituição com o projeto “Cuidando do Cuidador”, para familiares e acompanhantes dos atendidos. Atuei também em instituição de longa permanência para idosos com o projeto “Mandalas”, sua maioria com Doença de Alzheimer.

Atendo em domicílio e on line.